Opinião
- 27 de outubro de 2014
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O que fazer depois das eleições?
Aprendi com meu pai, pastor por muitos anos, um princípio que busco seguir. Mais ainda nessa época em que sou menos engenheiro e mais pastor. O princípio que ouvi dele era o de não revelar o seu voto. A ideia é que se sou pastor em uma comunidade, então sou o pastor de todos, e não só de um grupo. Cresci vendo o respeito que grupos de posições políticas bem diferentes tinham pelo meu pai, e isso me ajudou a buscar segui-lo hoje. Se bem que confesso agora que não sei se deveria manter esse princípio. Aproveito, inclusive, para expressar o meu respeito por todos aqueles que não só revelam o seu voto, como também se expõem corajosamente ao debate e à dissenção. Respeito, valorizo essa postura, e também por isso fico nessa crise se manter aquele princípio ou não. Mas ainda mantenho o que aprendi com o meu “véio”.
Há momentos que a coisa aperta mais, quando os argumentos defendidos doem nos ouvidos e no coração. Lembro-me bem quando meu pai quase traiu seu próprio princípio. Eram as eleições de 1989, e havia uma forte inclinação dos membros de sua comunidade a votar na onda pró-Collor. Foi quando ele disse publicamente algo assim: “não devemos votar em alguém só por parecer boa pinta e nem deixar de votar em outro só porque o chamam de sapo barbudo”. Cheguei perto do meu pai cantarolando baixinho “Lula-lá” e lhe disse algo assim: “quase escapou dessa vez, hein, véinho”, chamando-o com esse carinhoso apelido de família, um costume desde a época em que seus reluzentes fios de bigode preto despertavam a inveja de seus colegas de pastorado.
Deixemos o sapo e o bigode, e voltemos à eleição. Ou melhor, ao que me parece mais importante agora, o pós-eleições. Creio que é importante refletir sobre isso pelo tipo de clima animoso que se instalou. Seria bom ter cuidado com o que o Hélio outro dia na Folha chamou de “patologias de grupo”. Sobre seus sintomas, “incluem radicalização, excesso de otimismo e a tendência de desumanizar o adversário. Seriam vulneráveis os “grupos compostos por pessoas que se percebem como semelhantes, o que ocorre quase naturalmente numa eleição polarizada”. O remédio proposto, muito adequado por sinal, é “semear a dúvida, de modo a quebrar a ilusão de consenso”1.
Para muita gente da banda dos que tem fé, a medicina proposta parece ser a de associar a sua crença com determinado projeto político. Claro que é um movimento natural e até mesmo se espera que minhas convicções religiosas (ou políticas, ou ideológicas) me levem a tomar partido e a escolher lados. O problema é quando essa posição parece excluir ou não tolerar em seu próprio grupo quem chegue a uma conclusão diferente. A agressividade da campanha pareceu indicar que esse tipo de postura se fortaleceu.
Estava matutando sobre isso nesses dias quando casualmente li um excelente artigo da Eliane Brum sobre a fronteira norte do Brasil. Lá pelas tantas, ela afirma: “Deus é muito popular em Roraima. O problema é que lá, como no resto do mundo, não se sabe bem de que lado está. (…) Não um conto de bandidos e mocinhos, porque os maniqueísmos fazem mal ao jornalismo. Mas uma história mais complicada, como sempre são as paixões e os sonhos humanos”2. Maniqueísmos fazem mal não só ao jornalismo, Eliane, mas também afetam em nossas comunidades de fé a capacidade crítica e de dialogar com profundidade.
Eleições vem e vão, então o que fazer depois que passam? Aqui segue uma breve e humilde sugestão de alguns próximos passos:
- Se o seu candidato ganhou as eleições, evite se comportar como torcedor baboso de time que ganhou clássico. Respeite quem votou diferente. Se você deseja ganhar o respeito dos outros, deve ser o primeiro a respeitar a opinião alheia e garantir o direito do outro de que sua voz também seja ouvida.
- Se o seu candidato perdeu as eleições, lembre-se que o exercício do voto é apenas uma parte da democracia, ainda que bem importante. A cidadania continua em todo o tempo, na oposição saudável, inteligente, profética, denunciando o mal e pressionando pela justiça. Não dá para se esquecer da nação e só querer voltar à ativa nas próximas eleições. Claro, estou considerando que era apenas um arroubo a ameaça de deixar o país e ir para Miami, Paris ou Assunção. Aliás, pelo que vi, o destino preferido parece ter a ver menos com a ideologia e mais com o orçamento. Ironias dessa vida.
