Opinião
- 04 de agosto de 2010
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O próximo, o distante e o ignorado
Derval Dasilio
O discipulado de Jesus aponta o samaritano exemplar: o desconhecido semimorto é protegido e devidamente cuidado no anonimato. O samaritano vai embora, mas deixa marcas de bondade e solidariedade, e sai positivamente registrado para o resto dos tempos como uma das mais significativas histórias sobre compaixão, solidariedade e misericórdia. Ele é a imagem de Deus no ser finito.
Somos ensinados que podemos e devemos ajudar os outros, com gratuidade, especialmente os que sofrem violência nas sociedades não-igualitárias de nossos dias. O samaritano não deixou nome nem endereço. Soube a hora exata de entrar e sair da vida do outro, entre os milhões de anônimos vítimas de afronta e insulto nas desigualdades, afirmou João Dias no hino, "A Vil Miséria Insulta os Céus".
O aprendizado da compaixão e da misericórdia fala no profundo do ser humano. Na verdade, a história vigora como uma denúncia do que realmente nos falta. Para o Evangelho de Jesus aquele que sangra e sofre é que importa. Vale mesmo o que a Bíblia reconhece: compaixão, ternura pelo que sofre e chora (“rahamin”). Jesus une a paixão de Deus pelos feridos e sofredores na negação de direitos fundamentais (saúde e escola de qualidade, trabalho e habitação com dignidade, por exemplo). Quem são nosso próximo ou ignorado?
Menos de 2% dos brasileiros são considerados ricos pelo IPEA (0,001% são multimilionários!). O mesmo órgão diz que 75 milhões, dos 193 totais, vivem na referência da “linha de pobreza” (23 milhões vivem na miséria). A fé cristã sugeriria que nos preocupássemos com isso? Nas igrejas “intramuros”, como quem vive em abrigos antiaéreos, afastados da realidade, como se poderá saber o quê alimenta a violência existente? Talvez o evangelho nos avive a memória lembrando que “o próximo”, o violentado e abandonado, atirado à beira da estrada, ferido de morte nas sociedades prósperas, ignorado, mereceu a manifestação do cuidado de Deus, por meio de Jesus Cristo.
Sob a força inexorável do estilo de vida, acumulação de bens e padrões de consumo, onde o luxo é aspiração comum, levantam-se fortalezas para consagrar essas diferenças. Querem o excluído à distância. Têm medo. À semelhança de quem constrói residências luxuosas superprotegidas, paredes de metal corrugado, “bunkers” sem janelas, dentro de edifícios arruinados. De que adianta sabermos que no Brasil há riqueza emergente (cf. Copa-2014), face ao que não se pode esconder? O grande desafio está nas ideologias sobre propriedade, lucro, acúmulo de riqueza e consumo do luxo, até mesmo dentro das comunidades cristãs. Um estudante de teologia afirmava, numa igreja, que a Bíblia destaca o cuidado com o pobre (“anawin”), símbolo do fraco, do órfão e da viúva; que o pobre é a preferência solidária de Deus. Ele foi rechaçado: “O sentido bíblico é espiritual...”.
A primeira questão levantada nos evangelhos diz respeito à natureza da justiça de Deus. A comunidade do “ágape” dispensava a contabilidade meticulosa dos méritos e deméritos. Antes, respondia com ilimitada generosidade na conversão ao amor. Na medida em que as comunidades foram se transformando em órgãos legisladores, essa generosidade foi cedendo lugar a formas mais calculadas de justiça eclesiástica. Começam, assim, a surgir indagações no interior da Igreja sobre a natureza do poder, sobre as qualificações do bispo ou do diácono (1Tm 3.1-13). As consequências do autoemparedamento da igreja são bem conhecidas historicamente. Pastores continuam estimulando a “prosperidade” e ascensão social pela conversão religiosa, enquanto “exigem” salários de deputados.
A mentalidade religiosa do tempo de Jesus repete-se na igreja absorvida pelo egocentrismo religioso. Converte-se em consciência fria, sem calor humano, à qual não importam as necessidades nem os direitos do ser humano. Este foi o cenário onde nasceu a parábola: um homem necessitado de ajuda, mais morto que vivo, sem direitos, violentado em sua dignidade, é abandonado pelos cumpridores da lei religiosa. Lucas informa que Jesus fez uma proposta de verdadeira opção pelos direitos do ser humano caído (Lc 10.25-37), condenado pelas estruturas sociais, políticas, econômicas e religiosas. Mateus indica o que Jesus quer dizer: a solidariedade é um valor que se antepõe aos outros (Mt 9.13). “Misericórdia quero, diz o Senhor.”
