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Prateleira

O pavio já está aceso?

O cuidado com o meio ambiente é responsabilidade de todo cristão e faz parte da nossa missão integral. Engajado nesse compromisso, ultimatoonline publica com exclusividade o ESPECIAL MEIO AMBIENTE, com os artigos O poder tóxico da desigualdade, Fé cristã e meio ambiente e O pavio já está aceso?


Os profetas do fim do mundo neste início de século não são mais os religiosos que citavam a Bíblia a torto e a direito. Há uma quantidade razoável de pensadores e cientistas preocupados com a sorte do planeta e da civilização atual. Eles não citam datas, mas também não distanciam demais certos eventos que estariam a caminho e não demorariam muito a chegar. Há cientistas de vulto que estão tentando chamar “a atenção da humanidade para o perigo real e cada vez mais imediato” de autodestruição do planeta. 


Devastação ecológica
Numa série de artigos publicados no Jornal do Brasil há quatro anos, o teólogo Leonardo Boff afirmou que “estamos no olho de uma crise civilizacional sem precedentes na história”. Para ele, a crise é global, estrutural e terminal. Somos como o Titanic em rota de colisão com o enorme iceberg do consumismo e da depredação da natureza. “Os seres humanos são induzidos a consumir mais e mais e a universalizar o consumo, o mais que possam”. Se normalmente desaparecem, no processo normal de evolução, 300 espécies de seres vivos por ano, atualmente, acrescenta Boff, “devido à voracidade consumista, desaparecem mais de 3 mil espécies”. Outra pessoa que relaciona o consumismo com a desgraça por vir é o professor Terry Eagleton, da Universidade de Manchester, no Reino Unido: “O Ocidente vive um mito faustiano de ganância perpétua, que nunca se contenta, e isso certamente nos levará à autodestruição”.

Desastres naturais
De dezembro de 2004 a outubro do ano seguinte, o planeta experimentou uma série de desastres naturais sem precedentes nos últimos 150 anos. Começou com o tsunami (26 de dezembro), que fez cerca de 230 mil vítimas, entre mortos e desaparecidos. A seguir, vieram os furacões Katrina (em agosto) e Wilma (em outubro) e o terremoto que atingiu o Paquistão e a Índia (8 de outubro), que matou 80 mil pessoas. Não contando com o aguaceiro que se abateu sobre a Índia (28 de julho), quando choveu num único dia o que chove normalmente no ano inteiro, provocando a morte de cerca de mil pessoas. Ninguém pode garantir que outras catástrofes não acontecerão em 2006 e nos anos seguintes. Ao contrário, Jan Egeland, subsecretário da ONU para Questões Humanitárias, avisa que “não há tempo a perder, 2005 pode ter sido o prenúncio”. Estamos todos expostos “às ameaças de hoje — pandemias, pobreza e fome arraigadas, ideologias radicais, conflitos, migração em massa e desastres climáticos”. Egeland diz que “temos de esperar o melhor, mas nos preparar para o pior”. Barry Hirschorn, do Centro de Alerta de Tsunami no Pacífico, faz coro com a preocupação de Egeland: “A questão não é se vai acontecer [um novo tsunami], mas quando”.

Pandemias
Os cientistas dizem que pelo fato de sermos muitos (mais de 6 bilhões de habitantes), por vivermos juntos demais (há 25 aglomerados com mais de 10 milhões de pessoas), por estarmos a maior parte do tempo em ambientes fechados (chamados de paraísos dos micróbios) e por viajarmos muito mais e com muita facilidade e velocidade (cerca de 700 mihões de pessoas transitam pelos ares mensalmente) — o risco de uma epidemia ou pandemia é muito grande. O desequilíbrio ecológico e o aquecimento global favorecem a proliferação dos agentes causadores de doenças. Providências estão sendo tomadas para fazer frente a esses riscos. Se há menos de cem anos a gripe espanhola matou 50 milhões de pessoas ao redor do mundo e se no século 14 a peste negra (uma forma de peste bubônica) acabou com um terço da população européia — por que outra ou outras epidemias não poderiam sobrevir à espécie humana? Já há nomes novos e assustadores no linguajar dos cientistas e do povo, como o vírus da aids (HIV), da SARS, o ebola e, o mais recente, o vírus causador da gripe do frango. O infectologista Luiz Jacinto da Silva, da Universidade Estadual de Campinas, chega a dizer que “atualmente a Terra é um caldeirão de infecções”.

