Opinião
- 22 de setembro de 2014
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O último livro de C. S. Lewis
Tive recentemente a honra, desafio e prazer de traduzir pela Editora É Realizações a última obra que Lewis escreveu em vida, publicada apenas em 1964, ou seja, no ano seguinte à sua morte, postumamente, portanto. Aliás, é difícil dizer qual foi escrito antes: “Cartas a Malcolm: sobre a oração”, ou essa.
Ela tem um título bastante estranho: “A Imagem Descartada”. Que imagem seria essa e por que ela foi jogada fora são perguntas que logo surgem à mente do leitor em potencial.
Na verdade, a obra é fruto de aulas ministradas por Lewis, provavelmente já em Cambridge, sobre a literatura da Idade Média e Renascimento, que era a grande especialidade de Lewis.
Graças a seus estudos em profundidade sobre a Antiguidade, ou seja, sobre os clássicos da cultura pagã que lhe foram proporcionadas pelo seu professor particular, o velho Kilpatrick (ele o chamava carinhosamente de “Old Knock”), ele teve a chance de entender as bases do pensamento medieval, que, em grande medida se constituiu graças à tradução e “cristianização” ou “batismo” dos autores gregos, trazidos à Europa via Império Otomano, ou muçulmano. E Lewis era um apaixonado pela cultura e visão de mundo medieval que, por mais errada que poderia estar em termos do conhecimento científico que temos hoje, era harmoniosa e consistente, principalmente em sua ética.
“A Imagem Descartada”, além de derrubar alguns preconceitos em relação aos autores e pensadores da Idade Média, como por exemplo, de que as pessoas pensavam que a terra era chata e não redonda e que ela não trouxe avanços para ciência e o desenvolvimento da humanidade, apresenta um retrato profundamente intuitivo e real da cosmovisão medieval, de como o homem e mulher da Idade Média pensavam e do que podemos aproveitar e aprender com ela nos dias de hoje.
>> Leia também: Um Ano Com C. S. Lewis – leituras diárias de suas obras clássicas
Com isso, Lewis se coloca ombro a ombro com as pesquisas e esforços de grandes filósofos e pensadores como G.K. Chesterton, que escreveu uma biografia de Tomás de Aquino, figura-chave para a compreensão da alta Idade Média; Étienne Gilson, o maior especialista em S. Tomás e na cultura medieval; e seu contemporâneo e biógrafo, Jaques Maritain. Todos eles tiveram um papel central para a refutação do erro cometido pela historiografia moderna em relação à concepção da Idade Média como “Idade das Trevas”, coisa que está muito longe da realidade. Como poderiam mil anos da história da civilização humana estar completamente imersas na obscuridade, sem nenhum avanço? Aliás, essa imagem de tudo o que seja medieval como sendo ultrapassado e retrógrado é tipicamente renascentista e iluminista. Foram os homens desses períodos que disseram um “não” contundente a toda a extensão do período da Idade Média, reduzindo-o aos anos finais, em que surgiram a caça às bruxas, as guerras religiosas, o pagamento de indulgências e a inquisição.
Não, diz Lewis, temos, sim, algo que aprender com a Idade Média e isso está ligado ao modelo mental, que leva profundamente em consideração o “fair play”, a moralidade e a ética, sem a qual nenhuma civilização jamais se manteria. Temos a agradecer à Idade Média principalmente o surgimento das universidades, que teve dois alicerces: a teologia e a tradução. Ambos são vistos hoje com olhos de desconfiança e pouco caso nas universidades. Tanto que em poucos trabalhos acadêmicos as referências incluem a menção dos tradutores das obras estudadas. O que os monges - os primeiros acadêmicos da história - mais faziam era teologizar, filosofar e traduzir.
>> Participe da III Semana C. S. Lewis
O capítulo de que mais gosto na obra de Lewis, que vai descortinando as concepções que o ser humano medieval tinha do cosmo, do céu e do próprio ser humano - sua antropologia filosófica, portanto - é sobre os seres feéricos que, para os medievais, habitavam lugares intermediários entre o céu e a terra, e que nos foram herdados na forma de fadas ou elfos.
Ninguém está propondo a existência real desses seres, que povoam os contos de fada até os dias de hoje, mas, através deles, é possível obter-se uma visão renovada da vida e das relações humanas, que é extremamente salutar, atual e, principalmente, veiculadora de morais importantíssimas para o bem da humanidade.
