Opinião
- 08 de julho de 2009
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O princípio antrópico e o debate entre ciência e religião*
4. Condições Iniciais e Outras Condições
A história cósmica é um cabo-de-guerra entre as tendências opostas da contração gravitacional (no sentido de ajuntar a matéria) e a soma dos efeitos expansivos (tais como as velocidades iniciais após o Big Bang, juntamente com outros efeitos, como o valor não-zero de l). Estas duas tendências devem ser proximamente equilibradas para que o universo não colapse rapidamente em um “big crunch”, ou rapidamente se torne tão diluído a ponto de impossibilitar um processo frutífero. De fato ao realizar extrapolações de volta à era de Planck, quando o cosmos tinha apenas 10-43 segundos de idade, os cosmologistas concluem que a diferença entre as duas tendências poderia ser apenas de uma parte em 1060. Vamos retomar este ponto particular mais adiante.
Roger Penrose enfatiza que o universo parece ter começado com um nível de organização extremamente alto (baixa entropia). Acredita-se que isso esteja intimamente relacionado às propriedades termodinâmicas do universo, e até mesmo, possivelmente, à natureza do tempo. Penrose estima a probabilidade de isso acontecer por acaso de uma em 10123.
Outra necessidade antrópica é o tamanho do universo observável, com suas 1011 galáxias, cada uma com uma média de 1011 estrelas. Conquanto tal imensidão possa às vezes parecer intimidante aos habitantes do que, efetivamente, não passa de um grão de poeira cósmica, não deveríamos nos sentir mal, porque apenas um universo ao menos tão grande como o nosso poderia ter durado os quatorze bilhões de anos necessários para que seres humanos entrassem em cena. Qualquer coisa significantemente menor teria uma história breve demais para tanto.
5. Considerações Biológicas
A complexidade da biologia, em comparação com a física, torna muito mais difícil derivar restrições antrópicas diretamente de detalhes dos processos biológicos. Está claro, no entanto, que a vida depende em muitos aspectos de detalhes das propriedades da matéria neste universo3. Um simples exemplo é a anômala propriedade da água de expandir-se quando congelada, desse modo impedindo que os lagos se congelem até o fundo, o que mataria quaisquer formas de vida em seu interior. Mudanças no valor de a poderiam alterar essas propriedades.
Esta seção esboçou algumas das considerações a partir das quais se torna claro que um universo antrópico é realmente um universo muito particular. É também digno de nota que, muito embora as constantes da natureza sejam restringidas por múltiplas condições, há um conjunto de valores que satisfaz a todas consistentemente, um fato em si mesmo extraordinário, no tocante à constituição do mundo.
Interpretação
Todos os cientistas concordam em que a fábrica física do universo precisou assumir uma forma muito particular para que a vida baseada em carbono fosse capaz de evoluir ao longo de sua história. O desacordo começa quando se discute qual seria a significância desse fato tão notável.
Para muitos cientistas, o ajuste-fino cósmico veio como um choque indesejado. Profissionalmente, os cientistas aspiram à generalidade, e por isso muitos se tornam excessivamente desconfiados quanto ao particular. A sua inclinação natural é acreditar que nosso universo seja simplesmente um espécime perfeitamente típico do que um cosmo deveria ser. O Princípio Antrópico mostrou que não é assim, que nosso universo é antes muito especial; um em um trilhão, por assim dizer. Reconhecer isso pareceu uma espécie de revolução anti-copernicana. Obviamente, os seres humanos não vivem no centro do cosmo, mas a estrutura física intrínseca deste mundo teve de ser restringida dentro de estreitos limites para que a evolução da vida baseada em carbono fosse viável. Alguns também temeram ter detectado uma indesejável ameaça de teísmo. Se o universo foi dotado com potencialidades finamente ajustadas, isto poderia indicar que há um divino “ajustador”.
