Opinião
- 12 de setembro de 2022
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O Livro da Natureza e a Alfabetização Ecológica
Ao nos distanciarmos da natureza, também estamos nos distanciando de Deus
Por Tiago A. Pereira
“Se seu coração é correto, então toda criatura é um espelho da vida para você e um livro de aprendizado sagrado, pois não há criatura – não importa quão pequena ou humilde – que não revele a bondade de Deus.” - Tomás de Kempis
“Se seu coração é correto, então toda criatura é um espelho da vida para você e um livro de aprendizado sagrado, pois não há criatura – não importa quão pequena ou humilde – que não revele a bondade de Deus.” - Tomás de Kempis
Aqueles já iniciados no diálogo entre “ciência e religião” provavelmente estão habituados à metáfora dos “Dois Livros de Deus”. O livro das Obras e o livro das Palavras, o mundo natural e as escrituras sagradas, ou em termos teológicos, a revelação geral e a revelação especial. Ler ambos os livros atentamente seria como usar duas lentes que nos permitem enxergar a realidade de forma mais completa e contemplar com mais profundidade a beleza da Criação.
A Confissão de Fé Belga de 1561 afirmava, em seu segundo artigo, que “o mundo, perante nossos olhos, é como um livro formoso, em que todas as criaturas, grandes e pequenas, servem de letras que nos fazem contemplar “os atributos invisíveis de Deus”. Grandes teólogos e pensadores do passado concordam. Nas palavras de Agostinho, “algumas pessoas, para descobrir Deus, leem livros. Mas existe um grande livro: a própria aparência das coisas criadas. Olhe acima de você! Olhe abaixo de você! Observe-o. Leia-o. Deus, a quem você quer descobrir, não escreveu esse livro com tinta. Em vez disso, Ele colocou diante de seus olhos as coisas que Ele havia feito. Você pode pedir uma voz mais alta do que isso?”
Nossa questão, então, é essa: Será que estamos conseguindo ouvir a voz da natureza? O que nossos olhos e nossos ouvidos têm experimentado? Há alguns anos, o jornalista e escritor Richard Louv, preocupado com essas questões, cunhou o termo “transtorno do déficit de natureza”. Não é difícil perceber que vivemos cada vez mais distantes da natureza, cercados de concreto em vidas cada vez mais urbanas. Louv percebe com temor como as novas gerações estão perdendo progressivamente o contato com a natureza, e seu trabalho dedica especial atenção às crianças e ao trabalho de reconectá-las com o mundo natural.
Parece que o déficit de natureza tem tudo a ver também com um déficit de leitura. Desaprendemos a ler leituras demoradas e contemplativas, e estamos deixando de ler o Livro da Natureza como ele pede para ser lido. Então será que em meio a tantos problemas e dificuldades sociais, ainda temos que lutar com um problema de “analfabetismo ecológico”? Se nós cristãos somos de fato o povo dos Dois Livros, deveríamos nos preocupar com uma leitura correta de ambos, e isso deveria nos colocar entre os mais preocupados, os mais entristecidos e os mais proativos em relação às crises ambientais. Mas parece haver algo mais profundo que a comunidade cristã em grande parte não conseguiu perceber: ao nos distanciarmos da natureza, também estamos nos distanciando de Deus.
Quando Deus nos criou e nos colocou no jardim, o texto bíblico utiliza uma série de imagens que nos ajudam a entender nosso papel diante da criação da qual fazemos parte e diante do Criador. Se cuidar do jardim tem a ver com a ordem de cultivar, guardar e nomear os animais, então o cuidado tem a ver com conhecer, e conhecer tem a ver com se relacionar. No jardim há um relacionamento mútuo de interdependência e cooperação, mas só perceberemos isso com uma leitura atenta e demorada. É através da leitura desse Livro que aprenderemos como nos relacionamos com todas as coisas, e assim aprenderemos a amar a criação, porque o próprio Criador também tem uma relação com ela e a ama. Antes de cuidarmos do jardim, é preciso se conectar com ele, conhecê-lo e experimentá-lo. Só assim o cuidado deixará de ser uma obrigação e passará a ser um relacionamento, fundamentado em princípios transformados e os valores do Reino de Deus.
Tiago A. Pereira é biológo pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutor em Botânica pela UFV, com pós-doutorado em biologia molecular e filogeografia. Atualmente, é o coordenador nacional dos Grupos de Estudo da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²). É casado com Eliza e pai de Pedro e Maria Clara.
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