Opinião
- 18 de outubro de 2021
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O mundo “pós-covid” pode não existir. E a igreja?
Por Christopher Wright
A Igreja em um mundo pós-covid... Pode nunca haver um “mundo pós-covid”, uma vez que esta provavelmente se tornará uma doença viral endêmica com a qual teremos que conviver por muito tempo, em vez de sermos capazes de erradicá-la logo. E, mesmo que a Covid-19 esteja sob controle, a visão científica predominante é a de que pandemias zoonóticas comparáveis, em que os vírus saltam de animais para humanos, são quase certas de ocorrer com maior frequência. Esse será o impacto de longo prazo da loucura e da destrutividade humanas. O mundo se tornará cada vez mais inseguro à medida que colhermos as consequências de nossa própria loucura idólatra de muitas décadas. Não há “de volta ao normal”.
E a Igreja?
A resposta de fé e esperança
Antes de pensarmos sobre o que a Igreja pode fazer em resposta, vamos primeiro lembrar o que a Igreja é. A Igreja é o povo de Deus desde o livro de Gênesis – a semente de Abraão com a qual Deus se comprometeu em juramento de aliança e fidelidade. O povo de Deus existe por causa do propósito eterno de Deus de trazer bênçãos a todas as nações e de reconciliar consigo toda a criação – e essa missão de Deus não será derrotada. Nisso está a nossa segurança.
Para Israel, no Antigo Testamento, era essa a confiança inabalável na fidelidade de Deus – mesmo em meio a circunstâncias que pareciam negá-la. Daí a grande afirmação e o clamor em Habacuque 2.4: “O justo viverá pela fé”, e não apenas para a salvação em si, mas por toda a vida – em fidelidade e confiança na soberania de Deus, mesmo em um mundo cheio de assírios e babilônios, ou vírus.
Uma pandemia não pode eliminar o povo de Deus – não mais do que todos os inimigos humanos ao longo da história. Isso não significa ignorar ou minimizar o sofrimento, a devastação e a morte que a pandemia está causando em muitas igrejas, a inúmeros cristãos entre as comunidades mais pobres e vulneráveis, em seminários e hospitais e em todas as instituições e agências de missão cristãs. Mas esse é exatamente um dos tipos de ameaça que Paulo nos garante que não pode separar-nos do amor de Deus em Cristo Jesus. Afinal, o Senhor conhece aqueles que são seus. A Igreja pertence a Deus, e Cristo continuará a edificá-la até que ele retorne, quando ela se tornará a nova criação. Essa é a nossa esperança bíblica – e não um mero otimismo raso ou chavões de “recuperação”.
A resposta do amor prático
A Igreja sempre respondeu às catástrofes da história com uma combinação de amor prático e ação, o que prova ser frutífero fazer missões na soberania de Deus. Isso tem acontecido ao longo dos séculos, em tempos de peste, desordem social, colapso do Império Romano. Na verdade, sabe-se que um dos fatores do crescimento do cristianismo no Império Romano foi o modo como os cristãos surpreenderam seus vizinhos ficando nas cidades em tempos de peste, quando os ricos fugiram para as montanhas, para cuidar dos enfermos, mesmo à custa de sua própria vida.
Também houve respostas cristãs recentes a furacões nas Filipinas, a tsunamis e terremotos no Japão e ao deslocamento massivo de refugiados sírios no Líbano. E a pandemia de Covid vem gerando a mesma resposta em alguns lugares – como os cristãos que ajudaram os trabalhadores migrantes que fugiam das cidades da Índia durante a primeira onda e as igrejas no Reino Unido que estão na vanguarda no fornecimento de bancos de alimentos e no suprimento de outras necessidades práticas dos mais pobres e dos mais prejudicados pelos lockdowns.
O que as igrejas precisam não é de mais cursos sobre teologia de missão integral. O que elas necessitam é agir de acordo com o que são chamadas a ser: comunidades de amor, formadas por seguidores de Cristo que seguem o modelo de Jesus e seus mandamentos, os quais obviamente são apenas uma ampliação do mandamento revelado no Antigo Testamento para amar o próximo e o estrangeiro como a si mesmo.
A resposta de dizer a verdade profética
A Igreja precisa ter uma voz profética também, o que significa falar a verdade e expor a idolatria e o mal que contribuíram para este desastre – que não é um “desastre natural”, pois tem causas humanas, tal como as mudanças climáticas. Esse é o resultado e o custo de o povo "ir atrás de outros deuses" – os deuses da ganância e do consumismo; os deuses da arrogância humana e da insensibilidade destrutiva em relação à ordem natural (especialmente a devastação de florestas e a invasão de habitats de animais e de criaturas selvagens) por comida e tráfico. Ignoramos a sabedoria de Deus nas Escrituras e pagamos o preço disto. Como é dito em Provérbios 1.32 (NTLH), “Os tolos morrem porque rejeitam a sabedoria”.