Uma forma bastante nova de argumento do design voltava à agenda. A ideia darwiniana retirara a força do velho argumento do “design” para a existência de Deus, perseguido no passado por pessoas como John Ray e William Paley. Eles apelavam para a aptidão funcional dos seres vivos, mas o pensamento evolucionário mostrou como a paciente acumulação e peneiração de pequenas diferenças poderia levar ao aparecimento de “design” sem implicar a intervenção direta de um Designer divino. Teólogos vieram a reconhecer que o tipo antigo de teologia natural cometera o erro de pôr-se como uma rival da ciência dentro dos legítimos domínios dessa última, tentando lidar com questões tais como a da origem do sistema ótico do olho dos mamíferos, cuja resposta se encontra no âmbito da competência biológica. Esta crítica não poderia ser feita ao novo argumento, que apela para a potencialidade antrópica. A nova teologia natural buscou ser complementária em relação à ciência, ao invés de competir com ela. A sua preocupação foi com as próprias leis da natureza, algo que uma ciência honesta não pode explicar porque precisa assumir como a própria base carente de explicações de seu relato detalhado dos acontecimentos. David Hume insistiu em favor da aceitação das propriedades da matéria como um fato bruto, mas o ajuste-fino da natureza torna intelectualmente insatisfatório parar nesse ponto a busca pela compreensão. Hume criticou o velho argumento do “design” como sendo demasiadamente antropomórfico, como se a obra do Criador pudesse apropriadamente ser comparada à de carpinteiros construindo um navio. Essa crítica não se aplica aos argumentos antrópicos, desde que a dotação da matéria com potencialidades intrínsecas não tem análogo humano. Em termos das palavras hebraicas empregadas no Antigo Testamento, o ajuste-fino corresponde a “bara” (uma palavra reservada para a atividade divina), ao invés de “asah” (“criação”, usada tanto para Deus quanto para os humanos).
O primeiro passo no debate sobre a interpretação foi a distinção entre as várias formulações do Princípio Antrópico. A mais modesta delas foi o Princípio Antrópico Suave (PAS), o qual simplesmente afirmava a ideia de que o caráter do universo que observamos deve ser consistente com a nossa presença em seu interior como seus observadores. À primeira vista, pode não parecer uma afirmação muito interessante. É claro, por exemplo, que não há nada surpreendente em vermos um universo com cerca de quatorze bilhões de anos, desde que seres com o nosso grau de complexidade não tenham emergido à cena em uma época anterior. Entretanto, como vimos na seção prévia, as investigações científicas têm mostrado que condições plenamente antrópicas estão muito longe da trivialidade, pois incluem restrições tais como o estabelecimento de limites estreitos para os valores das constantes da natureza que definem próprio o tecido físico do mundo.
Algumas pessoas foram então levadas a definir um Princípio Antrópico Forte (PAF), alegando que o universo teve necessariamente que ter tais propriedades para permitir que a vida se desenvolvesse nele em algum momento. O problema com a proposta é o que poderia ser a fonte da afirmada necessidade. O PAF é uma declaração fortemente teleológica. O crente religioso ficará feliz em fundar essa necessidade na vontade do Criador, mas o “status” do PAF como uma reivindicação puramente secular é misterioso. Certamente não parece se fundar na própria ciência.
Duas outras formas de Princípio Antrópico são algumas vezes discutidas. O Princípio Antrópico Participativo (PAP) afirma que observadores são necessários para trazer o universo à existência. Certo apelo é feito aqui a uma polêmica interpretação da teoria quântica que fala em termos de uma “realidade criada pelo observador”4, mas é difícil crer que o universo não “existiu” até que os observadores tenham aparecido. Há também o Princípio Antrópico Final (PAFi), segundo o qual uma vez que o processamento inteligente de informação tenha se iniciado no universo, ele deve continuar para sempre. De novo, é difícil encontrar uma fonte secular para a alegada necessidade. PAP e PAFi parecem ainda menos satisfatórios do que PAS.
