Opinião
- 14 de junho de 2013
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O silêncio dos torturados
A tortura veio com a invasão islâmica ao Ocidente, e persistiu nas Cruzadas – como vingança dos cristãos, que misturavam ódio aos judeus e árabes sem distingui-los. Persas, gregos e romanos, antes deles, eram mestres da tortura. A Inquisição espanhola, estendendo-se pela Europa, foi mais “branda”, atingindo um número menor de pessoas, por exigir processo e julgamento? Lembremos Giordano Bruno, Torquemada, Galileu Galilei, e tantos outros. O certo é que tinha comum o caráter de repressão e intimidação ideológica.
A Comissão Nacional da Verdade pretende ser uma inquisição às avessas? Ainda esboçando ações para desenvolver seu trabalho, já encaminhando para setores eclesiásticos, por exemplo, as subcomissões estaduais, fechando as questões num ambiente comprometido politicamente. Logo será enquadrada, tornando-se alvo fácil do direitismo e do fascismo latentes; dos esquecidos de que de suas hostes brotaram os mais bárbaros atos de tortura. Entram em cena personagens como Felinto Muller, Dan Mitrioni, Sérgio Fleury, Brilhante Ustra, representantes de ditaduras, e da sociedade autoritária. Julgar os indivíduos sem julgar o regime e seus expoentes é o mesmo que trocar seis por meia-dúzia.
Não vejo, também, como desvincular o problema da discussão eclesiástica. O anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz, se lembrado, evocaria a exceção, quanto ao apoio e ajuda de evangélicos ao “apartheid” sul-africano. Gandhi, vivendo na África do Sul, teve uma experiência de conversão interrompida, ao se deparar com uma placa na porta de um templo evangélico: “Proibida a entrada de cães e negros”. Sem reflexão autocrítica, também esses fatos passarão ao largo do julgamento público. Especialmente porque “a nova direita evangélica” já assume postos no Congresso Nacional, e engrossa a bancada racista e homofóbica, anti-direitos humanos, claramente interessada em revisões autoritárias, exceções constitucionais, atacando tanto o código penal quanto a Constituição Federal.
Não pertence a este grupo o pastor Jaime Wright, guardião dos documentos recolhidos do projeto “Brasil: Nunca Mais”, microfilmados, e por outros meios, levados clandestinamente para o exterior, é um religioso ecumênico, brasileiro – com retaguarda garantida de outro pastor brasileiro em Genebra, Charles Roy Harper –, mundial e profundamente engajado nas questões dos direitos humanos e liberdades civis. Estas questões jamais interessaram às direitas históricas, dentro da igreja ou da sociedade civil.
Minorias testemunhais, resistentes às ditaduras e aos autoritarismos políticos acariciados pela sociedade civil e religiosa, cristãos de diversas procedências, foram Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, católicos; Phillip Potter, metodista (Secretário Geral do CMI no período do projeto BNM); Charles Roy Harper, presbiteriano (mediador do CMI no Brasil, Chile, Nicarágua, Paraguai, Uruguai, Argentina, e nações da América Central) –, compõem o núcleo “diamante” do grupo do pastor Jaime Wright, porém no ambiente religioso ecumênico. Evangélicos estatísticos pensam noutra direção. Políticos e personagens libertários, como Júlio Prestes, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Teotônio Vilela, Sobral Pinto, Oscar Niemeyer, cujas biografias exemplares, sem dúvida, compõem essa história de resistência ao Golpe de 1964, e seus antecessores, representam o outro lado da sociedade civil.
Concentrando-se em Vladimir Herzog, por exemplo, levar-se-á aos tribunais –"in memorian” –, os generais Figueiredo, Geisel, Garrastazu Médice, Costa e Silva e Castelo Branco? Estes chegarão ao julgamento público, como fizeram outras nações onde os direitos humanos e liberdades civis foram violados sistematicamente, sob governos de igual tendência política? Será que há coragem bastante para tanto, ou será que torturadores emblemáticos, trazidos ao conhecimento público, apaziguarão ou contemplarão quem deseja apenas a catarse na mídia pelo que sofreram pessoalmente? E não foram poucos os que sofreram. Perdemos nosso tempo com a História e a verdade? O objeto da Comissão da Verdade é tratar dos crimes de tortura, dos assassinatos e dos desaparecimentos. E, sua tarefa principal, creio, é revelar nos bastidores do poder os mandantes. As direitas desejam o silêncio sobre os torturados. Não sei por que cargas d’água.
