Opinião
- 12 de novembro de 2018
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O problema da ciência é o cientificismo
Por Pedro Dulci
Muitas vezes, a proposta de um diálogo entre ciência e fé cristã, tal como a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²) está propondo é encarada como o diálogo entre conhecimento acadêmico, científico e objetivo e a experiência religiosa subjetiva e privada. Entretanto, não existe nada mais distante dos nossos objetivos do que essa caricatura. Na verdade, por trás dessa forma bastante comum de pensar existe uma pressuposta polarização – uma das provas mais seguras de que precisamos falar sobre ciência em diálogo com a religião, a saber, a polarização entre fé cristã e fé na ciência. É do engenheiro e filósofo holandês Egbert Schuurman o insight de perceber que o principal obstáculo para o diálogo entre fé cristã e ciência não são questões estritamente epistemológicas, mas compromissos religiosos que algumas pessoas assumem com a ciência. Em suas próprias palavras: “tornou-se cada vez mais claro para mim que essa questão é geralmente colocada de forma incorreta. O que se questiona não é a relação entre a fé e a ciência, mas a relação entre a fé cristã e a fé na ciência”1.
Com esse giro de rara precisão nas discussões sobre fé cristã e ciência, Schuurman nos fornece uma chave interpretativa para um fenômeno recorrente na prática e no ensino científico: o cientificismo. Claro que o cientificismo tem muitas faces (acadêmico, metodológico, filosófico) e nenhuma área do saber está livre dele – nem mesmo a teologia cristã. Entretanto, de modo geral, podemos definir o cientificismo como a reivindicação de que apenas os métodos científicos são capazes de nos fornecer conhecimento verdadeiro do mundo e de nós mesmos2. Ou seja, trata-se de um compromisso e uma confiança de dimensões últimas na ciência – por isso, Schuurman fala de uma fé na ciência. Essa forma de proceder no conhecimento científico traça os limites daquilo que podemos dizer que existe, do que podemos conhecer e os parâmetros para nossas tomadas de decisão ética e religiosa.
No contexto de pesquisa acadêmica e do pensamento cristão contemporâneo, um nome que se destaca no diálogo crítico com o cientificismo é o do professor René van Woudenberg3. Sua pesquisa está concentrada em entender como o conhecimento comum se relaciona com o conhecimento científico, além de compreender como nossa visão de mundo ordinária se relaciona com a imagem científica do mundo. Nesse sentido, a busca de uma postura científica sem, ou para além do cientificismo, se enquadra perfeitamente em suas produções intelectuais mais recentes.
Uma das formas privilegiadas que Woudenberg escolhe para abordar tal proposta cientificista é questionando o que foi chamado de “atitude científica”, mas que na verdade é a pressuposição cientificista por excelência: “[afirmações] devem ser comprovadas como (aproximadamente, provavelmente, etc.) verdadeiras apenas se forem suficientemente apoiadas pela aplicação de métodos validados de investigação ou descoberta”4. Essa discussão assume importância especial para nós, pois o seu contexto é justamente o debate sobre as afirmações religiosas – a respeito das entidades sobrenaturais, anjos, inferno, alma, céu – impossíveis de serem submetidas à “atitude científica”. Em síntese, o cientificismo reforça o modelo de conflito entre ciência e religião5.
A argumentação de Woudenberg quanto a essa “atitude científica”, bem como em relação ao cientificismo de maneira geral, é longa e complexa6. Entretanto, enquanto uma introdução às suas contribuições mais recentes para esse tema, podemos esquematizar seus movimentos argumentativos em, pelo menos, três pontos chave.
Em primeiro lugar, o cientificismo descaracteriza a ciência. Quando sustentamos que um conhecimento é científico tão somente se estiver apoiado pela aplicação de métodos de pesquisa, ao mesmo tempo retiramos o que é próprio da ciência e acrescentamos o que não é. Um exemplo é o seguinte: “verificar quantos quartos do hotel St. James são alugados em um determinado dia, contando o número de chaves que foram entregues, deve ser chamado de ‘ciência’ também, desde que seja o melhor método no momento”7. Ou seja, a chamada “atitude científica” é apenas uma parte de uma elaborada caracterização da ciência, em que a aplicação de métodos é necessária, mas não é suficiente para definir ciência. Segundo Woudenberg, “a extensão da ‘ciência’ é muito mais ampla do que o uso comum dessa palavra sugere”8.
