Opinião
- 22 de julho de 2021
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O pastor incidental
Por Luiz Fernando dos Santos
“Darei a vocês pastores segundo o meu coração, que os apascentem com conhecimento e com inteligência” (Jeremias 3.15).
“E ninguém toma esta honra para si mesmo, a não ser quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão” (Hebreus 5.4).
Em minhas últimas pastorais escrevi sobre a igreja, o momento difícil pelo qual passamos, a confusão de papéis que anda desempenhando para justificar a sua existência e com isso, uma busca quase insana por relevância. Também escrevi sobre a crise de identificação com a igreja local, o baixíssimo grau de apreço que muitos cristãos têm nutrido pela comunidade dos discípulos de Jesus em seus corações.
Não penso apenas nos intencionalmente ‘desigrejados’, mas naqueles que nunca tendo formalmente rompido com a igreja, não sentem nenhum afeto mais significativo por ela e nem mesmo sentem a sua falta ou pensam que ela possua, no fim das contas alguma utilidade para sua vida. Não tenho dúvidas que esses e outros males que se abatem sobre a igreja, têm muito a ver com um tipo de pastor que tem surgido ultimamente.
O pastor incidental. O que isso significa na prática? É o cristão que se torna pastor ‘sem querer’, faz do pastorado uma espécie de atividade secundária (não estou afirmando que haja dolo ou que o sujeito não se sinta moral e psicologicamente pastor). Dedica-se com muito mais afinco a outras áreas nobres da vida, como o direito, a medicina, a psicologia, o ensino acadêmico, e mantém, sabe-se lá exatamente o porquê, o status de ministro (se é que se pode dizer isso). Embora, em nosso caso de presbiterianos não exista nada em nossa Constituição que impeça que isso aconteça e claro, muitos apelam para o fato de Paulo ter passado um tempo da sua vida como “fazedor de tendas”, isso não quer dizer que na prática, na dinâmica da vida eclesial, não exista prejuízo no cumprimento ou na solicitude para com os deveres pastorais.
Não estou afirmando que seja inoportuno ou dispensável uma formação além da teológica para o pastorado. Absolutamente. Toda aquisição de saber é bem-vinda e útil para o exercício do pastorado e para a própria formação humana do pastor, em primeiro lugar. Mas, igrejas incidentalmente pastoreadas, com o passar do tempo, costumam tornarem-se comunidades amorfas, tíbias, tímidas e ‘domingueiras’.
Entretanto, muitas vezes ouvi ministros que possuem outras formações e ocupações, repito, nobres, admiráveis e que as exercem com excelência, afirmarem que não têm tempo para preparar estudos para a escola dominical ou dedicar-se com mais profundidade na preparação de mensagens. Preste a atenção que aqui não estou nem elencando a cura pastoral, como visitas, aconselhamentos, ofícios fúnebres, acompanhamento do luto etc. Mas, ministros assim, ainda podem e geralmente têm contribuído significativamente para o crescimento intelectual dos crentes e produzido consistentes ensaios e subsídios para a reflexão da igreja.
Todavia, há um outro tipo de pastor incidental; esse sim, contribui decisivamente para a ‘desidratação da igreja’ ou a sua ‘desclesiologização’. São aqueles ministros que já não sabem mais o por que são pastores, porque continuam no ministério. Por algum motivo, perderam o senso solene de sua vocação, coisificaram o pastorado transformando-o num mero prestador de serviços religiosos. Pastores assim, de um modo que não sei explicar, ‘acostumaram-se’ ao sagrado, perderam o senso de transcendência e já não sentem mais o peso de glória, isto é, já não mais sentem que estão envolvidos em uma obra gloriosa que a muito transcende a sua pessoa. Esses tais, quando encontram testemunhos como este: “Não trocaria a minha vida por qualquer das maiores dignidades da terra. Estou contente em consumir meu corpo, sacrificar e gastar para o serviço de Deus tudo o que tenho, bem como em gastar a mim mesmo em favor da alma dos homens” (Richard Baxter), são pródigos em dizer que essa fala pertence a um outro mundo, uma outra época e que essas coisas não se aplicam mais ao mundo contemporâneo e ao ministério atual.
