Opinião
- 19 de junho de 2009
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O que é missão integral?*
Embora a expressão “missão integral” esteja na moda, o modelo de missão que ela representa não é recente. Com efeito, a prática da missão integral remonta a Jesus Cristo e à igreja do primeiro século. Além disso, cabe destacar que, atualmente, há um crescente número de igrejas que a praticam sem necessariamente usar a expressão para referir-se ao que estão fazendo: “missão integral” não faz parte do seu vocabulário.
E é óbvio que a prática da missão integral é muito mais importante que o uso deste conceito para referir-se a ela.
A expressão “missão integral” foi gerada principalmente no seio da Fraternidade Teológica Latino-americana há mais ou menos duas décadas. Ela foi, na realidade, uma tentativa de destacar a importância de conceber a missão da igreja dentro de um marco de referência teológico mais bíblico que o “tradicional”, ou seja, o que se havia instalado nos círculos evangélicos, especialmente por influência do movimento missionário moderno. Nos últimos anos, tem se difundido de tal modo que a tradução literal da expressão para o inglês, “integral mission”, está incorporando-se, pouco a pouco, ao vocabulário daqueles que, fora do âmbito dos evangélicos falantes de língua hispânica, defendem uma aproximação mais holística à missão cristã.
Em que consiste esta aproximação? O que a distingue da tradicional?
A aproximação tradicional à missão
Na aproximação tradicional, que tomou forma no movimento missionário moderno especialmente a partir do final do século 18, se concebia a missão essencialmente em termos geográficos: era quase sempre um cruzamento de fronteiras geográficas com o propósito de levar o evangelho do “mundo ocidental e cristão” para os “campos missionários” do mundo não-cristão (os países pagãos). Em outras palavras, falar de missão era falar de missão transcultural.
O propósito da missão era “salvar almas” e “plantar igrejas”, principalmente no exterior, mediante a proclamação do evangelho. Os agentes da missão eram primeiramente os “missionários”, a maioria deles filiada a sociedades missionárias, que podiam ser denominacionais ou interdenominacionais (“missões de fé”). Os requisitos para os missionários variavam, mas certamente o primeiro deles (exceto, obviamente, a experiência de conversão a Jesus Cristo) era sentir, geralmente em nível individual, “chamado por Deus para o campo missionário”. Quase sempre se concebia a resposta ao chamado de Deus para a missão -- assim como o chamado ao pastorado -- como a máxima entrega que um cristão poderia fazer ao serviço de Deus, mas, de nenhuma maneira, como algo que se esperaria de todos os cristãos.
Que função cumpria a igreja local dentro deste esquema? Com exceção das poucas igrejas (especialmente nos círculos dos “irmãos livres”) que enviavam missionários sem a mediação de sociedades missionárias, o papel da igreja local se reduzia a prover o pessoal para a missão e dar o apoio espiritual e econômico. A capacitação dos missionários, inclusive, era delegada pela igreja local a instituições especializadas no tema.
No entanto, cabe destacar que, com todas as suas deficiências, este conceito de missão, que prevalece no movimento missionário moderno, inspirou (e em muitos casos segue inspirando) milhares de missionários transculturais a fazer o que séculos antes fizera Abraão: deixar sua terra e sua parentela e ir para a terra que Deus lhe havia mostrado. Eles fizeram isso para difundir as boas novas da salvação em Jesus Cristo, e assim escreveram muitas das mais belas páginas da história da igreja. Graças ao trabalho destes missionários tradicionais -- verdadeiros “heróis da fé”, muitos dos quais derramaram seu sangue por causa de Jesus Cristo --, hoje a igreja é um movimento de alcance mundial, com congregações em praticamente todas as nações da terra. Glória a Deus!