- Se você resolveu votar branco ou nulo, respeito e entendo sua posição. Mas possivelmente, e respeitosamente, te animaria a não fazer o mesmo nas próximas eleições. A gente tem que se posicionar, ainda que as opções muitas vezes estejam longe do ideal (quando serão ideais?). Talvez eu defenda isso porque não aprecio a postura (seja de quem perdeu a eleição ou de alguém que votou branco ou nulo) ao sair dizendo depois que “não tenho nada a ver com esse governo que está aí”, como se isso eliminasse a nossa responsabilidade de uma contínua cidadania participativa. Mas, tudo bem, entendo a bronca, deixo apenas uma humilde sugestão para não se abster desses processos.
Se você é da minha banda (não do meu candidato, que nem te disse qual é), mas partilha a mesma fé que eu tenho, algumas breves e finais recomendações:
- Siga sempre orando pelas autoridades, seguindo os princípios de Pedro e Paulo, esperando que eles busquem a justiça, cobrando isso, esperando e trabalhando para que eles punam o mal e façam o bem. Essa tarefa nunca termina, seja qual for a autoridade lá no poder.
- Busque sempre o “shalom” (a reconciliação, a harmonia, o bem-estar) do país onde o Senhor nos colocou. Se mesmo no exílio, na Babilônia, o povo foi exortado por Deus a fazê-lo, “busquem o ‘shalom’ da Babilônia”, então não consigo entender que não o busquemos em nossa própria nação. Veja lá no capítulo 29 de Jeremias que essa busca implicava em projetos de longo prazo, construir, plantar, colher, casar, ter filhos, que os filhos tenham filhos. Leva tempo construir o “shalom”. Veja bem que isso se dá independentemente de quem esteja no trono, Nabucodonosor ou Ciro, não é esse o tema. A fidelidade no longo prazo é com certeza uma tarefa responsável daqueles que buscam viver hoje à luz da fé e da Palavra em que acreditam.
Meu querido pai, parece que dessa vez ainda consegui manter aquele princípio. Mas não sei se na próxima vou conseguir me segurar. Meu consolo será lembrar-me do seu deslize com um sapo barbudo. Um grande abraço.
-- Texto escrito antes das eleições. As ideias aqui descritas se aplicam, creio eu, qualquer seja o resultado.
Notas:
1. Hélio Schwartsman, “Patologias eleitorais”, Folha de São Paulo, 21/10/2014.
2. Eliane Brum, “O Olho da Rua”, Ed. Globo, Pos. 531-532, 591-592 (E-book Kindle).
Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
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Há momentos que a coisa aperta mais, quando os argumentos defendidos doem nos ouvidos e no coração. Lembro-me bem quando meu pai quase traiu seu próprio princípio. Eram as eleições de 1989, e havia uma forte inclinação dos membros de sua comunidade a votar na onda pró-Collor. Foi quando ele disse publicamente algo assim: “não devemos votar em alguém só por parecer boa pinta e nem deixar de votar em outro só porque o chamam de sapo barbudo”. Cheguei perto do meu pai cantarolando baixinho “Lula-lá” e lhe disse algo assim: “quase escapou dessa vez, hein, véinho”, chamando-o com esse carinhoso apelido de família, um costume desde a época em que seus reluzentes fios de bigode preto despertavam a inveja de seus colegas de pastorado.
Deixemos o sapo e o bigode, e voltemos à eleição. Ou melhor, ao que me parece mais importante agora, o pós-eleições. Creio que é importante refletir sobre isso pelo tipo de clima animoso que se instalou. Seria bom ter cuidado com o que o Hélio outro dia na Folha chamou de “patologias de grupo”. Sobre seus sintomas, “incluem radicalização, excesso de otimismo e a tendência de desumanizar o adversário. Seriam vulneráveis os “grupos compostos por pessoas que se percebem como semelhantes, o que ocorre quase naturalmente numa eleição polarizada”. O remédio proposto, muito adequado por sinal, é “semear a dúvida, de modo a quebrar a ilusão de consenso”1.
Para muita gente da banda dos que tem fé, a medicina proposta parece ser a de associar a sua crença com determinado projeto político. Claro que é um movimento natural e até mesmo se espera que minhas convicções religiosas (ou políticas, ou ideológicas) me levem a tomar partido e a escolher lados. O problema é quando essa posição parece excluir ou não tolerar em seu próprio grupo quem chegue a uma conclusão diferente. A agressividade da campanha pareceu indicar que esse tipo de postura se fortaleceu.