A resposta da sabedoria pastoral
A Igreja precisa superar o tribalismo que está dividindo os cristãos em alguns lugares em torno de coisas como vacinas, máscaras etc. Há uma resposta pastoral que deve ser baseada na verdade – incluindo a verdade que Deus nos dá por meio da ciência e da medicina, que fluem da graça comum de Deus, da sabedoria criativa e da imagem de Deus na humanidade.
Encoraje as pessoas a perceberem que a ciência e os medicamentos são parte das boas dádivas de Deus para a humanidade por intermédio de homens e de mulheres feitos à sua imagem e semelhança e da operação da sua graça comum. Rejeitá-los ou desprezá-los, com base em teorias da conspiração e falsos rumores, é rejeitar as dádivas de Deus para nosso próprio bem e o de outros.
As igrejas precisam de sabedoria pastoral e de liderança neste sentido – sobretudo em partes do mundo onde toda a resposta à pandemia tem sido cruel e perigosamente politizada e polarizada, contribuindo para a perda de muitas vidas.
A resposta da testemunha confiante
A Igreja precisa continuar pondo sua confiança no evangelho, porque conhecemos a história em que vivemos – a história que incorpora esperança (que não é o mesmo que otimismo); a esperança bíblica da ressurreição e da nova criação.
Em uma época em que a morte parece reinar, a oportunidade de proclamarmos a vitória de Cristo sobre a morte mostra-se urgente para nós – de todas as formas e por todos os meios de comunicação possíveis – e deve ser compartilhada com confiança e sensibilidade pastoral.
Mas é óbvio que essa afirmação das boas novas da vida eterna – vida que transcende a devastação de uma pandemia; vida que supera o aparente “reinado da morte” – também deve incluir um chamado ao arrependimento.
Aqui precisamos ter cuidado. Dizer que devemos arrepender-nos não é a mesma coisa que dizer que a Covid é o julgamento de Deus sobre aqueles que estão sofrendo e morrendo.
Podemos muito bem ver isso como um fator no julgamento de Deus sobre a raça humana como um todo, pela ordem criada. Mas a Bíblia nos avisa para não invertermos a lógica de que o pecado traz sofrimento, para sugerirmos que todo e qualquer sofrimento é o resultado direto do pecado (Jó nos mostra que pode não ser bem assim).
Jesus foi muito claro, em Lucas 13, ao dizer que aqueles que morreram nas mãos dos soldados romanos e aqueles que morreram quando uma torre em construção desabou acidentalmente sobre eles não eram pecadores piores do que o restante de nós. Eles não estavam sofrendo pessoalmente o julgamento de Deus por seus pecados. No entanto, Jesus disse que tais eventos são um aviso para nós sobre a fugacidade da vida humana; portanto, apontam para a necessidade de arrependimento agora. Se não agora, então quando?
“Se não agora, então quando?” Essas são as palavras repetidas continuamente em um sermão pregado por Alexander Nowell, deão da Catedral de São Paulo, em 1563, quando uma peste atingiu Londres, levando à morte um quarto da população.
“Se não agora, então quando?” O deão Alexander continuou perguntando isso, em meio a algo parecido com a pandemia que estamos enfrentando.
Vejamos um trecho desse sermão:
Portanto, vamos aprender por meio desta aflição a chorar por causa dos nossos pecados, a odiar e abandonar nossos pecados […] Pois, quando devemos chorar por nossos pecados, se não agora, neste tempo de luto? Quando devemos abandonar o pecado em nossa vida, se não agora, quando a vida está nos abandonando? Quando devemos socorrer os pobres em suas necessidades, se não agora, quando entendemos que esta vida é como um vapor, como uma bolha subindo na água? Se não agora, no passar e desaparecer dela?
Igualmente, devemos perguntar: quando a Igreja cristã deve compartilhar as boas novas da vida eterna, se não agora, quando tantos são confrontados com a realidade da morte neste mundo?
Esta não é a nossa única resposta – como acabamos de ver –, mas está no coração e no centro de todas as outras respostas – práticas, proféticas e pastorais – que damos em fé e esperança.
-----------
Trecho publicado originalmente em A Igreja do Futuro e o Futuro da Igreja.
Christopher J. H. Wright é diretor internacional do Langham Partnership International. Foi reitor da All Nations Christian College e professor do Union Biblical Seminary, em Pune, Índia. É autor de vários livros, entre os quais O Deus que eu Não Entendo e A Igreja do Futuro e o Futuro da Igreja.
