Opinião
- 07 de março de 2016
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O resgate feminino
Como celebração ao Dia Internacional da Mulher, convidamos quatro colegas da Editora Ultimato para entrevistarem Isabelle Ludovico, autora de “O resgate do feminino: a força da sensibilidade e ternura em homens e mulheres”.
Isabelle é francesa, mas brasileira de coração, casada com o pastor Osmar Ludovico, tem dois filhos e seis netos. É economista e psicóloga clínica com especialização em Terapia Familiar Sistêmica.
Na entrevista a seguir, Isabelle fala sobre os desequilíbrios nas relações entre homens e mulheres e os desafios de ambos para resgatar a “alma” de cada um. Fala também sobre o Cristianismo diante do machismo e do feminismo. Confira.
**
-- Ariane Gomes, assistente de redação na Ultimato:
O que celebrar no Dia da Mulher?
Isabelle - Bom seria se não precisasse de Dia da Mulher, já que não tem dia do homem. Mas é uma data importante para celebrar as muitas conquistas das últimas décadas: a mulher tem ocupado todos os lugares que eram antes exclusivamente do homem, inclusive a presidência do Brasil. A mulher tem hoje voz ativa na família e na sociedade. Conquistou igualdade de direitos, pelo menos no papel. A igualdade na prática ainda deixa a desejar!
Mas o Dia da Mulher é também para pontuar a discriminação e as injustiças que ainda existem em várias áreas, como salário inferior para o mesmo cargo, abuso sexual, violência...
Pode ser que alguém considere um retrocesso para a experiência feminina no século 21 valorizar características divinas dadas à mulher como receptividade, sensibilidade, afetividade. Como dizer que essa valorização seria um avanço e uma bênção para a própria mulher, para o homem, para os filhos e para a comunidade, e não um retrocesso?
Isabelle - Foi o que expressei no meu livro “O resgate do feminino: a força da sensibilidade e ternura em homens e mulheres” (Editora Mundo Cristão). Vivemos uma crise de sociedade por um desequilíbrio entre o princípio feminino, do afeto, das relações interpessoais, e o princípio masculino, da racionalidade, do desenvolvimento tecnológico. A inteligência emocional consiste em integrar razão e emoção. O princípio feminino foi censurado nos homens e negligenciado pelas mulheres, no afã de serem reconhecidas e valorizadas num mundo construído pelos homens.
Concluo o meu livro, dizendo:
“Em vez de ser reprimido ou idealizado, o princípio feminino precisa ser resgatado tanto pelos homens quanto pelas mulheres para nos tornar mais inteiros e ternos. Ele poderá então cumprir sua missão de abrir a via da interioridade e da intimidade, tornando-nos receptivos ao amor de Deus, que nos fecunda e nos transforma à sua imagem.
Fomos criados para participar da comunhão da Trindade. Nesse amor inclusivo, somos convidados a reconciliar o feminino e o masculino em nós, para construir uma relação reconciliadora com o outro, conduzindo-nos a uma unidade além da dicotomia: sermos um em Cristo.
Assim, poderemos construir, juntos, um mundo mais justo e solidário, que sinalize o Reino de Deus em nós e entre nós”.
Os filhos serão os primeiros beneficiados por este resgate do afeto, que alcançará também a comunidade, pois esta é o reflexo das famílias que a compõem.
**
-- Bernadete Ribeiro, coordenadora do Departamento Editorial e de Produção da Ultimato:
Numa sociedade culturalmente machista, quais os desafios da mulher que não quer ter de escolher entre ser “amélia” ou “mulher moderna”, mas simplesmente mulher?
Isabelle - Ao superar os modelos estereotipados da Amélia e da supermulher, cada mulher alcança agora a oportunidade de encontrar seu próprio jeito de ser mulher. Para isto, ela precisa encarar os conflitos e antagonismos que convivem dentro dela, dos quais ela tentou fugir através de um ativismo desenfreado e que são frutos da coexistência interna de modelos modernos e tradicionais: a dependência de um poder-saber externo (pai, marido, médico...) apesar da descoberta de seus próprios recursos; a expectativa incoerente de uma atitude de docilidade e fragilidade na relação afetiva, contrastando com a força e determinação necessárias na vida profissional. Está na hora da mulher fazer um balanço que pode dar início a uma nova fase integradora, de resgatar a relação com o parceiro e os filhos, de renunciar à competição em favor da cooperação e do companheirismo. Ao ter a coragem de encarar os seus próprios medos, limitações, raivas, desejos, a mulher poderá também respeitar os do homem. Após ter confundido sua identidade com sua função de mãe e posteriormente com seu desempenho profissional, a mulher quer, hoje, ser reconhecida não pelo que ela faz, mas pelo que ela é. Ela não visa somente a igualdade de direitos com o homem, mas a restauração dos valores "femininos", para ela e para seu parceiro.