Por outro lado, há que se reconhecer que a identificação da missão da igreja com a missão transcultural deu lugar a pelo menos quatro dicotomias que têm afetado a igreja negativamente:
1. A dicotomia entre igrejas que enviam missionários (a maioria situada no “mundo ocidental e cristão”) e igrejas que recebem missionários (quase exclusivamente nos países do “Mundo dos Dois Terços”: Ásia, África e América Latina). Isto está mudando, graças ao crescente número de missionários transculturais enviados de fora do Ocidente (ou da periferia do Ocidente, no caso da América Latina). No entanto, há que se reconhecer que, há pouco tempo, a “missão” (transcultural) era a que se fazia geralmente nos países da Europa (como, por exemplo, Inglaterra, Escócia, Alemanha, Suíça, Holanda, Suécia e Noruega), nos Estados Unidos, na Austrália e na Nova Zelândia. O movimento missionário transcultural com base na Ásia, na África ou na América Latina é relativamente novo.
2. A dicotomia entre “o lar” (home), situado em algum país do “mundo ocidental e cristão”, e “o campo missionário” (mission field), situado em algum país pagão. Não surpreende que a maioria dos “missionários de carreira” (às vezes com muitos anos de serviço) opte por viver a aposentaria em sua terra natal.
3. A dicotomia entre “missionários”, chamados por Deus a servi-lo, e cristãos comuns, que podiam desfrutar dos benefícios da salvação, mas estavam excluídos de participar do que Deus quer fazer no mundo. Atrevo-me a sugerir que a dicotomia entre “clérigos” (incluindo missionários e pastores) e “leigos” está na raiz do problema dos muitos cristãos “domingueiros” que fazem parte do povo evangélico.
4. A dicotomia entre a vida e a missão da igreja. Se, para que a igreja fosse “missionária”, bastasse enviar e apoiar alguns de seus membros para que se ocupassem da missão, haveria igrejas cuja vida não teria nenhum impacto significativo em sua vizinhança: a vida se desenvolveria na situação local (at home), mas a missão em outro lugar, preferencialmente no exterior (the mission field).
Todas estas dicotomias se originavam da redução da missão a um esforço missionário transcultural. Como consequência delas, a missão consistia primordialmente na tarefa de evangelização que realizavam os missionários enviados pelos países cristãos aos campos missionários do mundo, com o qual cumpriam representativa ou vicariamente -- por assim dizer -- a tarefa missionária de toda a igreja.
*Parte do primeiro do capítulo de “O que é Missão Integral?” (no prelo) do teólogo e escritor René Padilla.
E é óbvio que a prática da missão integral é muito mais importante que o uso deste conceito para referir-se a ela.
A expressão “missão integral” foi gerada principalmente no seio da Fraternidade Teológica Latino-americana há mais ou menos duas décadas. Ela foi, na realidade, uma tentativa de destacar a importância de conceber a missão da igreja dentro de um marco de referência teológico mais bíblico que o “tradicional”, ou seja, o que se havia instalado nos círculos evangélicos, especialmente por influência do movimento missionário moderno. Nos últimos anos, tem se difundido de tal modo que a tradução literal da expressão para o inglês, “integral mission”, está incorporando-se, pouco a pouco, ao vocabulário daqueles que, fora do âmbito dos evangélicos falantes de língua hispânica, defendem uma aproximação mais holística à missão cristã.
Em que consiste esta aproximação? O que a distingue da tradicional?
A aproximação tradicional à missão
Na aproximação tradicional, que tomou forma no movimento missionário moderno especialmente a partir do final do século 18, se concebia a missão essencialmente em termos geográficos: era quase sempre um cruzamento de fronteiras geográficas com o propósito de levar o evangelho do “mundo ocidental e cristão” para os “campos missionários” do mundo não-cristão (os países pagãos). Em outras palavras, falar de missão era falar de missão transcultural.
O propósito da missão era “salvar almas” e “plantar igrejas”, principalmente no exterior, mediante a proclamação do evangelho. Os agentes da missão eram primeiramente os “missionários”, a maioria deles filiada a sociedades missionárias, que podiam ser denominacionais ou interdenominacionais (“missões de fé”). Os requisitos para os missionários variavam, mas certamente o primeiro deles (exceto, obviamente, a experiência de conversão a Jesus Cristo) era sentir, geralmente em nível individual, “chamado por Deus para o campo missionário”. Quase sempre se concebia a resposta ao chamado de Deus para a missão -- assim como o chamado ao pastorado -- como a máxima entrega que um cristão poderia fazer ao serviço de Deus, mas, de nenhuma maneira, como algo que se esperaria de todos os cristãos.