Outra linha de ataque ao raciocínio antrópico tentou atenuar a reivindicação de particularidade cósmica apontando que, na verdade, nós temos apenas um universo para estudar; mas como tirar conclusões significativas de uma amostra única? Bem, com exercícios de imaginação científica poderíamos visitar outros universos possíveis que seriam razoavelmente similares ao nosso. A consideração, na seção anterior, de mundos cujas constantes da natureza assumiriam valores diferentes daqueles do presente universo seria um exemplo. Nessa coleção nocional de mundos vizinhos, descobrimos que apenas um conjunto muito estreito poderia compartilhar da potencialidade antrópica com o nosso mundo efetivo. Com certeza isso seria suficiente para estabelecer um grau de especificidade que clama por um tipo de compreensão meta-científica da particularidade antrópica.
Outra abordagem sugeriu que de fato só poderia haver um mundo possível; um universo no qual, por necessidade, a intensidade das forças assume os valores que efetivamente observamos. Os defensores dessa visão apelaram à dificuldade encontrada pelos físicos para combinar com sucesso a relatividade geral e a teoria quântica, e sugeriram que talvez houvesse uma singular Grande Teoria Unificada (GTU) que alcançaria esse objetivo e determinaria os valores de todas as constantes da natureza. Mesmo se tal fosse possível -- e a muitos parece improvável que uma GTU venha a ser totalmente livre de parâmetros de escala -- ainda seria necessário explicar por que a relatividade e a teoria quântica deveriam ser tratadas como fatos dados. Elas certamente parecem ser necessidades antrópicas, mas de modo algum são logicamente inevitáveis. Entretanto, se realmente houver uma GTU singular, a maior de todas as coincidências antrópicas seguramente seria que essa teoria, determinada na base da consistência lógica, também se provasse a base para um mundo capaz de fazer evoluir seres aptos para compreender essa consistência.
Uma proposta mais modesta e realista sugere que algumas coincidências antrópicas sejam vistas como consequências de uma teoria mais profunda, de tal modo que o ajuste-fino se torne desnecessário. Um possível exemplo disso é o caso do delicado equilíbrio entre efeitos expansivos e contrativos no próprio universo primitivo que discutimos anteriormente. Conforme se aceita hoje, quando o universo alcançou cerca de 10-35 segundos de idade, ocorreu uma transição de fase cósmica (uma espécie de fervura do espaço) que, por um curto período, expandiu o cosmo com incrível rapidez. Este processo, denominado “inflação”, poderia ter uniformizado o universo e criado o balanceado equilíbrio entre as tendências expansivas e contrativas que observamos agora. Mas a própria inflação requereria, para atuar satisfatoriamente, que o GTU operante no universo tivesse uma forma restrita, de modo que a particularidade antrópica não fosse perdida, mas empurrada mais profundamente no tecido do mundo.
Ao invés disso poderíamos buscar um tipo de Princípio Antrópico Moderado5, que dê atenção ao caráter especial do universo e reconheça que tal não poderia ser tratado como um feliz acidente, mas como algo que clama por explicação.
Duas abordagens metacientíficas contrastantes têm sido procuradas. John Leslie, que gosta de fazer filosofia de um jeito parabólico, contou uma história que ilustra graficamente o assunto.6 Você está a ponto de ser executado e os rifles de atiradores de elite estão apontados para o seu peito. Um oficial dá a ordem para abrir fogo... E você descobre que sobreviveu! Você simplesmente sai andando e dizendo “puxa, essa foi por pouco!”? Certamente que não, porque um evento tão impressionante como esse sem dúvida exigirá uma explicação. Leslie sugere que a explicação pode tomar uma dentre duas formas. Um vasto número de execuções foi feito naquele dia e, desde que atiradores ocasionalmente erram, por puro acaso você foi sortudo o bastante para estar na execução em que todos erraram. Ou, algo mais além de sua consciência estava acontecendo naquele evento único da sua execução -- os atiradores estavam do seu lado e erraram, todos de propósito. Essa encantadora historieta traduz-se nas duas abordagens que tratam com a apropriada seriedade as questões antrópicas.