Entretanto, esquecem que o Pastor dos Pastores, Jesus, fez exatamente isso que Baxter buscava. Jesus é nosso modelo. Mas, Paulo, Pedro, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Atanásio, Gregório o Grande, Agostinho, Lutero, Calvino, Bucer, Spurgeon, Lloyd-Jones, para não me alongar muito, não imitaram, segundo a medida da graça e de suas forças, também aqui o Bom Pastor?
Pastores incidentais sacrificam os essenciais do ministério no altar da relevância, por isso, muitas comunidades se parecem cada vez mais com uma ONG e cada vez menos com a igreja dos adoradores de Deus. A igreja sempre contará com todos, mas sempre carecerá de pastores dedicados, zelosos, solícitos, presentes e que sejam a todo o tempo, intencionalmente pastores. Não obstante poder e dever versar e conversar sobretudo e qualquer coisa, os crentes e os pecadores sempre encontrarão em seus lábios e em seu coração o evangelho. E, o que é mais importante em todo ministério, que o pastor intencionalmente queira ser semelhante a Jesus, o único e verdadeiro pastor da Igreja.
• Reverendo Luiz Fernando é pastor na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
Conheça o livro Tornando-se um Pastor Teólogo, da Editora Ultimato.
Leia mais:
» Conselhos de um pastor no meio do caminho
» 7 desafios para a igreja e os pastores na pandemia
“Darei a vocês pastores segundo o meu coração, que os apascentem com conhecimento e com inteligência” (Jeremias 3.15).
“E ninguém toma esta honra para si mesmo, a não ser quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão” (Hebreus 5.4).
Em minhas últimas pastorais escrevi sobre a igreja, o momento difícil pelo qual passamos, a confusão de papéis que anda desempenhando para justificar a sua existência e com isso, uma busca quase insana por relevância. Também escrevi sobre a crise de identificação com a igreja local, o baixíssimo grau de apreço que muitos cristãos têm nutrido pela comunidade dos discípulos de Jesus em seus corações.
Não penso apenas nos intencionalmente ‘desigrejados’, mas naqueles que nunca tendo formalmente rompido com a igreja, não sentem nenhum afeto mais significativo por ela e nem mesmo sentem a sua falta ou pensam que ela possua, no fim das contas alguma utilidade para sua vida. Não tenho dúvidas que esses e outros males que se abatem sobre a igreja, têm muito a ver com um tipo de pastor que tem surgido ultimamente.
O pastor incidental. O que isso significa na prática? É o cristão que se torna pastor ‘sem querer’, faz do pastorado uma espécie de atividade secundária (não estou afirmando que haja dolo ou que o sujeito não se sinta moral e psicologicamente pastor). Dedica-se com muito mais afinco a outras áreas nobres da vida, como o direito, a medicina, a psicologia, o ensino acadêmico, e mantém, sabe-se lá exatamente o porquê, o status de ministro (se é que se pode dizer isso). Embora, em nosso caso de presbiterianos não exista nada em nossa Constituição que impeça que isso aconteça e claro, muitos apelam para o fato de Paulo ter passado um tempo da sua vida como “fazedor de tendas”, isso não quer dizer que na prática, na dinâmica da vida eclesial, não exista prejuízo no cumprimento ou na solicitude para com os deveres pastorais.
Não estou afirmando que seja inoportuno ou dispensável uma formação além da teológica para o pastorado. Absolutamente. Toda aquisição de saber é bem-vinda e útil para o exercício do pastorado e para a própria formação humana do pastor, em primeiro lugar. Mas, igrejas incidentalmente pastoreadas, com o passar do tempo, costumam tornarem-se comunidades amorfas, tíbias, tímidas e ‘domingueiras’.
