Opinião
- 01 de junho de 2016
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O incômodo de ver
Se pudesse eu viraria o rosto. Ultimamente, temos muitas razões para virar a cara para o que está diante de nossos olhos. Se temos um mínimo de senso de justiça, certamente, estamos incomodados com o que vemos e ouvimos sobre nosso país.
Um profeta é muitas vezes retratado como alguém que anuncia uma visão da parte de Deus. Mas o profeta como mediador dessa visão frequentemente se incomodava com o que lhe era mostrado. O profeta de Israel era aquele indivíduo incomodado com as injustiças principalmente porque elas denunciavam a quebra da aliança, isto é, o distanciamento dos padrões que Deus tinha estabelecido para o povo de Israel.
Ao olhar para a nação na perspectiva da justiça de Deus, o profeta se perturba e ora:
“Senhor, por que me fazes ver tanta maldade, opressão, injustiça, corrupção, e manobras sem fim pelo poder? Essa foi a oração de Habacuque, que ainda acrescenta, a lei se afrouxa, a justiça nunca se manifesta” (Hc 1.3,4).
Veja que a pergunta do profeta não é “por que tanta injustiça e violência?”, mas sim “por que me fazes ver...?”. É como se o profeta estivesse inconformado com seu papel de mediador da visão de Deus. O que ele vê o perturba profundamente.
Como o profeta, também me sinto, assim como tantos brasileiros, incomodado, inconformado e perturbado. Mas parece que a maior crise não é a política, social e econômica, e sim, a crise pessoal, a perturbação de ter de ver tudo isso. Como seria bom se não tivéssemos de ver nada que nos desalenta. Habacuque pergunta a Deus por que ele tem de ver aquela injustiça e corrupção.
No entanto, o profeta não estava vendo tudo. Deus o convida a ver entre as nações e observar (Hc 1.5). Por mais sensíveis que sejamos às injustiças, nossa visão ainda é limitada, senão tendenciosa. O profeta estava vendo a situação de seu povo na perspectiva da injustiça e da violência praticadas contra seu próprio povo. Deus o convida a olhar numa perspectiva mais ampla que envolve não só o cenário internacional como também a perspectiva da ação dele no mundo.
Uma vez que a situação que estamos enfrentando no Brasil se politizou tanto, cada um olha e enxerga o que quer de acordo com suas preferências ideológicas, partidárias, de valores, e tudo isso regado com a forte propaganda dos meios de comunicação que também tem seus interesses políticos e econômicos.
Enxergamos a injustiça, a corrupção, o abuso, o golpe, a ilegitimidade apenas no outro. Pior, achamos que eliminando o outro, extirparemos o problema e a sociedade voltará à normalidade.
O que Deus quer ainda mostrar a Habacuque é algo inacreditável: “vocês não vão acreditar quando lhes contarem” (1.5). Deus diz: “estou trazendo os babilônios para invadir a terra e dar cabo dessa situação” (1.6). Melhor imagem contemporânea que posso pensar para captar a gravidade dessa mensagem é como se Deus dissesse: “vou trazer o Estado Islâmico para resolver o problema da corrupção no Brasil!”. Deus estava anunciando que traria uma nação violenta, cruel e impostora para resolver a injustiça de Judá.
Além do anúncio histórico da invasão dos babilônios, destruição e exílio de Judá, essa mensagem também revela que o problema da corrupção e da injustiça estava afetando toda a sociedade, não apenas a corte do rei, e que para resolver isso era necessário que toda a nação fosse renovada.
Habacuque fica ainda mais incomodado e acusa Deus de ser tão puro que não vê nem observa a maldade (1.13). Agora Habacuque convida Deus para enxergar direito e fazer algo contra o ímpio!
Há tantas outras coisas que não vemos ou não queremos ver em nosso país e no mundo. Talvez a mídia não dê a mesma dimensão à gravidade desses problemas ou porque não são mecanismos do jogo do poder. Preferimos virar o rosto aos moradores de ruas, jovens e crianças nas drogas, aos abusos e violência contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos, refugiados etc. Não queremos ter essa visão. Preferimos uma visão das coisas celestiais, visões angelicais de sucesso e prosperidade. Essas sim nos animam.
Por fim, o profeta se rende, se coloca em vigia “para ver o que ele me dirá” (2.1). Deus ordena Habacuque a escrever a visão que, dentre outras coisas diz: a promessa de Deus se cumprirá, arrogância não é padrão para a vida, o justo vive por sua fidelidade. Mas o que se segue está longe de ser uma visão angelical. Pelo contrário, é um retrato dos abusos na sociedade e de certas práticas são condenáveis (Hc 2.2-20).
Como gostaria de ver apenas o que me faz bem à vista. Mas não é possível a quem serve um Deus justo deixar de ver a injustiça.
Como Habacuque é tempo de nos colocarmos na torre de vigia “para ver o que ele” nos dirá e estar prontos a proclamar ousadamente o que vemos.
