Opinião
- 19 de dezembro de 2023
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O que é e como desenvolver a saúde mental?
Por Jorge Cruz
A saúde mental das pessoas tem suscitado preocupação crescente das autoridades sanitárias, governos e organizações não governamentais, a nível mundial. A pandemia Covid-19 teve um impacto significativo na saúde mental das populações, tendo aumentado os casos de ansiedade, depressão e outros tipos de doença mental durante este período. O que é a saúde mental? Quais os tipos de doença mental? O que diz a Bíblia sobre o assunto? Quais são os fatores de risco, fatores protetores e sinais de alerta de doença mental? Como podemos desenvolver a saúde mental? Qual o papel do perdão neste processo? Procuramos neste artigo responder a estas questões.
O que é a saúde mental?
A Organização Mundial de Saúde definiu saúde mental como o estado de bem-estar no qual o indivíduo tem consciência das suas capacidades, pode lidar com o estresse normal da vida, trabalhar de forma produtiva e contribuir para a comunidade em que se insere. A saúde mental de uma pessoa não é apenas a ausência de alguma doença mental. Está associada ao seu bem-estar e à sua capacidade de amar, trabalhar, de se relacionar com os outros e descobrir um sentido para a vida.
As doenças mentais podem interferir com o pensamento, a percepção da realidade e o humor (estado de espírito), e diferem de sentimentos comuns como a tristeza ou o medo, que qualquer pessoa pode experienciar durante a sua vida. Na maioria das vezes, são causadas por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Podem afetar pessoas de todas as idades, gênero e etnias, ocasionando grande sofrimento, tanto ao paciente como à sua família e comunidade. Apresentam uma elevada prevalência, em todos os países, e são um dos principais motivos de absentismo laboral e aposentadoria antecipada.
As doenças mentais mais comuns, em todo o mundo, são a ansiedade, a depressão, e as relacionadas com o abuso do álcool e outro tipo de dependências. As doenças mentais mais graves, felizmente menos frequentes, são a esquizofrenia, o transtorno bipolar, e transtornos alimentares como a anorexia nervosa ou a bulimia. Podem comprometer a autonomia dos pacientes e requerer internação em unidades psiquiátricas. Contudo, um número significativo de pessoas com doenças mentais não procura ajuda dos serviços de saúde, não sendo estes casos diagnosticados nem tratados.
O que a Bíblia diz?
A Palavra de Deus reconhece a influência da mente sobre o corpo. Lemos, por exemplo, em Provérbios 17.22, que “o coração bem disposto é remédio eficiente, mas o espírito oprimido resseca os ossos” (NVI). O rei Davi escreveu vários salmos que expressam os seus estados de ânimo. Alguns deles revelam ter passado por períodos de depressão, que poderão ter sido prolongados (Salmos 22, 31, 42, 88). O mesmo aconteceu com o profeta Jeremias, que vivenciou a destruição de Jerusalém e do Templo pelos babilônios (Lm 3.1-2,6-8,17-18). No entanto, não dispomos de dados suficientes para estabelecer o diagnóstico de depressão clínica nestes casos, apesar de ser uma das doenças mentais mais frequentes.
A doença mental, mencionada na Bíblia como “loucura”, era uma das consequências da desobediência do povo judeu à vontade de Deus (Dt 28.28,34). Houve uma ocasião em que o rei Davi finge ter perdido o juízo, para salvar a sua vida (1Sm 21.12-15). Mas, talvez, o personagem bíblico mais associado a transtorno mental seja o rei Saul, devido à sua labilidade emocional, insegurança, ansiedade, acessos de ira, fases de euforia e de depressão, cujo comportamento instável e imprevisível se assemelha a pacientes com transtorno bipolar (p. ex. 1 Samuel 18 e capítulos seguintes). Contudo, parece mais adequado considerar que a conduta de Saul era o resultado de falhas de caráter e desobediência a Deus e, por conseguinte, principalmente de natureza espiritual.
O rei Nabucodonosor, da Babilônia, experimentou uma fase de loucura, em que se comportou como um animal, uma doença mental rara descrita como boantropia, que é uma forma de paranoia em que o paciente acredita ser uma vaca ou um boi. Neste caso, a sua doença foi a consequência do castigo de Deus pelo seu orgulho e sobranceria, tendo finalmente reconhecido e louvado o verdadeiro Deus (Dn 4.29-37).
Encontramos também nas Escrituras referência a ocasiões em que grandes homens de Deus, como Moisés, Jó, Elias e Jonas, manifestaram o desejo de morrer. O profeta Elias experimentou uma fase de profundo desânimo e desespero, quando foi ameaçado de morte pela perversa rainha Jezabel, depois de ter vencido e exterminado os profetas de Baal. A intervenção divina, promovendo descanso, alimentação e hidratação, é ainda hoje uma terapia válida nestas situações (1Rs 19.1-8).
Fatores de risco, fatores protetores e sinais de alerta
Há vários fatores de risco, fatores protetores e sinais de alerta relacionados a doenças mentais e comportamentais.
Fatores de risco são o acesso fácil a drogas, álcool e jogo, isolamento e alienação, exposição à violência, agressão ou trauma, estresse laboral ou de acontecimentos de vida (como situações de perda de pessoas próximas e significativas), bullying, rejeição por pares, desemprego, desigualdades sociais (pessoas com baixa renda e baixo grau de escolaridade são mais predispostas a doenças mentais), falta de competências sociais, abuso ou negligência infantil, imaturidade emocional e descontrole, insônia crônica, conflitos interpessoais, insegurança econômica, solidão, luto patológico.
