Opinião
- 15 de agosto de 2013
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O vazio de Isabela Boscov
O amigo Allen Ribeiro me enviou uma crítica de Isabela Boscov, da revista "Veja" sobre o filme “Amor Pleno”, de Terrence Malick. Boscov acha o filme chato, repetitivo, sem muito a acrescentar e, o mais importante, sem “nada a dizer”. E esta é a reação de muitos ao se defrontarem com os filmes de Malick ou outros na mesma tradição de cinema. Estes parecem, num primeiro momento, entediantes, com imagens e sons excessivos, em detrimento das tramas e reviravoltas da narrativa, com poucos diálogos, personagens distantes e pouco ativos, além de serem longos em demasia.
Porém, algo pode ser colocado contra comentários como a de Isabela Boscov. Este tipo de análise estética a certo estilo de filme parece ser direcionada apenas para a “superfície” dos mesmos, sendo injusta com o conteúdo e a forma estética própria apresentada pelo diretor. A trama deste estilo de filmes - pois o estilo de Malick segue uma tradição de cinema existencial que inclui nomes como Robert Bresson e Andrei Tarkovsky - é, de fato, em sua superfície, muito simples, até simplória em termos de acontecimentos e narrativa. Têm pouco para nos entreter. Mas o que críticas similares simplesmente ignoram é que Malick faz uma leitura extremamente complexa e profundamente existencial do amor em suas diversas dimensões por meio de uma abordagem distinta de cinema. Nesta, ele lança mão do uso consciente de imagens e sons em detrimento de enredos e ação excessiva. No caso de “Amor Pleno” o que é trabalhado de forma magistral é nada menos que as difíceis veredas na busca da capacidade de amar verdadeiramente o outro e a si mesmo. Esta busca se torna possível apenas pela capacidade de amar a Deus e de descobri-lo na vida, finalmente reconciliando o homem das rupturas que a falta do amor introduz à realidade.
Visto por este ângulo existencial, o filme é riquíssimo. E se entendemos que encontrar o amor é a grande “sacada” da vida, todos os segundos do filme se preenchem de sentido, pois conduzem a uma vagarosa reflexão sobre o buscar e o encontrar deste amor. Aqui, Boscov poderia conhecer e aplicar algo da análise de Paul Schrader sobre o “estilo transcendental no cinema”. Pois o caminho de crítica deste tipo de obra se dá por esta rica linha de análise. Assim como Bresson, Ozu e Dreyer, Malick tenta claramente induzir um engajamento e a “conversão” existencial por meio da própria psicologia e ritmos do filme. E os longos períodos entre as “viradas” do filme são intencionais neste sentido, pois é no ápice desta angústia induzida por não ver o amor sendo realizado na figura do personagem de Ben Affleck em seus relacionamentos, e a incapacidade do padre (protagonizado por Javier Bardem) de realizar o amor em sua própria vocação de serviço ao próximo, que o filme tem seu momento de inflexão psicológica, introduzindo os momentos finais. É nestes, e somente nestes, que finalmente a tensão é aliviada e a graça é apresentada de forma “escandalosa”.
A fonte do amor que a tudo envolve finalmente reconcilia o homem, entrando em cena como a única força capaz de conduzir ao amor pleno. Aqui há claramente uma redenção para o próprio espectador da difícil tensão das horas anteriores. É como se o coração estivesse a todo momento sendo consciente e pacientemente “arado” pelo próprio diretor, estando finalmente pronto nos minutos finais para receber as “sementes da graça”. A este engajamento existencial de tensão e ruptura, alívio e reconciliação, Schrader denomina "método transcendental". Ele próprio o introduziu em um clássico do cinema norte-americano, juntamente com Martin Scorsese, no filme “Taxi Driver”, brilhantemente protagonizado por Robert De Niro.
Em outro ponto, contradizendo a meu ver a crítica de Boscov, Malick conduz as cenas que ela chama de "cartão postal" com uma clara intenção de reencanto e de busca pela "glória" presente na criação, aprofundando a experiência da subjetividade do espectador em trabalhar os temas do filme. Uma espécie de elevação intencional da alma para perceber a profundidade da temática tratada. A incapacidade do amor humano sempre é relacionada com a existência ou não de Deus, principalmente na figura do personagem de Ben Affleck, que não conseguia crer, e possuía uma personalidade cindida e incompleta, e do padre, sem a alegria e o gozo que o serviço ao próximo aparentemente traria.