A Igreja em um mundo pós-covid... Pode nunca haver um “mundo pós-covid”, uma vez que esta provavelmente se tornará uma doença viral endêmica com a qual teremos que conviver por muito tempo, em vez de sermos capazes de erradicá-la logo. E, mesmo que a Covid-19 esteja sob controle, a visão científica predominante é a de que pandemias zoonóticas comparáveis, em que os vírus saltam de animais para humanos, são quase certas de ocorrer com maior frequência. Esse será o impacto de longo prazo da loucura e da destrutividade humanas. O mundo se tornará cada vez mais inseguro à medida que colhermos as consequências de nossa própria loucura idólatra de muitas décadas. Não há “de volta ao normal”.
E a Igreja?
A resposta de fé e esperança
Antes de pensarmos sobre o que a Igreja pode fazer em resposta, vamos primeiro lembrar o que a Igreja é. A Igreja é o povo de Deus desde o livro de Gênesis – a semente de Abraão com a qual Deus se comprometeu em juramento de aliança e fidelidade. O povo de Deus existe por causa do propósito eterno de Deus de trazer bênçãos a todas as nações e de reconciliar consigo toda a criação – e essa missão de Deus não será derrotada. Nisso está a nossa segurança.
Para Israel, no Antigo Testamento, era essa a confiança inabalável na fidelidade de Deus – mesmo em meio a circunstâncias que pareciam negá-la. Daí a grande afirmação e o clamor em Habacuque 2.4: “O justo viverá pela fé”, e não apenas para a salvação em si, mas por toda a vida – em fidelidade e confiança na soberania de Deus, mesmo em um mundo cheio de assírios e babilônios, ou vírus.
Uma pandemia não pode eliminar o povo de Deus – não mais do que todos os inimigos humanos ao longo da história. Isso não significa ignorar ou minimizar o sofrimento, a devastação e a morte que a pandemia está causando em muitas igrejas, a inúmeros cristãos entre as comunidades mais pobres e vulneráveis, em seminários e hospitais e em todas as instituições e agências de missão cristãs. Mas esse é exatamente um dos tipos de ameaça que Paulo nos garante que não pode separar-nos do amor de Deus em Cristo Jesus. Afinal, o Senhor conhece aqueles que são seus. A Igreja pertence a Deus, e Cristo continuará a edificá-la até que ele retorne, quando ela se tornará a nova criação. Essa é a nossa esperança bíblica – e não um mero otimismo raso ou chavões de “recuperação”.
A resposta do amor prático
A Igreja sempre respondeu às catástrofes da história com uma combinação de amor prático e ação, o que prova ser frutífero fazer missões na soberania de Deus. Isso tem acontecido ao longo dos séculos, em tempos de peste, desordem social, colapso do Império Romano. Na verdade, sabe-se que um dos fatores do crescimento do cristianismo no Império Romano foi o modo como os cristãos surpreenderam seus vizinhos ficando nas cidades em tempos de peste, quando os ricos fugiram para as montanhas, para cuidar dos enfermos, mesmo à custa de sua própria vida.
Também houve respostas cristãs recentes a furacões nas Filipinas, a tsunamis e terremotos no Japão e ao deslocamento massivo de refugiados sírios no Líbano. E a pandemia de Covid vem gerando a mesma resposta em alguns lugares – como os cristãos que ajudaram os trabalhadores migrantes que fugiam das cidades da Índia durante a primeira onda e as igrejas no Reino Unido que estão na vanguarda no fornecimento de bancos de alimentos e no suprimento de outras necessidades práticas dos mais pobres e dos mais prejudicados pelos lockdowns.
O que as igrejas precisam não é de mais cursos sobre teologia de missão integral. O que elas necessitam é agir de acordo com o que são chamadas a ser: comunidades de amor, formadas por seguidores de Cristo que seguem o modelo de Jesus e seus mandamentos, os quais obviamente são apenas uma ampliação do mandamento revelado no Antigo Testamento para amar o próximo e o estrangeiro como a si mesmo.
A resposta de dizer a verdade profética
A Igreja precisa ter uma voz profética também, o que significa falar a verdade e expor a idolatria e o mal que contribuíram para este desastre – que não é um “desastre natural”, pois tem causas humanas, tal como as mudanças climáticas. Esse é o resultado e o custo de o povo "ir atrás de outros deuses" – os deuses da ganância e do consumismo; os deuses da arrogância humana e da insensibilidade destrutiva em relação à ordem natural (especialmente a devastação de florestas e a invasão de habitats de animais e de criaturas selvagens) por comida e tráfico. Ignoramos a sabedoria de Deus nas Escrituras e pagamos o preço disto. Como é dito em Provérbios 1.32 (NTLH), “Os tolos morrem porque rejeitam a sabedoria”.