A história cósmica é um cabo-de-guerra entre as tendências opostas da contração gravitacional (no sentido de ajuntar a matéria) e a soma dos efeitos expansivos (tais como as velocidades iniciais após o Big Bang, juntamente com outros efeitos, como o valor não-zero de l). Estas duas tendências devem ser proximamente equilibradas para que o universo não colapse rapidamente em um “big crunch”, ou rapidamente se torne tão diluído a ponto de impossibilitar um processo frutífero. De fato ao realizar extrapolações de volta à era de Planck, quando o cosmos tinha apenas 10-43 segundos de idade, os cosmologistas concluem que a diferença entre as duas tendências poderia ser apenas de uma parte em 1060. Vamos retomar este ponto particular mais adiante.
Roger Penrose enfatiza que o universo parece ter começado com um nível de organização extremamente alto (baixa entropia). Acredita-se que isso esteja intimamente relacionado às propriedades termodinâmicas do universo, e até mesmo, possivelmente, à natureza do tempo. Penrose estima a probabilidade de isso acontecer por acaso de uma em 10123.
Outra necessidade antrópica é o tamanho do universo observável, com suas 1011 galáxias, cada uma com uma média de 1011 estrelas. Conquanto tal imensidão possa às vezes parecer intimidante aos habitantes do que, efetivamente, não passa de um grão de poeira cósmica, não deveríamos nos sentir mal, porque apenas um universo ao menos tão grande como o nosso poderia ter durado os quatorze bilhões de anos necessários para que seres humanos entrassem em cena. Qualquer coisa significantemente menor teria uma história breve demais para tanto.
5. Considerações Biológicas
A complexidade da biologia, em comparação com a física, torna muito mais difícil derivar restrições antrópicas diretamente de detalhes dos processos biológicos. Está claro, no entanto, que a vida depende em muitos aspectos de detalhes das propriedades da matéria neste universo3. Um simples exemplo é a anômala propriedade da água de expandir-se quando congelada, desse modo impedindo que os lagos se congelem até o fundo, o que mataria quaisquer formas de vida em seu interior. Mudanças no valor de a poderiam alterar essas propriedades.
Esta seção esboçou algumas das considerações a partir das quais se torna claro que um universo antrópico é realmente um universo muito particular. É também digno de nota que, muito embora as constantes da natureza sejam restringidas por múltiplas condições, há um conjunto de valores que satisfaz a todas consistentemente, um fato em si mesmo extraordinário, no tocante à constituição do mundo.
Interpretação
Todos os cientistas concordam em que a fábrica física do universo precisou assumir uma forma muito particular para que a vida baseada em carbono fosse capaz de evoluir ao longo de sua história. O desacordo começa quando se discute qual seria a significância desse fato tão notável.
Para muitos cientistas, o ajuste-fino cósmico veio como um choque indesejado. Profissionalmente, os cientistas aspiram à generalidade, e por isso muitos se tornam excessivamente desconfiados quanto ao particular. A sua inclinação natural é acreditar que nosso universo seja simplesmente um espécime perfeitamente típico do que um cosmo deveria ser. O Princípio Antrópico mostrou que não é assim, que nosso universo é antes muito especial; um em um trilhão, por assim dizer. Reconhecer isso pareceu uma espécie de revolução anti-copernicana. Obviamente, os seres humanos não vivem no centro do cosmo, mas a estrutura física intrínseca deste mundo teve de ser restringida dentro de estreitos limites para que a evolução da vida baseada em carbono fosse viável. Alguns também temeram ter detectado uma indesejável ameaça de teísmo. Se o universo foi dotado com potencialidades finamente ajustadas, isto poderia indicar que há um divino “ajustador”.
