Opinião
- 06 de abril de 2015
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O mistério da Igreja Universal
Aproveitando uma manhã de folga em um domingo, resolvi visitar o tal de “Templo de Salomão” do Edir Macedo. Tudo faraônico, porque o que o Edir tem de genial, tem de megalomaníaco. Tudo muito luxuoso, os mínimos detalhes foram pensados, tudo com acabamento de altíssima qualidade.
São três reuniões por domingo: 7h, 10h (fui nesta) e 18h. Muita gente. Gente, gente, gente, literalmente milhares de pessoas. Para entrar no santuário tem que passar pelo estacionamento, absurdamente grande, e lotado, lotadíssimo, carro que não acabava mais. Quando o culto acabou, vi que tinha gente de tudo quanto é jeito, alguns super hiper simples, outros super hiper elegantes. Quem conduziu o culto foi um tal de Bispo Clodomir, usando talit azul e branco e quipá (por enquanto, a última inovação estética macediana). A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) sempre inova nos sincretismos ou bricolagens. É uma fonte sem fim de criatividade. Ele anunciou um livro por título “A última pedra”, vendido a R$ 10,00 o exemplar, dizendo que os recursos obtidos com as vendas vão para um trabalho de evangelização em presídios e ajuda a dependentes químicos (a “pedra” mencionada no título é a de crack; o título é sugestivo).
Para entrar no templo é muito chato: revista com detector de metal, quem tem bolsa tem que mostrar o que está levando, e celulares são proibidos – ficam guardados em um armarinho, com chave (acho que esta é uma boa ideia). No santuário, silêncio absoluto. Tudo muito coordenado, muito orquestrado – não há nada da famosa “liberdade do Espírito” que outros grupos pentecostais tanto gostam de enfatizar.
Nas falas do dirigente percebe-se ênfase muito grande na fé, mas fica difícil distinguir fé bíblica de pensamento positivo. Também percebe-se uma visão muito dualista, muito maniqueísta, entre Deus e o diabo, de um modo que é virtualmente uma visão de dois deuses no universo, o deus do bem e o deus do mal. Ele leu Marcos 9.27-28 mas de um modo que eu nunca vi: primeiro pediu pra todo mundo abrir a Bíblia no Evangelho de Marcos. Dali a uns dez minutos disse que era no capítulo 9. Outros dez minutos se passaram até que anunciasse os versículos. Nos intervalos, as falas sobre fé e incentivo a buscar melhora na vida. Ele deu ênfase ao pensamento em sua pregação (?): pensar positivamente, e não em termos de “eu não posso”, “eu não acredito”, “eu não consigo”, etc. Antes disso teve um pedido de ofertas. No final da pregação chamou à frente os que não querem “ser divididos” como ele disse, isto é, não querem mais pensar negativamente na vida. Pediu aos casais presentes que se abraçassem, e este foi um momento bonito. Chamou a esposa dele à frente, ela falou brevemente, com muita serenidade, uma palavra dirigida às mulheres e chamou a todas que fossem à frente, e ela orou por elas. O Bispo Clodomir reassumiu a palavra, avisou que domingo que vem haverá a Ceia, e pediu duas ofertas de todos no próximo domingo: uma, em dinheiro, cada um dê o que quiser ou puder, e outra, cada um deverá levar consigo outra pessoa. Ele disse, “até um morador de rua. Se for morador de rua, temos estrutura aqui pra ele tomar banho e trocar de roupa”. Achei interessantíssimo isso. Foi chamado à frente um tal de Bispo Afonso, que com sua equipe de voluntários visita presídios, e um terceiro bispo orou pelo colega dele. Avisou-se quanto aos trabalhos da semana, houve a oração final, e todos foram despedidos recomendados a não pararem no meio do caminho e a só conversarem fora do santuário. Lá dentro, muitos obreiros e obreiras trajando uma espécie de túnica branca com a frase “Santidade ao Senhor” na lateral esquerda, a mesma frase que aparece na frente do santuário. A última oração que o tal de Clodomir fez foi muito bonita, pedindo a Deus que tire os maus pensamentos das pessoas. Tudo isto em duas horas cravadas.
Não dá pra entender a Universal. Não tem sociólogo da religião que dê conta de explicar este fenômeno. Tem muita coisa criticável, eles praticamente não têm vida eclesiástica comunitária, no culto não existe uma adoração propriamente a Deus, a hermenêutica bíblica é a mais sem noção que já se viu, mas mesmo assim o movimento cresce. E não há como negar que muita gente é ajudada por eles. Eles criam um clima que facilmente leva pessoas a se emocionarem. Apagam e acendem luzes, colocam música suave no fundo, enfatizam o tempo todo a necessidade da pessoa “melhorar de vida”. Enfim, muita coisa é questionável, mas ao mesmo tempo muita gente é ajudada. Por estas e outras eu não consigo entender a IURD de jeito nenhum. É, a Universal é mesmo um mistério.