**
-- Lilian Almeida, auxiliar do Departamento de Comunicação e Marketing da Ultimato:
Fiquei curiosa para saber se em seu livro você fala sobre essa "rejeição de características femininas" desde a infância, na criação de filhos...
Isabelle - Sim, menciono esta rejeição cultural e familiar. As meninas desta geração foram criadas para serem bem sucedidas profissionalmente. Para isto, elas precisam abrir mão de suas vidas pessoais e de características como a doçura, a sensibilidade, a empatia, a compaixão, a intuição. Elas precisam, pelo contrário, ser ambiciosas, assertivas, eficientes, calculistas e objetivas, pois a competição é grande. No livro “Faça Acontecer: mulheres, trabalho e a vontade de liderar” (São Paulo: Companhia das Letras, 2013), Sheryl Sandberg conclui que “muitos homens pressupõem que podem ter uma vida profissional de sucesso e uma vida pessoal completa. Para as mulheres, isto é difícil ou até impossível.” Assim, as mulheres tendem a postergar a maternidade e negligenciar a relação amorosa até que a ruptura desencadeie uma crise que as leve a rever suas prioridades.
**
-- Ana Cláudia Nunes, publicitária do Departamento de Comunicação e Marketing da Ultimato:
É possível ser uma cristã sincera e, ao mesmo tempo, feminista?
Isabelle - Se a gente entende por feminista uma mulher que busca igualdade de direitos entre homens e mulheres, eu diria que não é apenas possível, mas é um dever da mulher. Pois, em Cristo, somos chamadas a restaurar o projeto original de Deus. O homem e a mulher foram criados com a mesma dignidade, à “Imagem de Deus”, para, juntos, cuidarem do mundo. Toda mulher cristã tem o dever de promover a justiça e defender a causa dos oprimidos.
Às vezes parece-me que a sociedade carece tanto de um modelo masculino que as mulheres acabaram tendo que assumir parte deste papel. A quantidade de lares dirigidos por mães solteiras demonstra bem isso. O que você acha que tem acontecido com a figura masculina e como isto tem afetado o papel da mulher?
Isabelle - A mudança começou com as mulheres que entraram numa relação competitiva com os homens. Estes, por sua vez, se sentiram despotencializados por estas “supermulheres” e se encolheram, magoados. Toda relação é sistêmica. Quando um ocupa muito espaço, o outro murcha. Quando um é muito proativo, o outro tende a se acomodar e se encostar. O homem perdeu o seu papel de provedor e o poder na relação. A mulher ainda é movida pelo desejo de provar que é capaz em todas as áreas. Ambos têm dificuldade de construir uma relação de igualdade e de cooperação, bem diferente dos modelos das gerações anteriores. Um livro que aborda muito bem esta dinâmica é o livro da minha mentora: Ago BURKI-FILLENZ: “Não sou mais a mulher com quem você se casou: desafios para a parceria” ( São Paulo: Paulus, 1997).
Quais foram as reais vantagens e desvantagens da revolução feminina para a mulher?
Isabelle - As mulheres ganharam mais liberdade, autonomia e reconhecimento. No entanto, a sociedade empurrou a mulher no mercado de trabalho, tornando-a muitas vezes escrava de um modelo econômico que precisa de trabalhadores e consumidores compulsivos em detrimento das relações pessoais. Sua vida afetiva e familiar foi muito prejudicada. Mas espero que seja apenas uma etapa neste processo de emancipação que irá impulsioná-la a buscar um equilibro. Se os homens compartilharem mais as responsabilidades no cuidado com a casa e os filhos, ambos poderão ter mais tempo de qualidade juntos. Cada casal precisa encontrar seu próprio equilíbrio e repartir as tarefas em função dos talentos de cada um, de forma que nenhum se sinta sobrecarregado ou desvalorizado.