Uma forma bastante nova de argumento do design voltava à agenda. A ideia darwiniana retirara a força do velho argumento do “design” para a existência de Deus, perseguido no passado por pessoas como John Ray e William Paley. Eles apelavam para a aptidão funcional dos seres vivos, mas o pensamento evolucionário mostrou como a paciente acumulação e peneiração de pequenas diferenças poderia levar ao aparecimento de “design” sem implicar a intervenção direta de um Designer divino. Teólogos vieram a reconhecer que o tipo antigo de teologia natural cometera o erro de pôr-se como uma rival da ciência dentro dos legítimos domínios dessa última, tentando lidar com questões tais como a da origem do sistema ótico do olho dos mamíferos, cuja resposta se encontra no âmbito da competência biológica. Esta crítica não poderia ser feita ao novo argumento, que apela para a potencialidade antrópica. A nova teologia natural buscou ser complementária em relação à ciência, ao invés de competir com ela. A sua preocupação foi com as próprias leis da natureza, algo que uma ciência honesta não pode explicar porque precisa assumir como a própria base carente de explicações de seu relato detalhado dos acontecimentos. David Hume insistiu em favor da aceitação das propriedades da matéria como um fato bruto, mas o ajuste-fino da natureza torna intelectualmente insatisfatório parar nesse ponto a busca pela compreensão. Hume criticou o velho argumento do “design” como sendo demasiadamente antropomórfico, como se a obra do Criador pudesse apropriadamente ser comparada à de carpinteiros construindo um navio. Essa crítica não se aplica aos argumentos antrópicos, desde que a dotação da matéria com potencialidades intrínsecas não tem análogo humano. Em termos das palavras hebraicas empregadas no Antigo Testamento, o ajuste-fino corresponde a “bara” (uma palavra reservada para a atividade divina), ao invés de “asah” (“criação”, usada tanto para Deus quanto para os humanos).
O primeiro passo no debate sobre a interpretação foi a distinção entre as várias formulações do Princípio Antrópico. A mais modesta delas foi o Princípio Antrópico Suave (PAS), o qual simplesmente afirmava a ideia de que o caráter do universo que observamos deve ser consistente com a nossa presença em seu interior como seus observadores. À primeira vista, pode não parecer uma afirmação muito interessante. É claro, por exemplo, que não há nada surpreendente em vermos um universo com cerca de quatorze bilhões de anos, desde que seres com o nosso grau de complexidade não tenham emergido à cena em uma época anterior. Entretanto, como vimos na seção prévia, as investigações científicas têm mostrado que condições plenamente antrópicas estão muito longe da trivialidade, pois incluem restrições tais como o estabelecimento de limites estreitos para os valores das constantes da natureza que definem próprio o tecido físico do mundo.
Algumas pessoas foram então levadas a definir um Princípio Antrópico Forte (PAF), alegando que o universo teve necessariamente que ter tais propriedades para permitir que a vida se desenvolvesse nele em algum momento. O problema com a proposta é o que poderia ser a fonte da afirmada necessidade. O PAF é uma declaração fortemente teleológica. O crente religioso ficará feliz em fundar essa necessidade na vontade do Criador, mas o “status” do PAF como uma reivindicação puramente secular é misterioso. Certamente não parece se fundar na própria ciência.
Duas outras formas de Princípio Antrópico são algumas vezes discutidas. O Princípio Antrópico Participativo (PAP) afirma que observadores são necessários para trazer o universo à existência. Certo apelo é feito aqui a uma polêmica interpretação da teoria quântica que fala em termos de uma “realidade criada pelo observador”4, mas é difícil crer que o universo não “existiu” até que os observadores tenham aparecido. Há também o Princípio Antrópico Final (PAFi), segundo o qual uma vez que o processamento inteligente de informação tenha se iniciado no universo, ele deve continuar para sempre. De novo, é difícil encontrar uma fonte secular para a alegada necessidade. PAP e PAFi parecem ainda menos satisfatórios do que PAS.