A resposta da sabedoria pastoral
A Igreja precisa superar o tribalismo que está dividindo os cristãos em alguns lugares em torno de coisas como vacinas, máscaras etc. Há uma resposta pastoral que deve ser baseada na verdade – incluindo a verdade que Deus nos dá por meio da ciência e da medicina, que fluem da graça comum de Deus, da sabedoria criativa e da imagem de Deus na humanidade.
Encoraje as pessoas a perceberem que a ciência e os medicamentos são parte das boas dádivas de Deus para a humanidade por intermédio de homens e de mulheres feitos à sua imagem e semelhança e da operação da sua graça comum. Rejeitá-los ou desprezá-los, com base em teorias da conspiração e falsos rumores, é rejeitar as dádivas de Deus para nosso próprio bem e o de outros.
As igrejas precisam de sabedoria pastoral e de liderança neste sentido – sobretudo em partes do mundo onde toda a resposta à pandemia tem sido cruel e perigosamente politizada e polarizada, contribuindo para a perda de muitas vidas.
A resposta da testemunha confiante
A Igreja precisa continuar pondo sua confiança no evangelho, porque conhecemos a história em que vivemos – a história que incorpora esperança (que não é o mesmo que otimismo); a esperança bíblica da ressurreição e da nova criação.
Em uma época em que a morte parece reinar, a oportunidade de proclamarmos a vitória de Cristo sobre a morte mostra-se urgente para nós – de todas as formas e por todos os meios de comunicação possíveis – e deve ser compartilhada com confiança e sensibilidade pastoral.
Mas é óbvio que essa afirmação das boas novas da vida eterna – vida que transcende a devastação de uma pandemia; vida que supera o aparente “reinado da morte” – também deve incluir um chamado ao arrependimento.
Aqui precisamos ter cuidado. Dizer que devemos arrepender-nos não é a mesma coisa que dizer que a Covid é o julgamento de Deus sobre aqueles que estão sofrendo e morrendo.
Podemos muito bem ver isso como um fator no julgamento de Deus sobre a raça humana como um todo, pela ordem criada. Mas a Bíblia nos avisa para não invertermos a lógica de que o pecado traz sofrimento, para sugerirmos que todo e qualquer sofrimento é o resultado direto do pecado (Jó nos mostra que pode não ser bem assim).
Jesus foi muito claro, em Lucas 13, ao dizer que aqueles que morreram nas mãos dos soldados romanos e aqueles que morreram quando uma torre em construção desabou acidentalmente sobre eles não eram pecadores piores do que o restante de nós. Eles não estavam sofrendo pessoalmente o julgamento de Deus por seus pecados. No entanto, Jesus disse que tais eventos são um aviso para nós sobre a fugacidade da vida humana; portanto, apontam para a necessidade de arrependimento agora. Se não agora, então quando?
“Se não agora, então quando?” Essas são as palavras repetidas continuamente em um sermão pregado por Alexander Nowell, deão da Catedral de São Paulo, em 1563, quando uma peste atingiu Londres, levando à morte um quarto da população.
“Se não agora, então quando?” O deão Alexander continuou perguntando isso, em meio a algo parecido com a pandemia que estamos enfrentando.
Vejamos um trecho desse sermão:
Portanto, vamos aprender por meio desta aflição a chorar por causa dos nossos pecados, a odiar e abandonar nossos pecados […] Pois, quando devemos chorar por nossos pecados, se não agora, neste tempo de luto? Quando devemos abandonar o pecado em nossa vida, se não agora, quando a vida está nos abandonando? Quando devemos socorrer os pobres em suas necessidades, se não agora, quando entendemos que esta vida é como um vapor, como uma bolha subindo na água? Se não agora, no passar e desaparecer dela?
Igualmente, devemos perguntar: quando a Igreja cristã deve compartilhar as boas novas da vida eterna, se não agora, quando tantos são confrontados com a realidade da morte neste mundo?
Esta não é a nossa única resposta – como acabamos de ver –, mas está no coração e no centro de todas as outras respostas – práticas, proféticas e pastorais – que damos em fé e esperança.
-----------
Trecho publicado originalmente em A Igreja do Futuro e o Futuro da Igreja.
Christopher J. H. Wright é diretor internacional do Langham Partnership International. Foi reitor da All Nations Christian College e professor do Union Biblical Seminary, em Pune, Índia. É autor de vários livros, entre os quais O Deus que eu Não Entendo e A Igreja do Futuro e o Futuro da Igreja.
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