No geral, em relação à crítica de Boscov só tenho a lamentar a própria visão da mesma e sua leitura equivocada do filme. Ela parece ter lido e analisado uma obra da riqueza de “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, com o olhar de uma adolescente acostumada com “Cinquenta Tons de Cinza”, de E.L. James. Ou seja, “não gostei porque é demorado, complexo e chato”. Se gastar 2 horas e 30 minutos imerso na trama do elemento mais vital à vida de uma forma provocadora e confrontante é ser “chato”, não precisamos abandonar Malick, mas sim nossa crítica de cinema. E quando os mistérios do amor e da própria existência passam desapercebidos por uma crítica que diz não ter o filme “nada a dizer”, só posso entender que pessoas como Boscov olham o mundo e seus mistérios e só enxergam o vazio e a si próprias, o que dá no mesmo. Pois para quem não tem as perguntas, fúteis são as mais profundas respostas. E as respostas que Malick nos oferece em “Amor Pleno” tocam as regiões mais profundas da alma e da existência humana, pois encontrar o amor divino em seu convite de graça é a chave que abre os enigmas centrais da vida de qualquer que anela por mais do que mero o entretenimento no cinema. E isto Malick oferece a quem tem ouvidos para ouvir. Para estes, o filme “Amor Pleno” tem “tudo a dizer”.
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Chorão chorava sozinho (revista Ultimato 342)
O amor e o sentido da vida (revista Ultimato 343, exclusivo para assinantes)
Cinema e fé cristã (Brian Godawa)
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Visto por este ângulo existencial, o filme é riquíssimo. E se entendemos que encontrar o amor é a grande “sacada” da vida, todos os segundos do filme se preenchem de sentido, pois conduzem a uma vagarosa reflexão sobre o buscar e o encontrar deste amor. Aqui, Boscov poderia conhecer e aplicar algo da análise de Paul Schrader sobre o “estilo transcendental no cinema”. Pois o caminho de crítica deste tipo de obra se dá por esta rica linha de análise. Assim como Bresson, Ozu e Dreyer, Malick tenta claramente induzir um engajamento e a “conversão” existencial por meio da própria psicologia e ritmos do filme. E os longos períodos entre as “viradas” do filme são intencionais neste sentido, pois é no ápice desta angústia induzida por não ver o amor sendo realizado na figura do personagem de Ben Affleck em seus relacionamentos, e a incapacidade do padre (protagonizado por Javier Bardem) de realizar o amor em sua própria vocação de serviço ao próximo, que o filme tem seu momento de inflexão psicológica, introduzindo os momentos finais. É nestes, e somente nestes, que finalmente a tensão é aliviada e a graça é apresentada de forma “escandalosa”.
A fonte do amor que a tudo envolve finalmente reconcilia o homem, entrando em cena como a única força capaz de conduzir ao amor pleno. Aqui há claramente uma redenção para o próprio espectador da difícil tensão das horas anteriores. É como se o coração estivesse a todo momento sendo consciente e pacientemente “arado” pelo próprio diretor, estando finalmente pronto nos minutos finais para receber as “sementes da graça”. A este engajamento existencial de tensão e ruptura, alívio e reconciliação, Schrader denomina "método transcendental". Ele próprio o introduziu em um clássico do cinema norte-americano, juntamente com Martin Scorsese, no filme “Taxi Driver”, brilhantemente protagonizado por Robert De Niro.
Em outro ponto, contradizendo a meu ver a crítica de Boscov, Malick conduz as cenas que ela chama de "cartão postal" com uma clara intenção de reencanto e de busca pela "glória" presente na criação, aprofundando a experiência da subjetividade do espectador em trabalhar os temas do filme. Uma espécie de elevação intencional da alma para perceber a profundidade da temática tratada. A incapacidade do amor humano sempre é relacionada com a existência ou não de Deus, principalmente na figura do personagem de Ben Affleck, que não conseguia crer, e possuía uma personalidade cindida e incompleta, e do padre, sem a alegria e o gozo que o serviço ao próximo aparentemente traria.
No geral, em relação à crítica de Boscov só tenho a lamentar a própria visão da mesma e sua leitura equivocada do filme. Ela parece ter lido e analisado uma obra da riqueza de “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, com o olhar de uma adolescente acostumada com “Cinquenta Tons de Cinza”, de E.L. James. Ou seja, “não gostei porque é demorado, complexo e chato”. Se gastar 2 horas e 30 minutos imerso na trama do elemento mais vital à vida de uma forma provocadora e confrontante é ser “chato”, não precisamos abandonar Malick, mas sim nossa crítica de cinema. E quando os mistérios do amor e da própria existência passam desapercebidos por uma crítica que diz não ter o filme “nada a dizer”, só posso entender que pessoas como Boscov olham o mundo e seus mistérios e só enxergam o vazio e a si próprias, o que dá no mesmo. Pois para quem não tem as perguntas, fúteis são as mais profundas respostas. E as respostas que Malick nos oferece em “Amor Pleno” tocam as regiões mais profundas da alma e da existência humana, pois encontrar o amor divino em seu convite de graça é a chave que abre os enigmas centrais da vida de qualquer que anela por mais do que mero o entretenimento no cinema. E isto Malick oferece a quem tem ouvidos para ouvir. Para estes, o filme “Amor Pleno” tem “tudo a dizer”.
- Rodolfo Amorim, mineiro, presbítero da Igreja Presbiteriana do Buritis, em Belo Horizonte (MG), obreiro do L'Abri Brasil, especializado em gestão do Terceiro Setor e mestre em Sociologia. É um dos organizadores do livro Fé Cristã e Cultura Contemporânea, da Editora Ultimato.
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