Espero que o leitor aprecie a obra e também a tradução, que podem crer, não foi das mais fáceis, mas uma das mais prazerosas que já fiz na vida.
Nota:
O lançamento de “A Imagem Descartada”, segundo a editora É Realizações, está previsto para o fim de outubro.
Ela tem um título bastante estranho: “A Imagem Descartada”. Que imagem seria essa e por que ela foi jogada fora são perguntas que logo surgem à mente do leitor em potencial.
Na verdade, a obra é fruto de aulas ministradas por Lewis, provavelmente já em Cambridge, sobre a literatura da Idade Média e Renascimento, que era a grande especialidade de Lewis.
Graças a seus estudos em profundidade sobre a Antiguidade, ou seja, sobre os clássicos da cultura pagã que lhe foram proporcionadas pelo seu professor particular, o velho Kilpatrick (ele o chamava carinhosamente de “Old Knock”), ele teve a chance de entender as bases do pensamento medieval, que, em grande medida se constituiu graças à tradução e “cristianização” ou “batismo” dos autores gregos, trazidos à Europa via Império Otomano, ou muçulmano. E Lewis era um apaixonado pela cultura e visão de mundo medieval que, por mais errada que poderia estar em termos do conhecimento científico que temos hoje, era harmoniosa e consistente, principalmente em sua ética.
“A Imagem Descartada”, além de derrubar alguns preconceitos em relação aos autores e pensadores da Idade Média, como por exemplo, de que as pessoas pensavam que a terra era chata e não redonda e que ela não trouxe avanços para ciência e o desenvolvimento da humanidade, apresenta um retrato profundamente intuitivo e real da cosmovisão medieval, de como o homem e mulher da Idade Média pensavam e do que podemos aproveitar e aprender com ela nos dias de hoje.
>> Leia também: Um Ano Com C. S. Lewis – leituras diárias de suas obras clássicas
Com isso, Lewis se coloca ombro a ombro com as pesquisas e esforços de grandes filósofos e pensadores como G.K. Chesterton, que escreveu uma biografia de Tomás de Aquino, figura-chave para a compreensão da alta Idade Média; Étienne Gilson, o maior especialista em S. Tomás e na cultura medieval; e seu contemporâneo e biógrafo, Jaques Maritain. Todos eles tiveram um papel central para a refutação do erro cometido pela historiografia moderna em relação à concepção da Idade Média como “Idade das Trevas”, coisa que está muito longe da realidade. Como poderiam mil anos da história da civilização humana estar completamente imersas na obscuridade, sem nenhum avanço? Aliás, essa imagem de tudo o que seja medieval como sendo ultrapassado e retrógrado é tipicamente renascentista e iluminista. Foram os homens desses períodos que disseram um “não” contundente a toda a extensão do período da Idade Média, reduzindo-o aos anos finais, em que surgiram a caça às bruxas, as guerras religiosas, o pagamento de indulgências e a inquisição.
Não, diz Lewis, temos, sim, algo que aprender com a Idade Média e isso está ligado ao modelo mental, que leva profundamente em consideração o “fair play”, a moralidade e a ética, sem a qual nenhuma civilização jamais se manteria. Temos a agradecer à Idade Média principalmente o surgimento das universidades, que teve dois alicerces: a teologia e a tradução. Ambos são vistos hoje com olhos de desconfiança e pouco caso nas universidades. Tanto que em poucos trabalhos acadêmicos as referências incluem a menção dos tradutores das obras estudadas. O que os monges - os primeiros acadêmicos da história - mais faziam era teologizar, filosofar e traduzir.
>> Participe da III Semana C. S. Lewis
O capítulo de que mais gosto na obra de Lewis, que vai descortinando as concepções que o ser humano medieval tinha do cosmo, do céu e do próprio ser humano - sua antropologia filosófica, portanto - é sobre os seres feéricos que, para os medievais, habitavam lugares intermediários entre o céu e a terra, e que nos foram herdados na forma de fadas ou elfos.
Ninguém está propondo a existência real desses seres, que povoam os contos de fada até os dias de hoje, mas, através deles, é possível obter-se uma visão renovada da vida e das relações humanas, que é extremamente salutar, atual e, principalmente, veiculadora de morais importantíssimas para o bem da humanidade.
Espero que o leitor aprecie a obra e também a tradução, que podem crer, não foi das mais fáceis, mas uma das mais prazerosas que já fiz na vida.
Nota:
O lançamento de “A Imagem Descartada”, segundo a editora É Realizações, está previsto para o fim de outubro.
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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