Em segundo lugar, o cientificismo desconhece o que é próprio da experiência religiosa. Um dos objetivos do projeto cientificista é descredibilizar alegações que não se encaixam na “atitude científica” como a religião teísta cristã. Entretanto, Woudenberg lembra que: “o teísta típico não acha que sua crença religiosa se baseia em, ou é um produto da pesquisa científica”9. Nem o relato normativo das Escrituras, as práticas tradicionais da Igreja, nem a vivência cotidiana da fé cristã reivindicam o método científico para a formação do conjunto de suas crenças. Nesse sentido, “a acusação de que as pessoas religiosas, ao fazerem reivindicações religiosas factuais, carecem de ‘atitude científica’ também não é um problema”10.
Em terceiro lugar, o cientificismo é reducionista em relação à formação do conhecimento verdadeiro. Não apenas no âmbito das práticas religiosas, mas também de maneira geral podemos dizer que o cientificismo é incapaz de nos fornecer uma descrição do processo de formação de crenças verdadeiras. Woudenberg lembra que:
“Todos ocasionalmente formamos crenças sobre nossos próprios estados mentais, como nos sentirmos “cansados” ou “felizes”. Suponha agora que você se sente cansado e reivindique isto e, então, que sua reivindicação é contestada (talvez seu chefe pense que você está dando uma desculpa esfarrapada para não ter que aparecer em uma reunião). […] Então as alegações de que você se sinta cansado devem ser endossadas somente se forem suficientemente apoiadas pela aplicação de métodos de pesquisa validados. Agora, quais métodos de pesquisa suportam alegações sobre fatos mentais?”11
Com esse exemplo simples, Woudenberg quer nos mostrar que o conhecimento verdadeiro é formado em nosso aparato cognitivo cotidianamente, sem estar submetido à “atitude científica” – sem que, todavia, sejam conhecimentos falsos ou injustificados. Mais do que isso, a própria prática científica, em certa medida, depende do senso comum, e também está alicerçada na confiabilidade da percepção sensorial, da memória e do raciocínio lógico do cientista. Entretanto, nenhuma dessas bases da ciência podem ser reduzidas àquela “atitude científica”.
Em contrapartida, alguém poderia argumentar que a “atitude científica” só deve ser aplicada a assuntos do âmbito das ciências naturais. Pois bem, Woudenberg nos lembra de que: “a aplicação [da atitude científica] às partes mais bem desenvolvidas da física faz com que problemas sérios surjam”12, como a incompatibilidade entre a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade – incompatibilidade essa que não deveria acontecer, caso a “atitude científica” fosse corretamente aplicada. Diante disso, o que os cientistas deveriam fazer? Desistir da Mecânica Quântica ou da Teoria da Relatividade, ou de ambas? Ou, ao invés disso, questionar essa “atitude cientifica” reducionista? A resposta é óbvia, uma vez que o cientificismo “não está escrito nas estrelas, mas simplesmente foi proposto por um filósofo”, então negar o cientificismo “é algo que eles podem alegremente fazer, sem quaisquer dores ou culpa intelectual”13.
Conclusão
Podemos concluir que o cientificismo é um exemplo paradigmático de uma prática tipicamente idólatra – quando se exige muito mais do que algo pode nos oferecer, acaba-se perdendo até mesmo o que era oferecido legitimamente. No caso do cientificismo, fica evidente como a fé extremada nas capacidades que o método científico tem para produzir conhecimento verdadeiro afeta não apenas a própria ciência (descaracterizando-a), como, também, a experiência religiosa e a vivência ordinária de conhecimento. René van Woudenberg é muito competente em mostrar que o cientificismo extrapola os limites do científico – pretendendo ser normativo para esferas fora de sua atuação, como a religião, a moralidade e o cotidiano.
Nesse sentido, o cientificismo precisa ser questionado, pois seus resultados podem ser muito prejudiciais. Podemos pensar em como a auto compreensão e o florescimento do ser humano são profundamente prejudicados quando a moralidade e a experiência religiosas são descredibilizadas em nome dessa “atitude científica”. Ademais, várias práticas sociais e profissionais são afetadas também, como o direito, a psicologia, a teologia, a educação e assim por diante. Mas, acima de tudo, o cientificismo mostrou-se prejudicial à própria ciência – questionando a confiabilidade da formação de crenças verdadeiras na prática cotidiana de um cientista. Frente a esse cenário, é imperioso que os cristãos na ciência procurem desenvolver uma descrição do processo de formação de nossas crenças alternativo ao cientificismo típico de alguns ambientes de ensino e pesquisa.
*Texto originalmente publicado no site da Associação Brasileira Cristãos na Ciência. Reproduzido com permissão.