Estava matutando sobre isso nesses dias quando casualmente li um excelente artigo da Eliane Brum sobre a fronteira norte do Brasil. Lá pelas tantas, ela afirma: “Deus é muito popular em Roraima. O problema é que lá, como no resto do mundo, não se sabe bem de que lado está. (…) Não um conto de bandidos e mocinhos, porque os maniqueísmos fazem mal ao jornalismo. Mas uma história mais complicada, como sempre são as paixões e os sonhos humanos”2. Maniqueísmos fazem mal não só ao jornalismo, Eliane, mas também afetam em nossas comunidades de fé a capacidade crítica e de dialogar com profundidade.
Eleições vem e vão, então o que fazer depois que passam? Aqui segue uma breve e humilde sugestão de alguns próximos passos:
- Se o seu candidato ganhou as eleições, evite se comportar como torcedor baboso de time que ganhou clássico. Respeite quem votou diferente. Se você deseja ganhar o respeito dos outros, deve ser o primeiro a respeitar a opinião alheia e garantir o direito do outro de que sua voz também seja ouvida.
- Se o seu candidato perdeu as eleições, lembre-se que o exercício do voto é apenas uma parte da democracia, ainda que bem importante. A cidadania continua em todo o tempo, na oposição saudável, inteligente, profética, denunciando o mal e pressionando pela justiça. Não dá para se esquecer da nação e só querer voltar à ativa nas próximas eleições. Claro, estou considerando que era apenas um arroubo a ameaça de deixar o país e ir para Miami, Paris ou Assunção. Aliás, pelo que vi, o destino preferido parece ter a ver menos com a ideologia e mais com o orçamento. Ironias dessa vida.
- Se você resolveu votar branco ou nulo, respeito e entendo sua posição. Mas possivelmente, e respeitosamente, te animaria a não fazer o mesmo nas próximas eleições. A gente tem que se posicionar, ainda que as opções muitas vezes estejam longe do ideal (quando serão ideais?). Talvez eu defenda isso porque não aprecio a postura (seja de quem perdeu a eleição ou de alguém que votou branco ou nulo) ao sair dizendo depois que “não tenho nada a ver com esse governo que está aí”, como se isso eliminasse a nossa responsabilidade de uma contínua cidadania participativa. Mas, tudo bem, entendo a bronca, deixo apenas uma humilde sugestão para não se abster desses processos.
Se você é da minha banda (não do meu candidato, que nem te disse qual é), mas partilha a mesma fé que eu tenho, algumas breves e finais recomendações:
- Siga sempre orando pelas autoridades, seguindo os princípios de Pedro e Paulo, esperando que eles busquem a justiça, cobrando isso, esperando e trabalhando para que eles punam o mal e façam o bem. Essa tarefa nunca termina, seja qual for a autoridade lá no poder.
- Busque sempre o “shalom” (a reconciliação, a harmonia, o bem-estar) do país onde o Senhor nos colocou. Se mesmo no exílio, na Babilônia, o povo foi exortado por Deus a fazê-lo, “busquem o ‘shalom’ da Babilônia”, então não consigo entender que não o busquemos em nossa própria nação. Veja lá no capítulo 29 de Jeremias que essa busca implicava em projetos de longo prazo, construir, plantar, colher, casar, ter filhos, que os filhos tenham filhos. Leva tempo construir o “shalom”. Veja bem que isso se dá independentemente de quem esteja no trono, Nabucodonosor ou Ciro, não é esse o tema. A fidelidade no longo prazo é com certeza uma tarefa responsável daqueles que buscam viver hoje à luz da fé e da Palavra em que acreditam.
Meu querido pai, parece que dessa vez ainda consegui manter aquele princípio. Mas não sei se na próxima vou conseguir me segurar. Meu consolo será lembrar-me do seu deslize com um sapo barbudo. Um grande abraço.
-- Texto escrito antes das eleições. As ideias aqui descritas se aplicam, creio eu, qualquer seja o resultado.
Notas:
1. Hélio Schwartsman, “Patologias eleitorais”, Folha de São Paulo, 21/10/2014.
2. Eliane Brum, “O Olho da Rua”, Ed. Globo, Pos. 531-532, 591-592 (E-book Kindle).
Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
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Eleições 2014: Carta Pastoral
A falência dos deuses
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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