Mas, não pode reduzir-se a estes fatos. “Há o risco de os juízos serem pontuais e os casos derivarem numa casuística indesejada”, como disse Leonardo Boff. Há um contexto maior, que permite entender a lógica da violência estatal, especialmente quando apoiada pela religião e demais instituições, justiça, política e economia. Além da própria sociedade. E quem a julgará? É preciso explicar e deixar claro a sistemática produção de vítimas ideológicas. Do contrário a CNV amargará pela incompreensão de seus métodos, e pela suspeita de estar promovendo uma vendeta de grande impacto, alimentando sentimentos de vingança ideológica sobre os vencidos. A ditadura foi vencida, inquestionavelmente, mas não a sociedade autoritária, e os resíduos permanentes do fascismo que permanecem nas mentes de jovens de vinte anos, com os quais convivemos, enquanto cospem frases “geniais” de ditadores nas redes sociais.
Cabe, a meu ver, proceder a um trabalho complementar. Depois de ter levantado os dados da violência do Estado fascista e de suas vítimas, cumpre fazer um juízo ético-político sobre todo o período ditatorial que se prolongou por 21 anos (1964-1985). Por que tal tarefa é imprescindível e relevante? Porque vítimas da truculência dos agentes do Estado não são apenas os que sentiram a tortura em seus corpos. Vítimas foram os cidadãos inadaptáveis, inconformados, perseguidos pela ditadura e a própria sociedade que lhes negava o direito de vida normal, fazendo-os viver como párias e banidos, dentro ou fora do próprio país. Depois do Golpe de 31 de Março, toda a nação sofreu a opressão torturante do poder absoluto que se implantou sob os aplausos da sociedade autoritária.
Em tempo
Derval Dasilio escreveu o livro Jaime Wright – O Pastor dos Torturados que conta a história do pastor presbiteriano que denunciou as injustiças na época da ditadura militar no Brasil.
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A mui santa participação política
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A vida é sagrada
A Comissão Nacional da Verdade pretende ser uma inquisição às avessas? Ainda esboçando ações para desenvolver seu trabalho, já encaminhando para setores eclesiásticos, por exemplo, as subcomissões estaduais, fechando as questões num ambiente comprometido politicamente. Logo será enquadrada, tornando-se alvo fácil do direitismo e do fascismo latentes; dos esquecidos de que de suas hostes brotaram os mais bárbaros atos de tortura. Entram em cena personagens como Felinto Muller, Dan Mitrioni, Sérgio Fleury, Brilhante Ustra, representantes de ditaduras, e da sociedade autoritária. Julgar os indivíduos sem julgar o regime e seus expoentes é o mesmo que trocar seis por meia-dúzia.
Não vejo, também, como desvincular o problema da discussão eclesiástica. O anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz, se lembrado, evocaria a exceção, quanto ao apoio e ajuda de evangélicos ao “apartheid” sul-africano. Gandhi, vivendo na África do Sul, teve uma experiência de conversão interrompida, ao se deparar com uma placa na porta de um templo evangélico: “Proibida a entrada de cães e negros”. Sem reflexão autocrítica, também esses fatos passarão ao largo do julgamento público. Especialmente porque “a nova direita evangélica” já assume postos no Congresso Nacional, e engrossa a bancada racista e homofóbica, anti-direitos humanos, claramente interessada em revisões autoritárias, exceções constitucionais, atacando tanto o código penal quanto a Constituição Federal.
Não pertence a este grupo o pastor Jaime Wright, guardião dos documentos recolhidos do projeto “Brasil: Nunca Mais”, microfilmados, e por outros meios, levados clandestinamente para o exterior, é um religioso ecumênico, brasileiro – com retaguarda garantida de outro pastor brasileiro em Genebra, Charles Roy Harper –, mundial e profundamente engajado nas questões dos direitos humanos e liberdades civis. Estas questões jamais interessaram às direitas históricas, dentro da igreja ou da sociedade civil.