A Bíblia tem partes machistas?
Isabelle - A Bíblia tem partes que refletem uma época em que as mulheres eram discriminadas. Durante muitos séculos, a mulher só era valorizada quando tinha filhos homens. A mulher menstruada era considerada impura. Mas precisamos discernir o que é cultural e o que reflete o projeto de Deus. Precisamos também perceber que a interpretação da Bíblia foi realizada por homens impregnados de uma cultura machista. Em Gênesis, por exemplo, lemos que a mulher foi criada para ser “auxiliadora” do homem. Os homens concluíram que ela era apenas auxiliar ou subalterne. Mas a palavra usada na Bíblia enaltece a mulher em vez de diminuí-la, já que é a mesma usada para qualificar a contribuição de Deus.
Agostinho, um dos pais da Igreja, ousou dizer: “Homem, tu és o mestre, a mulher é tua escrava, Deus assim o quis” e “A mulher sozinha não é imagem de Deus; porém, o homem sozinho é imagem de Deus tão plena e completamente quanto a mulher junto do homem”. Tomás de Aquino acrescentou: “Como indivíduo, a mulher é um ser medíocre e defeituoso”, ignorando que estava assim insultando o próprio Deus, criador da mulher à Sua Imagem. No Concílio de Mâcon, em 485, foi discutido se a mulher tinha alma.
Pregou-se muito tempo sobre a submissão da mulher, esquecendo-se de mencionar o chamado do homem de dar a vida por ela. O judeu orava diariamente agradecendo por não ter nascido mulher. Através de batismo, as mulheres tiveram acesso direto a Deus, tanto quanto os homens.
O que você pode nos dizer sobre o papel da mulher na igreja, especialmente da ordenação feminina?
Isabelle - O Espírito distribui os dons conforme lhe apraz e não conforme o sexo. Na igreja, cada um, homem ou mulher, recebe dons para servir o corpo de Cristo. A contribuição da mulher na igreja é imprescindível. Mas foi tolhida por muito tempo porque os homens não queriam abrir mão do poder. No entanto, quem quer ser o primeiro que seja o último. O modelo que Cristo nos deixou é de um corpo onde todos os membros são importantes, onde o poder é usado para servir e não para mandar, onde cada pessoa é chamada a contribuir conforme os dons que recebeu. Estes princípios deveriam nos levar a rever o modelo hierárquico das nossas lideranças, buscando um modelo mais horizontal de rede. Não se trata da mulher ocupar o lugar do homem na liderança, mas de ter um conselho de pastores com dons diversos, para que todas as necessidades da igreja sejam supridas.
Outro livro que recomendo a este respeito é da KARI MALCOLM, T. “A identidade feminina segundo Jesus” (São Paulo: Vida, 2004). Nele lemos que:
“Jesus fez questão de quebrar as barreiras sexuais, sociais e raciais (samaritana). Muitas vezes, porém, reconstruímos estas barreiras e as hierarquias em vez de seguir o Seu chamado de sermos servos e nos submeter uns aos outros. Nele, o projeto original de Deus foi restaurado. O homem e a mulher têm uma nova identidade na cruz. Nivelados, eles precisam renovar diariamente sua dependência da Graça de Deus para construir uma relação de parceria e respeito mútuo. Saudamos as mulheres que vivenciam a liberdade que Cristo lhes deu e não se deixam mais escravizar. As mulheres não precisam de um marido para descobrir o seu valor, encontrar sua identidade como pessoa e ocupar o seu lugar na igreja e na sociedade.
Elas são chamadas a ampliar os seus horizontes e enxergar além dos limites de sua casa para responder à grande comissão. Sua escolha não pode ser movida por reconhecimento social ou retribuição financeira, mas pelo desejo de colocar sua vida a serviço do Senhor.
Só podemos encontrar nossa identidade na relação com Ele. Esta relação nos capacita a quebrar as identidades culturais para nos tornar catalisadoras de mudança, vozes proféticas e agentes de cura. Os valores do Reino são radicalmente opostos aos valores do mundo. Aos obedientes, Deus promete a sua intimidade e a alegria do serviço. Sendo fiéis no pouco, ele nos confiará cada vez mais responsabilidade e multiplicará nossos dons e talentos. Se não, até o pouco que temos nos será tirado. Nunca é tarde para confessar os nossos descaminhos e voltar para o nosso primeiro amor.”
