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Opinião

O que os pais de família da Bíblia nos ensinam?

Por Billy Lane

Gosto de olhar para o livro de Gênesis na perspectiva da história de pais de família e sua relação com Deus, com o trabalho, com a sociedade e com a herança ou promessa de Deus. Não temos nenhum herói. Todos são essencialmente humanos em suas fraquezas e erros. Suas famílias estão longe de serem idealizadas como exemplo a ser seguido. Justamente por isso eles têm algo importante para nos ensinar.

O primeiro chefe de família, naturalmente, é Adão. Eu o considero aquele filhinho do papai que colocou tudo a perder. Adão herdou um paraíso. Foi criado nas melhores condições possíveis. Tinha tudo para dar certo. Foi colocado num jardim prazeroso, tinha trabalho, esposa, descanso e responsabilidades. Mas uma coisa ele não tinha. Não tinha autonomia moral. Ele não podia decidir por si mesmo o que era certo e errado. Isso se representa na proibição de tomar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, isto é, da autonomia sobre o bem e o mal. E isso ele devia contas a Deus. Mas lhe cabia entender os limites de sua autonomia e se sujeitar ao seu criador. Adão, porém, preferiu se tornar como Deus, “conhecedor do bem e do mal” (Gn 3.5, 22). Para Adão não bastava ter tudo, ele queria ser dono de seu próprio destino, ser igual a Deus. Tomou do fruto e perdeu a vida. Colocou tudo a perder.

O segundo pai de família é Noé. Ao contrário de Adão, ele não herdou uma bela propriedade nem vivia num ambiente prazeroso. Pelo contrário, vivia numa sociedade corrupta, mas nem por isso se deixou levar pela corrupção e degradação moral. Ele era justo e íntegro na sua geração. É apresentado também como aquele que “nos aliviará do nosso trabalho e do sofrimento de nossas mãos, causados pela terra que o Senhor amaldiçoou” (Gn 5.29). Essa é uma alusão direta à maldição de Gênesis 3.17, em que Deus amaldiçoa a terra e causa ao homem sofrimento em decorrência do pecado. Em Gênesis 6.6, há três verbos usados que, certamente, pretendem fazer alusão a Gênesis 5.29: “Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e isso cortou-lhe o coração”. A raiz dos verbos arrependeu-se, ter feito e cortou-lhe são, respectivamente, as mesmas de aliviará, trabalho e sofrimento de Gênesis 5.29.¹ Além de ser íntegro, Noé traz alívio ao sofrimento, é um refrigério para a sua geração.

O terceiro é Abraão, um cidadão comum, itinerante, com promessa de um grande futuro, que se tornou pai de grandes nações. Além de não ter terra nem descendência, nada se diz que Abraão se destacasse por sua integridade ou por qualquer virtude especial em relação à sua geração. Sabemos sim que tinha posses e empregados (Gn 12.5). Mas foi chamado por Deus para ser abençoado e abençoador de todas as famílias da terra. Cometeu muitos erros. Muitas vezes quis dar um jeitinho para adiantar as coisas para Deus, mas apesar das falhas, perseverou em seguir a instrução de Deus. Teve de pedir para os filhos de Hete um lugar para enterrar sua esposa. Não viu seus descendentes ocuparem definitivamente a terra prometida. Mas viveu confiante na promessa de Deus.

Jacó, naturalmente, é outra figura de destaque na história de Gênesis. Ele é mais polêmico. É um desastrado usurpador do direito do outro e que, a despeito de seus erros, se torna também o patriarca de uma nação. A vida de Jacó é marcada por querer se apropriar da bênção de Deus com a própria força. Manipula as coisas para sua vantagem. Quer se sair melhor sempre. Começa no nascimento segurando no calcanhar do irmão, o que lhe rendeu o nome Jacó (i.e., aquele que segura no calcanhar, suplantador). Depois rouba o direito e bênção de primogênito de seu irmão. Mais tarde tenta enrolar seu sogro e é enrolado por ele. Até ousa lutar com Deus. Mas precisa ser quebrantado. E isso lhe rendeu a mudança de nome para Israel (= Deus prevalece).

Essas biografias não escondem as fraquezas e defeitos desses indivíduos e famílias. Foram pessoas fortemente atingidas pelos efeitos do pecado na vida humana. Cometeram mais erros do que acertos na sua relação com Deus, com a família, com o trabalho e com a sociedade. Tenho a impressão que essas histórias resumem como o ser humano quer sempre ser mais que Deus ou ser o seu próprio Deus e tirar vantagem do outro. O mais impressionante é que foram instrumentos assim que Deus usou para realizar o seu propósito. Não existe família perfeita, mas famílias que seguem a Deus e se deixam ser usadas por Deus.

Nota:
1 Cassuto, 1989, p. 303.

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Imagem: Abraham about to sacrifice Isaac | Alençon, Notre Dame.
Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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