REFERÊNCIAS:
1. Schuurman, E. Fé, esperança e tecnologia: Ciência e fé cristã em uma cultura tecnológica. Trad. Thais Semionato, Viçosa, MG: Editor Ultimato, 2016, p. 26.
2. Rosenberg, A. The atheist’s guide to reality. New York: Norton, 2011, p. 6.
3. Woudenberg é professor de filosofia. Suas áreas de especialização são epistemologia e metafísica. Fez o seu Ph.D. com Nicholas Wolterstorff (que era na época professor da Universidade de Yale). Trabalhou por dois anos na Universidade de Notre Dame e fui decano do departamento de filosofia na Universidade Livre de Amsterdam de Setembro de 2008 até dezembro de 2012. Atualmente é professor na mesma universidade e diretor do Abraham Kuyper Center para ciência e questões últimas.
4. Plantinga’s Ignoratio Elenchis. European Journal for Philosophy of Religion, 5, 87–110. 2013, p. 97.
5. Segundo o posicionamento clássico de Alvin Plantinga “existe um conflito superficial, mas uma profunda concordância entre ciência e religião teísta”. Plantinga, A. Where the conflict really lies. Science, religion & naturalism. Oxford: Oxford University Press, p. ix.
6. As mais recentes são: “Both random and guided”. Ratio (2015) 28: 332-48; “Christianity and science”, in: Steve Fuller, Mikael Stenmark & Ulf Zackariasson (eds.); Customized science? The impact of worldviews on contemporary science. (London: Palgrave McMillan), 55-72; “True qualifiers for qualified truths”, The review of metaphysics 68, 3-36; “Disagreement, design and thomas reid”. Canadian Journal of Philosophy 41, 224-239.
7. René van Woudenberg; Joëlle Rothuizen. Science and the Ethics of Belief. An Examination of Philipse’s Rule R. Journal for the General Philosophy of Science, 2016, p. 352.
8. Ibid.
9. Ibid., p. 357.
10. Ibid., p. 358.
11. Ibid., p. 359. 12. Ibid., p. 360. 13. Ibid.
Muitas vezes, a proposta de um diálogo entre ciência e fé cristã, tal como a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²) está propondo é encarada como o diálogo entre conhecimento acadêmico, científico e objetivo e a experiência religiosa subjetiva e privada. Entretanto, não existe nada mais distante dos nossos objetivos do que essa caricatura. Na verdade, por trás dessa forma bastante comum de pensar existe uma pressuposta polarização – uma das provas mais seguras de que precisamos falar sobre ciência em diálogo com a religião, a saber, a polarização entre fé cristã e fé na ciência. É do engenheiro e filósofo holandês Egbert Schuurman o insight de perceber que o principal obstáculo para o diálogo entre fé cristã e ciência não são questões estritamente epistemológicas, mas compromissos religiosos que algumas pessoas assumem com a ciência. Em suas próprias palavras: “tornou-se cada vez mais claro para mim que essa questão é geralmente colocada de forma incorreta. O que se questiona não é a relação entre a fé e a ciência, mas a relação entre a fé cristã e a fé na ciência”1.
Com esse giro de rara precisão nas discussões sobre fé cristã e ciência, Schuurman nos fornece uma chave interpretativa para um fenômeno recorrente na prática e no ensino científico: o cientificismo. Claro que o cientificismo tem muitas faces (acadêmico, metodológico, filosófico) e nenhuma área do saber está livre dele – nem mesmo a teologia cristã. Entretanto, de modo geral, podemos definir o cientificismo como a reivindicação de que apenas os métodos científicos são capazes de nos fornecer conhecimento verdadeiro do mundo e de nós mesmos2. Ou seja, trata-se de um compromisso e uma confiança de dimensões últimas na ciência – por isso, Schuurman fala de uma fé na ciência. Essa forma de proceder no conhecimento científico traça os limites daquilo que podemos dizer que existe, do que podemos conhecer e os parâmetros para nossas tomadas de decisão ética e religiosa.
No contexto de pesquisa acadêmica e do pensamento cristão contemporâneo, um nome que se destaca no diálogo crítico com o cientificismo é o do professor René van Woudenberg3. Sua pesquisa está concentrada em entender como o conhecimento comum se relaciona com o conhecimento científico, além de compreender como nossa visão de mundo ordinária se relaciona com a imagem científica do mundo. Nesse sentido, a busca de uma postura científica sem, ou para além do cientificismo, se enquadra perfeitamente em suas produções intelectuais mais recentes.