Entretanto, muitas vezes ouvi ministros que possuem outras formações e ocupações, repito, nobres, admiráveis e que as exercem com excelência, afirmarem que não têm tempo para preparar estudos para a escola dominical ou dedicar-se com mais profundidade na preparação de mensagens. Preste a atenção que aqui não estou nem elencando a cura pastoral, como visitas, aconselhamentos, ofícios fúnebres, acompanhamento do luto etc. Mas, ministros assim, ainda podem e geralmente têm contribuído significativamente para o crescimento intelectual dos crentes e produzido consistentes ensaios e subsídios para a reflexão da igreja.
Todavia, há um outro tipo de pastor incidental; esse sim, contribui decisivamente para a ‘desidratação da igreja’ ou a sua ‘desclesiologização’. São aqueles ministros que já não sabem mais o por que são pastores, porque continuam no ministério. Por algum motivo, perderam o senso solene de sua vocação, coisificaram o pastorado transformando-o num mero prestador de serviços religiosos. Pastores assim, de um modo que não sei explicar, ‘acostumaram-se’ ao sagrado, perderam o senso de transcendência e já não sentem mais o peso de glória, isto é, já não mais sentem que estão envolvidos em uma obra gloriosa que a muito transcende a sua pessoa. Esses tais, quando encontram testemunhos como este: “Não trocaria a minha vida por qualquer das maiores dignidades da terra. Estou contente em consumir meu corpo, sacrificar e gastar para o serviço de Deus tudo o que tenho, bem como em gastar a mim mesmo em favor da alma dos homens” (Richard Baxter), são pródigos em dizer que essa fala pertence a um outro mundo, uma outra época e que essas coisas não se aplicam mais ao mundo contemporâneo e ao ministério atual.
Entretanto, esquecem que o Pastor dos Pastores, Jesus, fez exatamente isso que Baxter buscava. Jesus é nosso modelo. Mas, Paulo, Pedro, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Atanásio, Gregório o Grande, Agostinho, Lutero, Calvino, Bucer, Spurgeon, Lloyd-Jones, para não me alongar muito, não imitaram, segundo a medida da graça e de suas forças, também aqui o Bom Pastor?
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Os que perdem essa dimensão gloriosa do trabalho pastoral, se tornam frios em suas devocionais, indiferentes em suas orações, apáticos ou iracundos em suas pregações e costumam exercer o ministério sem zelo e sem a irrenunciável cota de renúncia que todo pastor deve fazer. Pastores incidentais são focalizados em si mesmos, não sabem lidar com a crítica, não valorizam e nem sempre respeitam as demais autoridades e servidores da comunidade.
***
Os que perdem essa dimensão gloriosa do trabalho pastoral, se tornam frios em suas devocionais, indiferentes em suas orações, apáticos ou iracundos em suas pregações e costumam exercer o ministério sem zelo e sem a irrenunciável cota de renúncia que todo pastor deve fazer. Pastores incidentais são focalizados em si mesmos, não sabem lidar com a crítica, não valorizam e nem sempre respeitam as demais autoridades e servidores da comunidade.
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Pastores incidentais sacrificam os essenciais do ministério no altar da relevância, por isso, muitas comunidades se parecem cada vez mais com uma ONG e cada vez menos com a igreja dos adoradores de Deus. A igreja sempre contará com todos, mas sempre carecerá de pastores dedicados, zelosos, solícitos, presentes e que sejam a todo o tempo, intencionalmente pastores. Não obstante poder e dever versar e conversar sobretudo e qualquer coisa, os crentes e os pecadores sempre encontrarão em seus lábios e em seu coração o evangelho. E, o que é mais importante em todo ministério, que o pastor intencionalmente queira ser semelhante a Jesus, o único e verdadeiro pastor da Igreja.
• Reverendo Luiz Fernando é pastor na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
Conheça o livro Tornando-se um Pastor Teólogo, da Editora Ultimato.
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