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O discipulado de Jesus aponta o samaritano exemplar: o desconhecido semimorto é protegido e devidamente cuidado no anonimato. O samaritano vai embora, mas deixa marcas de bondade e solidariedade, e sai positivamente registrado para o resto dos tempos como uma das mais significativas histórias sobre compaixão, solidariedade e misericórdia. Ele é a imagem de Deus no ser finito.
Somos ensinados que podemos e devemos ajudar os outros, com gratuidade, especialmente os que sofrem violência nas sociedades não-igualitárias de nossos dias. O samaritano não deixou nome nem endereço. Soube a hora exata de entrar e sair da vida do outro, entre os milhões de anônimos vítimas de afronta e insulto nas desigualdades, afirmou João Dias no hino, "A Vil Miséria Insulta os Céus".
O aprendizado da compaixão e da misericórdia fala no profundo do ser humano. Na verdade, a história vigora como uma denúncia do que realmente nos falta. Para o Evangelho de Jesus aquele que sangra e sofre é que importa. Vale mesmo o que a Bíblia reconhece: compaixão, ternura pelo que sofre e chora (“rahamin”). Jesus une a paixão de Deus pelos feridos e sofredores na negação de direitos fundamentais (saúde e escola de qualidade, trabalho e habitação com dignidade, por exemplo). Quem são nosso próximo ou ignorado?
Menos de 2% dos brasileiros são considerados ricos pelo IPEA (0,001% são multimilionários!). O mesmo órgão diz que 75 milhões, dos 193 totais, vivem na referência da “linha de pobreza” (23 milhões vivem na miséria). A fé cristã sugeriria que nos preocupássemos com isso? Nas igrejas “intramuros”, como quem vive em abrigos antiaéreos, afastados da realidade, como se poderá saber o quê alimenta a violência existente? Talvez o evangelho nos avive a memória lembrando que “o próximo”, o violentado e abandonado, atirado à beira da estrada, ferido de morte nas sociedades prósperas, ignorado, mereceu a manifestação do cuidado de Deus, por meio de Jesus Cristo.
Sob a força inexorável do estilo de vida, acumulação de bens e padrões de consumo, onde o luxo é aspiração comum, levantam-se fortalezas para consagrar essas diferenças. Querem o excluído à distância. Têm medo. À semelhança de quem constrói residências luxuosas superprotegidas, paredes de metal corrugado, “bunkers” sem janelas, dentro de edifícios arruinados. De que adianta sabermos que no Brasil há riqueza emergente (cf. Copa-2014), face ao que não se pode esconder? O grande desafio está nas ideologias sobre propriedade, lucro, acúmulo de riqueza e consumo do luxo, até mesmo dentro das comunidades cristãs. Um estudante de teologia afirmava, numa igreja, que a Bíblia destaca o cuidado com o pobre (“anawin”), símbolo do fraco, do órfão e da viúva; que o pobre é a preferência solidária de Deus. Ele foi rechaçado: “O sentido bíblico é espiritual...”.
A primeira questão levantada nos evangelhos diz respeito à natureza da justiça de Deus. A comunidade do “ágape” dispensava a contabilidade meticulosa dos méritos e deméritos. Antes, respondia com ilimitada generosidade na conversão ao amor. Na medida em que as comunidades foram se transformando em órgãos legisladores, essa generosidade foi cedendo lugar a formas mais calculadas de justiça eclesiástica. Começam, assim, a surgir indagações no interior da Igreja sobre a natureza do poder, sobre as qualificações do bispo ou do diácono (1Tm 3.1-13). As consequências do autoemparedamento da igreja são bem conhecidas historicamente. Pastores continuam estimulando a “prosperidade” e ascensão social pela conversão religiosa, enquanto “exigem” salários de deputados.
A mentalidade religiosa do tempo de Jesus repete-se na igreja absorvida pelo egocentrismo religioso. Converte-se em consciência fria, sem calor humano, à qual não importam as necessidades nem os direitos do ser humano. Este foi o cenário onde nasceu a parábola: um homem necessitado de ajuda, mais morto que vivo, sem direitos, violentado em sua dignidade, é abandonado pelos cumpridores da lei religiosa. Lucas informa que Jesus fez uma proposta de verdadeira opção pelos direitos do ser humano caído (Lc 10.25-37), condenado pelas estruturas sociais, políticas, econômicas e religiosas. Mateus indica o que Jesus quer dizer: a solidariedade é um valor que se antepõe aos outros (Mt 9.13). “Misericórdia quero, diz o Senhor.”
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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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