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Isabelle é francesa, mas brasileira de coração, casada com o pastor Osmar Ludovico, tem dois filhos e seis netos. É economista e psicóloga clínica com especialização em Terapia Familiar Sistêmica.
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-- Ariane Gomes, assistente de redação na Ultimato:
O que celebrar no Dia da Mulher?
Isabelle - Bom seria se não precisasse de Dia da Mulher, já que não tem dia do homem. Mas é uma data importante para celebrar as muitas conquistas das últimas décadas: a mulher tem ocupado todos os lugares que eram antes exclusivamente do homem, inclusive a presidência do Brasil. A mulher tem hoje voz ativa na família e na sociedade. Conquistou igualdade de direitos, pelo menos no papel. A igualdade na prática ainda deixa a desejar!
Mas o Dia da Mulher é também para pontuar a discriminação e as injustiças que ainda existem em várias áreas, como salário inferior para o mesmo cargo, abuso sexual, violência...
Pode ser que alguém considere um retrocesso para a experiência feminina no século 21 valorizar características divinas dadas à mulher como receptividade, sensibilidade, afetividade. Como dizer que essa valorização seria um avanço e uma bênção para a própria mulher, para o homem, para os filhos e para a comunidade, e não um retrocesso?
Isabelle - Foi o que expressei no meu livro “O resgate do feminino: a força da sensibilidade e ternura em homens e mulheres” (Editora Mundo Cristão). Vivemos uma crise de sociedade por um desequilíbrio entre o princípio feminino, do afeto, das relações interpessoais, e o princípio masculino, da racionalidade, do desenvolvimento tecnológico. A inteligência emocional consiste em integrar razão e emoção. O princípio feminino foi censurado nos homens e negligenciado pelas mulheres, no afã de serem reconhecidas e valorizadas num mundo construído pelos homens.
Concluo o meu livro, dizendo:
“Em vez de ser reprimido ou idealizado, o princípio feminino precisa ser resgatado tanto pelos homens quanto pelas mulheres para nos tornar mais inteiros e ternos. Ele poderá então cumprir sua missão de abrir a via da interioridade e da intimidade, tornando-nos receptivos ao amor de Deus, que nos fecunda e nos transforma à sua imagem.
Fomos criados para participar da comunhão da Trindade. Nesse amor inclusivo, somos convidados a reconciliar o feminino e o masculino em nós, para construir uma relação reconciliadora com o outro, conduzindo-nos a uma unidade além da dicotomia: sermos um em Cristo.
Assim, poderemos construir, juntos, um mundo mais justo e solidário, que sinalize o Reino de Deus em nós e entre nós”.
Os filhos serão os primeiros beneficiados por este resgate do afeto, que alcançará também a comunidade, pois esta é o reflexo das famílias que a compõem.
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-- Bernadete Ribeiro, coordenadora do Departamento Editorial e de Produção da Ultimato:
Numa sociedade culturalmente machista, quais os desafios da mulher que não quer ter de escolher entre ser “amélia” ou “mulher moderna”, mas simplesmente mulher?
Isabelle - Ao superar os modelos estereotipados da Amélia e da supermulher, cada mulher alcança agora a oportunidade de encontrar seu próprio jeito de ser mulher. Para isto, ela precisa encarar os conflitos e antagonismos que convivem dentro dela, dos quais ela tentou fugir através de um ativismo desenfreado e que são frutos da coexistência interna de modelos modernos e tradicionais: a dependência de um poder-saber externo (pai, marido, médico...) apesar da descoberta de seus próprios recursos; a expectativa incoerente de uma atitude de docilidade e fragilidade na relação afetiva, contrastando com a força e determinação necessárias na vida profissional. Está na hora da mulher fazer um balanço que pode dar início a uma nova fase integradora, de resgatar a relação com o parceiro e os filhos, de renunciar à competição em favor da cooperação e do companheirismo. Ao ter a coragem de encarar os seus próprios medos, limitações, raivas, desejos, a mulher poderá também respeitar os do homem. Após ter confundido sua identidade com sua função de mãe e posteriormente com seu desempenho profissional, a mulher quer, hoje, ser reconhecida não pelo que ela faz, mas pelo que ela é. Ela não visa somente a igualdade de direitos com o homem, mas a restauração dos valores "femininos", para ela e para seu parceiro.
