Opinião
03 de julho de 2020
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O judaísmo e Israel nas telas da Netflix
Por Carlos Caldas
![](/image/atualiza_home/principal/ultimas/opiniao/2020/07_jul/opi_03_07_20_caldas_judaismo.jpg)
O judaísmo introduziu uma novidade radical na história das religiões: foi a primeira tradição a anunciar a fé em um único Deus. Quando todos os povos antigos acreditavam em muitos deuses e muitas deusas, um para cada atividade da vida, os judeus faziam a prece conhecida como Shemah: “Ouve ó Israel, o Eterno, nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6.4). Outra novidade notável trazida pelo judaísmo é o fato de que ele foi a primeira tradição a anunciar um Deus universal. Todos os povos antigos criam que seus deuses eram divindades locais, por assim dizer: os deuses dos babilônios eram deuses só dos babilônios, os deuses dos egípcios eram deuses só dos egípcios, e o mesmo pensavam todos os demais povos da antiguidade. Neste sentido, não é exatamente correto dizer que eles eram politeístas, isto é, criam em muitos deuses. Talvez seja mais acertado dizer que eram henoteístas, isto é, criam que existem muitos deuses, mas que os deuses deles eram superiores aos demais. Em contraste, a fé de Israel anunciou vigorosamente a crença em um Deus: “Porque todos os deuses dos povos não passam de ídolos, o Senhor porém fez os céus” (Sl 96.5).2 E a crença em um Deus universal: “Do Senhor é a terra, e sua plenitude, o mundo e os que nele habitam” (Sl 24.1).
No berço do judaísmo nasceu o cristianismo. Todavia, em geral, há em círculos cristãos uma ignorância muito grande a respeito do judaísmo. Via de regra, pouco ou quase nada se sabe desta tradição, pois ainda há muito preconceito, alimentado por séculos de antissemitismo e falta de curiosidade sobre o grupo a respeito do qual um judeu famoso da antiguidade disse: “deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo (o Messias), segundo a carne, o qual é sobre todos Deus bendito para todo o sempre” (Rm 9.5).
O judaísmo tem uma longa história e, por isso, desenvolveu no decorrer de séculos muitas divisões internas. Outro fator nesta equação é o Estado de Israel, organizado em 1948, que não poucos, especialmente dentre os evangélicos, equivocadamente pensam ser o mesmo Israel clássico dos textos do Antigo Testamento. A respeito de Israel pode ser dito o mesmo que foi afirmado com respeito ao judaísmo: a maioria dos cristãos pouco ou nada sabe a respeito.
Curiosamente, está disponível no serviço de streaming Netflix um número considerável de séries e documentários sobre Israel e o judaísmo contemporâneo. Destacarei quatro: duas mostram um pouco do cotidiano da vida no atual Estado de Israel, tanto de judeus religiosos como também de não religiosos, e duas são ambientadas nos Estados Unidos, mas têm como tema a vida de judeus ultraortodoxos. Vejamos:
ONE OF US
![One of Us](/image/atualiza_home/principal/ultimas/opiniao/2020/07_jul/one-of-us(1).jpg)
NADA ORTODOXA
![Nada Ortodoxa](/image/atualiza_home/principal/ultimas/opiniao/2020/07_jul/nada-ortodoxa.jpg)
SHTISEL
![Shtisel](/image/atualiza_home/principal/ultimas/opiniao/2020/07_jul/shtisel.jpg)
FAUDA
![Fauda](/image/atualiza_home/principal/ultimas/opiniao/2020/07_jul/fauda.jpg)
Estas produções ajudam a entender um pouco do “mundo vasto, vasto mundo” (Drummond veio à minha memória ao pensar na amplitude oceânica da tradição judaica) que é o judaísmo (não é demais repetir – a vertente ultraortodoxa do judaísmo), e também a questão altamente complexa que é o Estado de Israel e o conflito com os palestinos. No mínimo, servem para sair do virtual monopólio exercido pelas produções provenientes dos Estados Unidos.
Notas
1. A expressão “religião nacional” é usada para se referir às tradições religiosas das sociedades antigas, nas quais toda a sociedade tinha o mesmo conjunto de crenças e praticava os mesmos ritos. Nestas sociedades não havia diversidade religiosa tal como nas sociedades ocidentais contemporâneas. Em outras palavras: em qualquer das sociedades antigas havia apenas uma única fé religiosa e um único conjunto de ritos.
2. O discurso de Jefté em Juízes 11 (especialmente os v. 23-24) sugere uma crença henoteísta, pois Jefté não nega os deuses dos vizinhos de Israel, mas reafirma sua crença no Senhor. O texto não deixa claro se Jefté de fato cria assim ou se falou apenas porque sabia que esta era a crença de Seom, rei dos amorreus, com quem dialogava.
3. A tradição ocidental usa a palavra "holocausto" para se referir à tentativa de extermínio dos judeus na Europa pelo nazismo hitlerista. Todavia, os judeus rejeitam o uso da palavra, que, embora grega de origem (a palavra significa “totalmente queimado”), é originária da tradição litúrgica do Israel bíblico: o holocausto era um sacrifício oferecido ao Eterno nos tempos da antiga (ou primeira) aliança. Logo, não pode ser usada para se referir a uma tentativa de extermínio de um povo.
1. A expressão “religião nacional” é usada para se referir às tradições religiosas das sociedades antigas, nas quais toda a sociedade tinha o mesmo conjunto de crenças e praticava os mesmos ritos. Nestas sociedades não havia diversidade religiosa tal como nas sociedades ocidentais contemporâneas. Em outras palavras: em qualquer das sociedades antigas havia apenas uma única fé religiosa e um único conjunto de ritos.
2. O discurso de Jefté em Juízes 11 (especialmente os v. 23-24) sugere uma crença henoteísta, pois Jefté não nega os deuses dos vizinhos de Israel, mas reafirma sua crença no Senhor. O texto não deixa claro se Jefté de fato cria assim ou se falou apenas porque sabia que esta era a crença de Seom, rei dos amorreus, com quem dialogava.
3. A tradição ocidental usa a palavra "holocausto" para se referir à tentativa de extermínio dos judeus na Europa pelo nazismo hitlerista. Todavia, os judeus rejeitam o uso da palavra, que, embora grega de origem (a palavra significa “totalmente queimado”), é originária da tradição litúrgica do Israel bíblico: o holocausto era um sacrifício oferecido ao Eterno nos tempos da antiga (ou primeira) aliança. Logo, não pode ser usada para se referir a uma tentativa de extermínio de um povo.
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
- Textos publicados: 79 [ver]
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