São fatores protetores: interações sociais positivas, participação social (nomeadamente em atividades recreativas, culturais e desportivas), tolerância social, apoio social da família e amigos, boa autoestima, boa capacidade de lidar com o estresse, autonomia, adaptabilidade, literacia em saúde mental, prática de exercício físico e desporto, interação positiva pais–filhos, estimulação cognitiva da nascença à velhice, participação em atividades agradáveis, capacidade de resolução de problemas, consciência do sentido de vida, conhecer a Deus e manter um relacionamento íntimo com o Senhor.
Alguns sinais de alerta, que indicam que a saúde mental pode estar fragilizada, incluem: problemas relacionados com o sono, ansiedade ou tensão constantes, alterações de humor, irritabilidade, afastamento de pessoas e atividades, problemas de memória, falta de motivação e de vontade, desesperança e tristeza profunda, impulsividade, intensificação do consumo de álcool ou de outras drogas, redução do desempenho no trabalho ou nos estudos.
Há claramente um estigma associado à doença mental, que é ainda um assunto tabu, mesmo entre os cristãos. Admitir um problema de foro mental e procurar a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra requerem, muitas vezes, coragem e determinação, mas pode ser a única forma de se chegar ao diagnóstico correto do problema e iniciar o tratamento adequado, tendo em vista uma recuperação rápida e completa.
Como desenvolver a saúde mental
Existem algumas formas de desenvolver a saúde mental e prevenir o sofrimento psicológico, das quais destaco as seguintes:
• Adotar um estilo de vida saudável, que inclui uma alimentação variada, pobre em carboidratos e açúcares, atividade física regular, bons hábitos de sono, evitando o consumo de álcool, drogas e tabaco.
• Saber lidar com o estresse, participando em atividades que dão prazer e bem-estar.
• Cultivar bons relacionamentos sociais, investindo tempo em construir relações saudáveis e reduzindo a exposição às redes sociais.
• Manter um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal e familiar.
• Desenvolver todas as dimensões do ser humano – física, mental, social e espiritual, esta última relacionada com o sentido de vida.
• Procurar ajuda profissional quando necessário, sobretudo quando os sinais de alerta estiverem presentes.
• Perdoar a quem nos ofendeu, prejudicou ou maltratou é, sem dúvida, uma das mais importantes.
A medicina do perdão
Perdoar não significa esquecer, tolerar ou desculpar comportamentos prejudiciais ou abusivos. É uma decisão consciente e voluntária, muitas vezes difícil, que se traduz em aceitação, cura interior e libertação emocional. Disse Jesus: “Não julguem, e não serão julgados. Não condenem, e não serão condenados. Perdoem, e serão perdoados” (Lc 6.37). E o próprio Senhor deu um exemplo sublime de perdão, quando no momento em que era crucificado numa cruz romana, num sofrimento atroz e inimaginável, orou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.24).
O bispo anglicano Desmond Tutu (1931-2021), que presidiu à Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul, constituída para investigar violações dos Direitos Humanos na era do Apartheid, escreveu: “Até que possamos perdoar a pessoa que nos prejudicou, essa pessoa terá as chaves da nossa felicidade, essa pessoa será o nosso carcereiro. Quando perdoamos, nós recuperamos o controle do nosso próprio destino e dos nossos sentimentos. Tornamo-nos os nossos próprios libertadores”.
É claro que o perdão não apaga o passado, mas impede que as experiências negativas do passado envenenem o nosso futuro. O perdão reconcilia-nos com o passado e demonstra que confiamos em Deus em relação ao futuro.
Talvez a maior motivação para perdoarmos seja a nossa experiência pessoal de termos sido perdoados por Deus e termos a consciência de que precisamos de receber perdão pelo mal que, consciente ou inconscientemente, fizemos aos outros (Mt 6.12).
- Jorge Cruz é médico especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular, doutor em Bioética, membro do Comitê de Países de Língua Portuguesa da International Christian Medical & Dental Association (ICMDA), membro honorário da Associação Cristã Evangélica de Profissionais de Saúde (ACEPS-Portugal), membro do Conselho Internacional da PRIME – Partnerships in International Medical Education. Mora em Porto, Portugal.
Bibliografia
Beer, M. Dominic & Pocock, Nigel D. (Eds). Mad, Bad or Sad? A Christian approach to antisocial behaviour and mental disorders. Christian Medical Fellowship, London, 2006.
Nervous and Mental Diseases. In: Douglas, J. D. & Tenney, Merril C. Zondervan Illustrated Bible Dictionary. Zondervan, Michigan, 2011.
Toussaint, L. L., Worthington, E. L., Williams, D. R. (Eds). Forgiveness and Health: Scientific Evidence and Theories Relating Forgiveness to Better Health. Springer: Dordrecht, The Netherlands, 2015.
Tutu, D., Tuto, M. The Book of Forgiveness. HarperOne: San Francisco, 2014.
Winter, Richard. When Life Goes Dark: Finding hope in the midst of depression. InterVarsity Press, Illinois, 2012.
REVISTA ULTIMATO | DOENÇAS QUE FAZEM SOFRER TAMBÉM OS QUE CREEM
Todas as pessoas – também os que creem – correm o risco de adoecer mentalmente. Há multidões na igreja lutando com problemas de saúde mental. Felizmente, há esperança e ajuda: profissionais da saúde, recursos terapêuticos e medicamentos. Os cristãos podem contar ainda com a ajuda extraordinária de seu Deus. E a igreja deve proporcionar um espaço seguro para estes.
É disso que trata a matéria de capa da edição 405 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Culpa e Graça, Paul Tournier
» Encorajamento Que Vem do Alto, Robert Liang Koo
» Um Novo Dia, Emma Scrivener
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