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-- Lilian Almeida, auxiliar do Departamento de Comunicação e Marketing da Ultimato:
Fiquei curiosa para saber se em seu livro você fala sobre essa "rejeição de características femininas" desde a infância, na criação de filhos...
Isabelle - Sim, menciono esta rejeição cultural e familiar. As meninas desta geração foram criadas para serem bem sucedidas profissionalmente. Para isto, elas precisam abrir mão de suas vidas pessoais e de características como a doçura, a sensibilidade, a empatia, a compaixão, a intuição. Elas precisam, pelo contrário, ser ambiciosas, assertivas, eficientes, calculistas e objetivas, pois a competição é grande. No livro “Faça Acontecer: mulheres, trabalho e a vontade de liderar” (São Paulo: Companhia das Letras, 2013), Sheryl Sandberg conclui que “muitos homens pressupõem que podem ter uma vida profissional de sucesso e uma vida pessoal completa. Para as mulheres, isto é difícil ou até impossível.” Assim, as mulheres tendem a postergar a maternidade e negligenciar a relação amorosa até que a ruptura desencadeie uma crise que as leve a rever suas prioridades.
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-- Ana Cláudia Nunes, publicitária do Departamento de Comunicação e Marketing da Ultimato:
É possível ser uma cristã sincera e, ao mesmo tempo, feminista?
Isabelle - Se a gente entende por feminista uma mulher que busca igualdade de direitos entre homens e mulheres, eu diria que não é apenas possível, mas é um dever da mulher. Pois, em Cristo, somos chamadas a restaurar o projeto original de Deus. O homem e a mulher foram criados com a mesma dignidade, à “Imagem de Deus”, para, juntos, cuidarem do mundo. Toda mulher cristã tem o dever de promover a justiça e defender a causa dos oprimidos.
Às vezes parece-me que a sociedade carece tanto de um modelo masculino que as mulheres acabaram tendo que assumir parte deste papel. A quantidade de lares dirigidos por mães solteiras demonstra bem isso. O que você acha que tem acontecido com a figura masculina e como isto tem afetado o papel da mulher?
Isabelle - A mudança começou com as mulheres que entraram numa relação competitiva com os homens. Estes, por sua vez, se sentiram despotencializados por estas “supermulheres” e se encolheram, magoados. Toda relação é sistêmica. Quando um ocupa muito espaço, o outro murcha. Quando um é muito proativo, o outro tende a se acomodar e se encostar. O homem perdeu o seu papel de provedor e o poder na relação. A mulher ainda é movida pelo desejo de provar que é capaz em todas as áreas. Ambos têm dificuldade de construir uma relação de igualdade e de cooperação, bem diferente dos modelos das gerações anteriores. Um livro que aborda muito bem esta dinâmica é o livro da minha mentora: Ago BURKI-FILLENZ: “Não sou mais a mulher com quem você se casou: desafios para a parceria” ( São Paulo: Paulus, 1997).
Quais foram as reais vantagens e desvantagens da revolução feminina para a mulher?
Isabelle - As mulheres ganharam mais liberdade, autonomia e reconhecimento. No entanto, a sociedade empurrou a mulher no mercado de trabalho, tornando-a muitas vezes escrava de um modelo econômico que precisa de trabalhadores e consumidores compulsivos em detrimento das relações pessoais. Sua vida afetiva e familiar foi muito prejudicada. Mas espero que seja apenas uma etapa neste processo de emancipação que irá impulsioná-la a buscar um equilibro. Se os homens compartilharem mais as responsabilidades no cuidado com a casa e os filhos, ambos poderão ter mais tempo de qualidade juntos. Cada casal precisa encontrar seu próprio equilíbrio e repartir as tarefas em função dos talentos de cada um, de forma que nenhum se sinta sobrecarregado ou desvalorizado.
A Bíblia tem partes machistas?