A destruição vinda do céu
O avanço da ciência é tal que é possível marcar com antecedência de trinta anos o ano e o local do esbarrão do asteróide Apophis no planeta. Deverá acontecer nas proximidades de Sydney, na Austrália, em 2030. É um asteróide pequeno, de 390 metros de diâmetro, capaz de liberar uma energia de 850 megatons, 57 mil vezes maior do que a bomba nuclear que arrasou a cidade japonesa de Hiroshima. Mesmo assim, o planeta como um todo não corre perigo. Todavia, a previsão faz lembrar o asteróide incomparavelmente maior (10 quilômetros de diâmetro) que teria destruído tudo o que havia no planeta há milhões de anos, segundo os cientistas. (O segundo versículo da Bíblia — “Era a terra sem forma e vazia” — poderia se referir a esse evento?)

A guerra contra o terrorismo
O filósofo Richard Rorty, professor na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, no artigo intitulado Entre quatro paredes, publicado no caderno “Mais!” da Folha de São Paulo (04/04/2004, p. 10), confessa que “a suspeita amplamente compartilhada de que a guerra contra o terrorismo é potencialmente mais perigosa do que o terrorismo em si me parece totalmente justificada”. O pensador americano não esconde sua preocupação com as mais de 700 bases de apoio militar americanas pelo planeta afora. Teme também que os exércitos e os burocratas responsáveis pela segurança nacional em todos os países-membros da União Européia venham a dispor subitamente de poderes jamais vistos. Se ocorrerem mais atentados terroristas, “essas elites provavelmente acabarão acreditando que, para salvar a democracia, é preciso primeiro destruí-la”.

A tese do professor americano é a mesma do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra: “É multissecular a tradição do Ocidente de violar os direitos humanos sob o pretexto de os defender, de cometer os mais grosseiros atropelos à democracia para impor a democracia”. A indagação que Boaventura faz é provocante: “Poderá eliminar-se o terrorismo sem eliminar o terrorismo do Estado?” (Folha de São Paulo, 06/01/2006, p. A-3.) A questão é bastante complicada porque formou-se um círculo vicioso de difícil solução: um poder empurra o outro.

É como explica Terry Eagleton, autor de Ideologia da Estética (Jorge Zahar) e Depois da Teoria (Civilização Brasileira), numa entrevista concedida de Manchester à Folha de São Paulo no início de janeiro: “O terrorismo força os Estados Unidos a adotar medidas enérgicas para assegurar seu poder global e segurança nacional”. Mas a repressão, acrescenta Eagleton, “não é a melhor ferramenta para derrotar o terrorismo, ela só o agrava”. É uma guerra de fundamentalismos: o fundamentalismo americano (também chamado texano) e o fundamentalismo terrorista (também chamado de Taleban). Quando se trata de posições fundamentalistas há pouca esperança, porque o fundamentalismo de um e do outro, acrescenta o professor de teologia cultural, “não difere muito em essência, no sentido de que ambos negam a existência de outro e tentam impor sua forma totalitária de ver” (Folha de São Paulo, “Mais!”, 08/01/2006, p. 4). O terrorismo apela para o atentado suicida como recurso de quem está no lado mais fraco. O sociólogo Diego Gambetta, professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido, especialista no assunto, assegura que “as missões suicidas são a artilharia do homem pobre” (Idem, p. 6).

Guerra nuclear
O medo de uma guerra nuclear pode ter sido bem maior alguns anos atrás, mas ainda existe. Para o americano Noam Chomsky, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), um dos mais influentes pensadores do século 20, “há duas grandes ameças às espécies no mundo hoje e estão longe de ser brincadeira. Uma delas é a guerra nuclear e a outra é a catástrofe do meio ambiente”. Chomsky explica que o perigo existe e é cada vez maior por causa da política externa norte-americana. As pessoas à volta de George Bush “estão forçando os concorrentes — Rússia, China e, agora, o Irã — a expandir suas capacidades militares”. Isso significa, conclui o professor, “colocar seus mísseis nucleares prontos para serem lançados a qualquer momento”. Chomsky não teme em dizer que elas “formam a mais perigosa administração da história americana” e “estão levando o mundo à destruição” (Jornal do Brasil, 08/01/2006, p. A-14). 

Nota:
Artigo publicado na edição 299 (Março-Abril 2006) de Ultimato. Assine e receba Ultimato até 2008.


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