Uma das formas privilegiadas que Woudenberg escolhe para abordar tal proposta cientificista é questionando o que foi chamado de “atitude científica”, mas que na verdade é a pressuposição cientificista por excelência: “[afirmações] devem ser comprovadas como (aproximadamente, provavelmente, etc.) verdadeiras apenas se forem suficientemente apoiadas pela aplicação de métodos validados de investigação ou descoberta”4. Essa discussão assume importância especial para nós, pois o seu contexto é justamente o debate sobre as afirmações religiosas – a respeito das entidades sobrenaturais, anjos, inferno, alma, céu – impossíveis de serem submetidas à “atitude científica”. Em síntese, o cientificismo reforça o modelo de conflito entre ciência e religião5.
A argumentação de Woudenberg quanto a essa “atitude científica”, bem como em relação ao cientificismo de maneira geral, é longa e complexa6. Entretanto, enquanto uma introdução às suas contribuições mais recentes para esse tema, podemos esquematizar seus movimentos argumentativos em, pelo menos, três pontos chave.
Em primeiro lugar, o cientificismo descaracteriza a ciência. Quando sustentamos que um conhecimento é científico tão somente se estiver apoiado pela aplicação de métodos de pesquisa, ao mesmo tempo retiramos o que é próprio da ciência e acrescentamos o que não é. Um exemplo é o seguinte: “verificar quantos quartos do hotel St. James são alugados em um determinado dia, contando o número de chaves que foram entregues, deve ser chamado de ‘ciência’ também, desde que seja o melhor método no momento”7. Ou seja, a chamada “atitude científica” é apenas uma parte de uma elaborada caracterização da ciência, em que a aplicação de métodos é necessária, mas não é suficiente para definir ciência. Segundo Woudenberg, “a extensão da ‘ciência’ é muito mais ampla do que o uso comum dessa palavra sugere”8.
Em segundo lugar, o cientificismo desconhece o que é próprio da experiência religiosa. Um dos objetivos do projeto cientificista é descredibilizar alegações que não se encaixam na “atitude científica” como a religião teísta cristã. Entretanto, Woudenberg lembra que: “o teísta típico não acha que sua crença religiosa se baseia em, ou é um produto da pesquisa científica”9. Nem o relato normativo das Escrituras, as práticas tradicionais da Igreja, nem a vivência cotidiana da fé cristã reivindicam o método científico para a formação do conjunto de suas crenças. Nesse sentido, “a acusação de que as pessoas religiosas, ao fazerem reivindicações religiosas factuais, carecem de ‘atitude científica’ também não é um problema”10.
Em terceiro lugar, o cientificismo é reducionista em relação à formação do conhecimento verdadeiro. Não apenas no âmbito das práticas religiosas, mas também de maneira geral podemos dizer que o cientificismo é incapaz de nos fornecer uma descrição do processo de formação de crenças verdadeiras. Woudenberg lembra que:
“Todos ocasionalmente formamos crenças sobre nossos próprios estados mentais, como nos sentirmos “cansados” ou “felizes”. Suponha agora que você se sente cansado e reivindique isto e, então, que sua reivindicação é contestada (talvez seu chefe pense que você está dando uma desculpa esfarrapada para não ter que aparecer em uma reunião). […] Então as alegações de que você se sinta cansado devem ser endossadas somente se forem suficientemente apoiadas pela aplicação de métodos de pesquisa validados. Agora, quais métodos de pesquisa suportam alegações sobre fatos mentais?”11
Com esse exemplo simples, Woudenberg quer nos mostrar que o conhecimento verdadeiro é formado em nosso aparato cognitivo cotidianamente, sem estar submetido à “atitude científica” – sem que, todavia, sejam conhecimentos falsos ou injustificados. Mais do que isso, a própria prática científica, em certa medida, depende do senso comum, e também está alicerçada na confiabilidade da percepção sensorial, da memória e do raciocínio lógico do cientista. Entretanto, nenhuma dessas bases da ciência podem ser reduzidas àquela “atitude científica”.
Em contrapartida, alguém poderia argumentar que a “atitude científica” só deve ser aplicada a assuntos do âmbito das ciências naturais. Pois bem, Woudenberg nos lembra de que: “a aplicação [da atitude científica] às partes mais bem desenvolvidas da física faz com que problemas sérios surjam”12, como a incompatibilidade entre a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade – incompatibilidade essa que não deveria acontecer, caso a “atitude científica” fosse corretamente aplicada. Diante disso, o que os cientistas deveriam fazer? Desistir da Mecânica Quântica ou da Teoria da Relatividade, ou de ambas? Ou, ao invés disso, questionar essa “atitude cientifica” reducionista? A resposta é óbvia, uma vez que o cientificismo “não está escrito nas estrelas, mas simplesmente foi proposto por um filósofo”, então negar o cientificismo “é algo que eles podem alegremente fazer, sem quaisquer dores ou culpa intelectual”13.