Minorias testemunhais, resistentes às ditaduras e aos autoritarismos políticos acariciados pela sociedade civil e religiosa, cristãos de diversas procedências, foram Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, católicos; Phillip Potter, metodista (Secretário Geral do CMI no período do projeto BNM); Charles Roy Harper, presbiteriano (mediador do CMI no Brasil, Chile, Nicarágua, Paraguai, Uruguai, Argentina, e nações da América Central) –, compõem o núcleo “diamante” do grupo do pastor Jaime Wright, porém no ambiente religioso ecumênico. Evangélicos estatísticos pensam noutra direção. Políticos e personagens libertários, como Júlio Prestes, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Teotônio Vilela, Sobral Pinto, Oscar Niemeyer, cujas biografias exemplares, sem dúvida, compõem essa história de resistência ao Golpe de 1964, e seus antecessores, representam o outro lado da sociedade civil.
Concentrando-se em Vladimir Herzog, por exemplo, levar-se-á aos tribunais –"in memorian” –, os generais Figueiredo, Geisel, Garrastazu Médice, Costa e Silva e Castelo Branco? Estes chegarão ao julgamento público, como fizeram outras nações onde os direitos humanos e liberdades civis foram violados sistematicamente, sob governos de igual tendência política? Será que há coragem bastante para tanto, ou será que torturadores emblemáticos, trazidos ao conhecimento público, apaziguarão ou contemplarão quem deseja apenas a catarse na mídia pelo que sofreram pessoalmente? E não foram poucos os que sofreram. Perdemos nosso tempo com a História e a verdade? O objeto da Comissão da Verdade é tratar dos crimes de tortura, dos assassinatos e dos desaparecimentos. E, sua tarefa principal, creio, é revelar nos bastidores do poder os mandantes. As direitas desejam o silêncio sobre os torturados. Não sei por que cargas d’água.
Mas, não pode reduzir-se a estes fatos. “Há o risco de os juízos serem pontuais e os casos derivarem numa casuística indesejada”, como disse Leonardo Boff. Há um contexto maior, que permite entender a lógica da violência estatal, especialmente quando apoiada pela religião e demais instituições, justiça, política e economia. Além da própria sociedade. E quem a julgará? É preciso explicar e deixar claro a sistemática produção de vítimas ideológicas. Do contrário a CNV amargará pela incompreensão de seus métodos, e pela suspeita de estar promovendo uma vendeta de grande impacto, alimentando sentimentos de vingança ideológica sobre os vencidos. A ditadura foi vencida, inquestionavelmente, mas não a sociedade autoritária, e os resíduos permanentes do fascismo que permanecem nas mentes de jovens de vinte anos, com os quais convivemos, enquanto cospem frases “geniais” de ditadores nas redes sociais.
Cabe, a meu ver, proceder a um trabalho complementar. Depois de ter levantado os dados da violência do Estado fascista e de suas vítimas, cumpre fazer um juízo ético-político sobre todo o período ditatorial que se prolongou por 21 anos (1964-1985). Por que tal tarefa é imprescindível e relevante? Porque vítimas da truculência dos agentes do Estado não são apenas os que sentiram a tortura em seus corpos. Vítimas foram os cidadãos inadaptáveis, inconformados, perseguidos pela ditadura e a própria sociedade que lhes negava o direito de vida normal, fazendo-os viver como párias e banidos, dentro ou fora do próprio país. Depois do Golpe de 31 de Março, toda a nação sofreu a opressão torturante do poder absoluto que se implantou sob os aplausos da sociedade autoritária.
Em tempo
Derval Dasilio escreveu o livro Jaime Wright – O Pastor dos Torturados que conta a história do pastor presbiteriano que denunciou as injustiças na época da ditadura militar no Brasil.
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A mui santa participação política
A igreja, o país e o mundo
A vida é sagrada
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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