Isabelle - A Bíblia tem partes que refletem uma época em que as mulheres eram discriminadas. Durante muitos séculos, a mulher só era valorizada quando tinha filhos homens. A mulher menstruada era considerada impura. Mas precisamos discernir o que é cultural e o que reflete o projeto de Deus. Precisamos também perceber que a interpretação da Bíblia foi realizada por homens impregnados de uma cultura machista. Em Gênesis, por exemplo, lemos que a mulher foi criada para ser “auxiliadora” do homem. Os homens concluíram que ela era apenas auxiliar ou subalterne. Mas a palavra usada na Bíblia enaltece a mulher em vez de diminuí-la, já que é a mesma usada para qualificar a contribuição de Deus.
Agostinho, um dos pais da Igreja, ousou dizer: “Homem, tu és o mestre, a mulher é tua escrava, Deus assim o quis” e “A mulher sozinha não é imagem de Deus; porém, o homem sozinho é imagem de Deus tão plena e completamente quanto a mulher junto do homem”. Tomás de Aquino acrescentou: “Como indivíduo, a mulher é um ser medíocre e defeituoso”, ignorando que estava assim insultando o próprio Deus, criador da mulher à Sua Imagem. No Concílio de Mâcon, em 485, foi discutido se a mulher tinha alma.
Pregou-se muito tempo sobre a submissão da mulher, esquecendo-se de mencionar o chamado do homem de dar a vida por ela. O judeu orava diariamente agradecendo por não ter nascido mulher. Através de batismo, as mulheres tiveram acesso direto a Deus, tanto quanto os homens.
O que você pode nos dizer sobre o papel da mulher na igreja, especialmente da ordenação feminina?
Isabelle - O Espírito distribui os dons conforme lhe apraz e não conforme o sexo. Na igreja, cada um, homem ou mulher, recebe dons para servir o corpo de Cristo. A contribuição da mulher na igreja é imprescindível. Mas foi tolhida por muito tempo porque os homens não queriam abrir mão do poder. No entanto, quem quer ser o primeiro que seja o último. O modelo que Cristo nos deixou é de um corpo onde todos os membros são importantes, onde o poder é usado para servir e não para mandar, onde cada pessoa é chamada a contribuir conforme os dons que recebeu. Estes princípios deveriam nos levar a rever o modelo hierárquico das nossas lideranças, buscando um modelo mais horizontal de rede. Não se trata da mulher ocupar o lugar do homem na liderança, mas de ter um conselho de pastores com dons diversos, para que todas as necessidades da igreja sejam supridas.
Outro livro que recomendo a este respeito é da KARI MALCOLM, T. “A identidade feminina segundo Jesus” (São Paulo: Vida, 2004). Nele lemos que:
“Jesus fez questão de quebrar as barreiras sexuais, sociais e raciais (samaritana). Muitas vezes, porém, reconstruímos estas barreiras e as hierarquias em vez de seguir o Seu chamado de sermos servos e nos submeter uns aos outros. Nele, o projeto original de Deus foi restaurado. O homem e a mulher têm uma nova identidade na cruz. Nivelados, eles precisam renovar diariamente sua dependência da Graça de Deus para construir uma relação de parceria e respeito mútuo. Saudamos as mulheres que vivenciam a liberdade que Cristo lhes deu e não se deixam mais escravizar. As mulheres não precisam de um marido para descobrir o seu valor, encontrar sua identidade como pessoa e ocupar o seu lugar na igreja e na sociedade.
Elas são chamadas a ampliar os seus horizontes e enxergar além dos limites de sua casa para responder à grande comissão. Sua escolha não pode ser movida por reconhecimento social ou retribuição financeira, mas pelo desejo de colocar sua vida a serviço do Senhor.
Só podemos encontrar nossa identidade na relação com Ele. Esta relação nos capacita a quebrar as identidades culturais para nos tornar catalisadoras de mudança, vozes proféticas e agentes de cura. Os valores do Reino são radicalmente opostos aos valores do mundo. Aos obedientes, Deus promete a sua intimidade e a alegria do serviço. Sendo fiéis no pouco, ele nos confiará cada vez mais responsabilidade e multiplicará nossos dons e talentos. Se não, até o pouco que temos nos será tirado. Nunca é tarde para confessar os nossos descaminhos e voltar para o nosso primeiro amor.”
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Macho e Fêmea os Criou
Francesa de nascimento e brasileira de coração, é psicóloga e terapeuta sistêmica. Aprendeu com a filha a separar o lixo e com o filho um estilo de vida mais simples.
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