Conclusão
Podemos concluir que o cientificismo é um exemplo paradigmático de uma prática tipicamente idólatra – quando se exige muito mais do que algo pode nos oferecer, acaba-se perdendo até mesmo o que era oferecido legitimamente. No caso do cientificismo, fica evidente como a fé extremada nas capacidades que o método científico tem para produzir conhecimento verdadeiro afeta não apenas a própria ciência (descaracterizando-a), como, também, a experiência religiosa e a vivência ordinária de conhecimento. René van Woudenberg é muito competente em mostrar que o cientificismo extrapola os limites do científico – pretendendo ser normativo para esferas fora de sua atuação, como a religião, a moralidade e o cotidiano.
Nesse sentido, o cientificismo precisa ser questionado, pois seus resultados podem ser muito prejudiciais. Podemos pensar em como a auto compreensão e o florescimento do ser humano são profundamente prejudicados quando a moralidade e a experiência religiosas são descredibilizadas em nome dessa “atitude científica”. Ademais, várias práticas sociais e profissionais são afetadas também, como o direito, a psicologia, a teologia, a educação e assim por diante. Mas, acima de tudo, o cientificismo mostrou-se prejudicial à própria ciência – questionando a confiabilidade da formação de crenças verdadeiras na prática cotidiana de um cientista. Frente a esse cenário, é imperioso que os cristãos na ciência procurem desenvolver uma descrição do processo de formação de nossas crenças alternativo ao cientificismo típico de alguns ambientes de ensino e pesquisa.
*Texto originalmente publicado no site da Associação Brasileira Cristãos na Ciência. Reproduzido com permissão.
REFERÊNCIAS:
1. Schuurman, E. Fé, esperança e tecnologia: Ciência e fé cristã em uma cultura tecnológica. Trad. Thais Semionato, Viçosa, MG: Editor Ultimato, 2016, p. 26.
2. Rosenberg, A. The atheist’s guide to reality. New York: Norton, 2011, p. 6.
3. Woudenberg é professor de filosofia. Suas áreas de especialização são epistemologia e metafísica. Fez o seu Ph.D. com Nicholas Wolterstorff (que era na época professor da Universidade de Yale). Trabalhou por dois anos na Universidade de Notre Dame e fui decano do departamento de filosofia na Universidade Livre de Amsterdam de Setembro de 2008 até dezembro de 2012. Atualmente é professor na mesma universidade e diretor do Abraham Kuyper Center para ciência e questões últimas.
4. Plantinga’s Ignoratio Elenchis. European Journal for Philosophy of Religion, 5, 87–110. 2013, p. 97.
5. Segundo o posicionamento clássico de Alvin Plantinga “existe um conflito superficial, mas uma profunda concordância entre ciência e religião teísta”. Plantinga, A. Where the conflict really lies. Science, religion & naturalism. Oxford: Oxford University Press, p. ix.
6. As mais recentes são: “Both random and guided”. Ratio (2015) 28: 332-48; “Christianity and science”, in: Steve Fuller, Mikael Stenmark & Ulf Zackariasson (eds.); Customized science? The impact of worldviews on contemporary science. (London: Palgrave McMillan), 55-72; “True qualifiers for qualified truths”, The review of metaphysics 68, 3-36; “Disagreement, design and thomas reid”. Canadian Journal of Philosophy 41, 224-239.
7. René van Woudenberg; Joëlle Rothuizen. Science and the Ethics of Belief. An Examination of Philipse’s Rule R. Journal for the General Philosophy of Science, 2016, p. 352.
8. Ibid.
9. Ibid., p. 357.
10. Ibid., p. 358.
11. Ibid., p. 359. 12. Ibid., p. 360. 13. Ibid.
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Autor de Fé Cristã e Ação Política, Pedro Lucas Dulci, é filósofo e pastor presbiteriano. Casado com Carolinne e pai de Benjamin, desenvolve pesquisa em ética e filosofia política contemporânea e estudos sobre o diálogo entre ciência e religião, com estágio na Vrije Universiteit Amsterdam. É teólogo e coordenador pedagógico no Invisible College.
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