Outra linha de ataque ao raciocínio antrópico tentou atenuar a reivindicação de particularidade cósmica apontando que, na verdade, nós temos apenas um universo para estudar; mas como tirar conclusões significativas de uma amostra única? Bem, com exercícios de imaginação científica poderíamos visitar outros universos possíveis que seriam razoavelmente similares ao nosso. A consideração, na seção anterior, de mundos cujas constantes da natureza assumiriam valores diferentes daqueles do presente universo seria um exemplo. Nessa coleção nocional de mundos vizinhos, descobrimos que apenas um conjunto muito estreito poderia compartilhar da potencialidade antrópica com o nosso mundo efetivo. Com certeza isso seria suficiente para estabelecer um grau de especificidade que clama por um tipo de compreensão meta-científica da particularidade antrópica.
Outra abordagem sugeriu que de fato só poderia haver um mundo possível; um universo no qual, por necessidade, a intensidade das forças assume os valores que efetivamente observamos. Os defensores dessa visão apelaram à dificuldade encontrada pelos físicos para combinar com sucesso a relatividade geral e a teoria quântica, e sugeriram que talvez houvesse uma singular Grande Teoria Unificada (GTU) que alcançaria esse objetivo e determinaria os valores de todas as constantes da natureza. Mesmo se tal fosse possível -- e a muitos parece improvável que uma GTU venha a ser totalmente livre de parâmetros de escala -- ainda seria necessário explicar por que a relatividade e a teoria quântica deveriam ser tratadas como fatos dados. Elas certamente parecem ser necessidades antrópicas, mas de modo algum são logicamente inevitáveis. Entretanto, se realmente houver uma GTU singular, a maior de todas as coincidências antrópicas seguramente seria que essa teoria, determinada na base da consistência lógica, também se provasse a base para um mundo capaz de fazer evoluir seres aptos para compreender essa consistência.
Uma proposta mais modesta e realista sugere que algumas coincidências antrópicas sejam vistas como consequências de uma teoria mais profunda, de tal modo que o ajuste-fino se torne desnecessário. Um possível exemplo disso é o caso do delicado equilíbrio entre efeitos expansivos e contrativos no próprio universo primitivo que discutimos anteriormente. Conforme se aceita hoje, quando o universo alcançou cerca de 10-35 segundos de idade, ocorreu uma transição de fase cósmica (uma espécie de fervura do espaço) que, por um curto período, expandiu o cosmo com incrível rapidez. Este processo, denominado “inflação”, poderia ter uniformizado o universo e criado o balanceado equilíbrio entre as tendências expansivas e contrativas que observamos agora. Mas a própria inflação requereria, para atuar satisfatoriamente, que o GTU operante no universo tivesse uma forma restrita, de modo que a particularidade antrópica não fosse perdida, mas empurrada mais profundamente no tecido do mundo.
Ao invés disso poderíamos buscar um tipo de Princípio Antrópico Moderado5, que dê atenção ao caráter especial do universo e reconheça que tal não poderia ser tratado como um feliz acidente, mas como algo que clama por explicação.
Duas abordagens metacientíficas contrastantes têm sido procuradas. John Leslie, que gosta de fazer filosofia de um jeito parabólico, contou uma história que ilustra graficamente o assunto.6 Você está a ponto de ser executado e os rifles de atiradores de elite estão apontados para o seu peito. Um oficial dá a ordem para abrir fogo... E você descobre que sobreviveu! Você simplesmente sai andando e dizendo “puxa, essa foi por pouco!”? Certamente que não, porque um evento tão impressionante como esse sem dúvida exigirá uma explicação. Leslie sugere que a explicação pode tomar uma dentre duas formas. Um vasto número de execuções foi feito naquele dia e, desde que atiradores ocasionalmente erram, por puro acaso você foi sortudo o bastante para estar na execução em que todos erraram. Ou, algo mais além de sua consciência estava acontecendo naquele evento único da sua execução -- os atiradores estavam do seu lado e erraram, todos de propósito. Essa encantadora historieta traduz-se nas duas abordagens que tratam com a apropriada seriedade as questões antrópicas.
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