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São três reuniões por domingo: 7h, 10h (fui nesta) e 18h. Muita gente. Gente, gente, gente, literalmente milhares de pessoas. Para entrar no santuário tem que passar pelo estacionamento, absurdamente grande, e lotado, lotadíssimo, carro que não acabava mais. Quando o culto acabou, vi que tinha gente de tudo quanto é jeito, alguns super hiper simples, outros super hiper elegantes. Quem conduziu o culto foi um tal de Bispo Clodomir, usando talit azul e branco e quipá (por enquanto, a última inovação estética macediana). A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) sempre inova nos sincretismos ou bricolagens. É uma fonte sem fim de criatividade. Ele anunciou um livro por título “A última pedra”, vendido a R$ 10,00 o exemplar, dizendo que os recursos obtidos com as vendas vão para um trabalho de evangelização em presídios e ajuda a dependentes químicos (a “pedra” mencionada no título é a de crack; o título é sugestivo).
Para entrar no templo é muito chato: revista com detector de metal, quem tem bolsa tem que mostrar o que está levando, e celulares são proibidos – ficam guardados em um armarinho, com chave (acho que esta é uma boa ideia). No santuário, silêncio absoluto. Tudo muito coordenado, muito orquestrado – não há nada da famosa “liberdade do Espírito” que outros grupos pentecostais tanto gostam de enfatizar.
Nas falas do dirigente percebe-se ênfase muito grande na fé, mas fica difícil distinguir fé bíblica de pensamento positivo. Também percebe-se uma visão muito dualista, muito maniqueísta, entre Deus e o diabo, de um modo que é virtualmente uma visão de dois deuses no universo, o deus do bem e o deus do mal. Ele leu Marcos 9.27-28 mas de um modo que eu nunca vi: primeiro pediu pra todo mundo abrir a Bíblia no Evangelho de Marcos. Dali a uns dez minutos disse que era no capítulo 9. Outros dez minutos se passaram até que anunciasse os versículos. Nos intervalos, as falas sobre fé e incentivo a buscar melhora na vida. Ele deu ênfase ao pensamento em sua pregação (?): pensar positivamente, e não em termos de “eu não posso”, “eu não acredito”, “eu não consigo”, etc. Antes disso teve um pedido de ofertas. No final da pregação chamou à frente os que não querem “ser divididos” como ele disse, isto é, não querem mais pensar negativamente na vida. Pediu aos casais presentes que se abraçassem, e este foi um momento bonito. Chamou a esposa dele à frente, ela falou brevemente, com muita serenidade, uma palavra dirigida às mulheres e chamou a todas que fossem à frente, e ela orou por elas. O Bispo Clodomir reassumiu a palavra, avisou que domingo que vem haverá a Ceia, e pediu duas ofertas de todos no próximo domingo: uma, em dinheiro, cada um dê o que quiser ou puder, e outra, cada um deverá levar consigo outra pessoa. Ele disse, “até um morador de rua. Se for morador de rua, temos estrutura aqui pra ele tomar banho e trocar de roupa”. Achei interessantíssimo isso. Foi chamado à frente um tal de Bispo Afonso, que com sua equipe de voluntários visita presídios, e um terceiro bispo orou pelo colega dele. Avisou-se quanto aos trabalhos da semana, houve a oração final, e todos foram despedidos recomendados a não pararem no meio do caminho e a só conversarem fora do santuário. Lá dentro, muitos obreiros e obreiras trajando uma espécie de túnica branca com a frase “Santidade ao Senhor” na lateral esquerda, a mesma frase que aparece na frente do santuário. A última oração que o tal de Clodomir fez foi muito bonita, pedindo a Deus que tire os maus pensamentos das pessoas. Tudo isto em duas horas cravadas.
Não dá pra entender a Universal. Não tem sociólogo da religião que dê conta de explicar este fenômeno. Tem muita coisa criticável, eles praticamente não têm vida eclesiástica comunitária, no culto não existe uma adoração propriamente a Deus, a hermenêutica bíblica é a mais sem noção que já se viu, mas mesmo assim o movimento cresce. E não há como negar que muita gente é ajudada por eles. Eles criam um clima que facilmente leva pessoas a se emocionarem. Apagam e acendem luzes, colocam música suave no fundo, enfatizam o tempo todo a necessidade da pessoa “melhorar de vida”. Enfim, muita coisa é questionável, mas ao mesmo tempo muita gente é ajudada. Por estas e outras eu não consigo entender a IURD de jeito nenhum. É, a Universal é mesmo um mistério.
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O sucesso de Edir Macelo e a pergunta que fica no ar
A Teologia da Prosperidade na berlinda
O Escândalo do Comportamento Evangélico (Ronald Sider)
A Igreja Autêntica (John Stott)
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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