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Jesus enxergava o sofrimento alheio
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Fé Cristã e Cultura Contemporânea
Foto: Cristina Romano/Freeimages.com
Um profeta é muitas vezes retratado como alguém que anuncia uma visão da parte de Deus. Mas o profeta como mediador dessa visão frequentemente se incomodava com o que lhe era mostrado. O profeta de Israel era aquele indivíduo incomodado com as injustiças principalmente porque elas denunciavam a quebra da aliança, isto é, o distanciamento dos padrões que Deus tinha estabelecido para o povo de Israel.
Ao olhar para a nação na perspectiva da justiça de Deus, o profeta se perturba e ora:
“Senhor, por que me fazes ver tanta maldade, opressão, injustiça, corrupção, e manobras sem fim pelo poder? Essa foi a oração de Habacuque, que ainda acrescenta, a lei se afrouxa, a justiça nunca se manifesta” (Hc 1.3,4).
Veja que a pergunta do profeta não é “por que tanta injustiça e violência?”, mas sim “por que me fazes ver...?”. É como se o profeta estivesse inconformado com seu papel de mediador da visão de Deus. O que ele vê o perturba profundamente.
Como o profeta, também me sinto, assim como tantos brasileiros, incomodado, inconformado e perturbado. Mas parece que a maior crise não é a política, social e econômica, e sim, a crise pessoal, a perturbação de ter de ver tudo isso. Como seria bom se não tivéssemos de ver nada que nos desalenta. Habacuque pergunta a Deus por que ele tem de ver aquela injustiça e corrupção.
No entanto, o profeta não estava vendo tudo. Deus o convida a ver entre as nações e observar (Hc 1.5). Por mais sensíveis que sejamos às injustiças, nossa visão ainda é limitada, senão tendenciosa. O profeta estava vendo a situação de seu povo na perspectiva da injustiça e da violência praticadas contra seu próprio povo. Deus o convida a olhar numa perspectiva mais ampla que envolve não só o cenário internacional como também a perspectiva da ação dele no mundo.
Uma vez que a situação que estamos enfrentando no Brasil se politizou tanto, cada um olha e enxerga o que quer de acordo com suas preferências ideológicas, partidárias, de valores, e tudo isso regado com a forte propaganda dos meios de comunicação que também tem seus interesses políticos e econômicos.
Enxergamos a injustiça, a corrupção, o abuso, o golpe, a ilegitimidade apenas no outro. Pior, achamos que eliminando o outro, extirparemos o problema e a sociedade voltará à normalidade.
O que Deus quer ainda mostrar a Habacuque é algo inacreditável: “vocês não vão acreditar quando lhes contarem” (1.5). Deus diz: “estou trazendo os babilônios para invadir a terra e dar cabo dessa situação” (1.6). Melhor imagem contemporânea que posso pensar para captar a gravidade dessa mensagem é como se Deus dissesse: “vou trazer o Estado Islâmico para resolver o problema da corrupção no Brasil!”. Deus estava anunciando que traria uma nação violenta, cruel e impostora para resolver a injustiça de Judá.
Além do anúncio histórico da invasão dos babilônios, destruição e exílio de Judá, essa mensagem também revela que o problema da corrupção e da injustiça estava afetando toda a sociedade, não apenas a corte do rei, e que para resolver isso era necessário que toda a nação fosse renovada.
Habacuque fica ainda mais incomodado e acusa Deus de ser tão puro que não vê nem observa a maldade (1.13). Agora Habacuque convida Deus para enxergar direito e fazer algo contra o ímpio!
Há tantas outras coisas que não vemos ou não queremos ver em nosso país e no mundo. Talvez a mídia não dê a mesma dimensão à gravidade desses problemas ou porque não são mecanismos do jogo do poder. Preferimos virar o rosto aos moradores de ruas, jovens e crianças nas drogas, aos abusos e violência contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos, refugiados etc. Não queremos ter essa visão. Preferimos uma visão das coisas celestiais, visões angelicais de sucesso e prosperidade. Essas sim nos animam.
Por fim, o profeta se rende, se coloca em vigia “para ver o que ele me dirá” (2.1). Deus ordena Habacuque a escrever a visão que, dentre outras coisas diz: a promessa de Deus se cumprirá, arrogância não é padrão para a vida, o justo vive por sua fidelidade. Mas o que se segue está longe de ser uma visão angelical. Pelo contrário, é um retrato dos abusos na sociedade e de certas práticas são condenáveis (Hc 2.2-20).
Como gostaria de ver apenas o que me faz bem à vista. Mas não é possível a quem serve um Deus justo deixar de ver a injustiça.
Como Habacuque é tempo de nos colocarmos na torre de vigia “para ver o que ele” nos dirá e estar prontos a proclamar ousadamente o que vemos.
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Foto: Cristina Romano/Freeimages.com
Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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