Que função cumpria a igreja local dentro deste esquema? Com exceção das poucas igrejas (especialmente nos círculos dos “irmãos livres”) que enviavam missionários sem a mediação de sociedades missionárias, o papel da igreja local se reduzia a prover o pessoal para a missão e dar o apoio espiritual e econômico. A capacitação dos missionários, inclusive, era delegada pela igreja local a instituições especializadas no tema.
No entanto, cabe destacar que, com todas as suas deficiências, este conceito de missão, que prevalece no movimento missionário moderno, inspirou (e em muitos casos segue inspirando) milhares de missionários transculturais a fazer o que séculos antes fizera Abraão: deixar sua terra e sua parentela e ir para a terra que Deus lhe havia mostrado. Eles fizeram isso para difundir as boas novas da salvação em Jesus Cristo, e assim escreveram muitas das mais belas páginas da história da igreja. Graças ao trabalho destes missionários tradicionais -- verdadeiros “heróis da fé”, muitos dos quais derramaram seu sangue por causa de Jesus Cristo --, hoje a igreja é um movimento de alcance mundial, com congregações em praticamente todas as nações da terra. Glória a Deus!
Por outro lado, há que se reconhecer que a identificação da missão da igreja com a missão transcultural deu lugar a pelo menos quatro dicotomias que têm afetado a igreja negativamente:
1. A dicotomia entre igrejas que enviam missionários (a maioria situada no “mundo ocidental e cristão”) e igrejas que recebem missionários (quase exclusivamente nos países do “Mundo dos Dois Terços”: Ásia, África e América Latina). Isto está mudando, graças ao crescente número de missionários transculturais enviados de fora do Ocidente (ou da periferia do Ocidente, no caso da América Latina). No entanto, há que se reconhecer que, há pouco tempo, a “missão” (transcultural) era a que se fazia geralmente nos países da Europa (como, por exemplo, Inglaterra, Escócia, Alemanha, Suíça, Holanda, Suécia e Noruega), nos Estados Unidos, na Austrália e na Nova Zelândia. O movimento missionário transcultural com base na Ásia, na África ou na América Latina é relativamente novo.
2. A dicotomia entre “o lar” (home), situado em algum país do “mundo ocidental e cristão”, e “o campo missionário” (mission field), situado em algum país pagão. Não surpreende que a maioria dos “missionários de carreira” (às vezes com muitos anos de serviço) opte por viver a aposentaria em sua terra natal.
3. A dicotomia entre “missionários”, chamados por Deus a servi-lo, e cristãos comuns, que podiam desfrutar dos benefícios da salvação, mas estavam excluídos de participar do que Deus quer fazer no mundo. Atrevo-me a sugerir que a dicotomia entre “clérigos” (incluindo missionários e pastores) e “leigos” está na raiz do problema dos muitos cristãos “domingueiros” que fazem parte do povo evangélico.
4. A dicotomia entre a vida e a missão da igreja. Se, para que a igreja fosse “missionária”, bastasse enviar e apoiar alguns de seus membros para que se ocupassem da missão, haveria igrejas cuja vida não teria nenhum impacto significativo em sua vizinhança: a vida se desenvolveria na situação local (at home), mas a missão em outro lugar, preferencialmente no exterior (the mission field).
Todas estas dicotomias se originavam da redução da missão a um esforço missionário transcultural. Como consequência delas, a missão consistia primordialmente na tarefa de evangelização que realizavam os missionários enviados pelos países cristãos aos campos missionários do mundo, com o qual cumpriam representativa ou vicariamente -- por assim dizer -- a tarefa missionária de toda a igreja.
*Parte do primeiro do capítulo de “O que é Missão Integral?” (no prelo) do teólogo e escritor René Padilla.
É fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? e colunista da revista Ultimato.
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