Opinião
- 27 de dezembro de 2013
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O Hobbit: a desolação de Smaug
Por esses dias, em plena atividade ainda voltada para as comemorações dos 50 anos da morte de C.S. Lewis, eu usei uma janela para homenagear aquele a quem Lewis deve a sua conversão ao cristianismo, J.R.R. Tolkien, esse cristão católico que criou todo um mundo (Terra-Média) com suas línguas, geografia, história e cosmologia próprias. Certamente Nárnia é um universo mais simples do que o de Tolkien. Mas o de Tolkien pode até cair no extremo oposto: ser tão complexo, que permite a criação de universos paralelos dentro do universo maior, pequenas narrativas dentro da grande narrativa.
Foi o que o diretor de “O Hobbit” 1 e 2, Peter Jackson fez: criou sagas dentro da saga, ou seja, histórias fantásticas paralelas e não contadas por Tolkien, ainda que inspiradas por ele e fiel em linhas gerais às cenas principais do livro, o que dá margem a desvios da moral geral do livro. Basta comparar o tamanho do livro, muito mais modesto que “O Senhor dos Anéis”, para que possamos desconfiar de dois longas (com previsão do terceiro), a partir da obra.
Defendi em O Senhor dos Anéis: da Fantasia à Ética a ideia de que, para se entender bem “O Senhor dos Anéis”, é preciso ir além da fantasia, que muitas vezes pode se tornar autônoma e de moral excessivamente mística; deve-se ir em direção à ética, segundo a qual, não são as imagens fantásticas que importam, mas os valores que elas veiculam.
É preciso, por toda a sua obra ir de uma interpretação “esotérica” para uma “exotérica”, ou seja, da abordagem ocultista e alegórica ou hermética para uma que atenta para o que as imagens remetem, e que está fora delas mesmas. Enquanto na abordagem mística as imagens têm um valor em si, independente, a abordagem que defendemos da obra (e, portanto, também dos filmes) procura interpretar as imagens a partir de sua moral.
Toda história tem moral ou “morais”. Nesse sentido, o filme é muito rico, falando em coragem, esperança, sonho, busca de coisas perdidas ou bloqueadas (a Pedra de Arken, o anel), lealdade e traição (quando Bilbo é abandonado à sua própria sorte na caverna do dragão, por exemplo), heroísmo, perseverança (quando Bilbo não desiste de procurar o buraco da fechadura na parede de pedra) e até paixão (um dos elementos acrescentados pelo diretor tanto em “O Senhor dos Anéis” quanto em “O Hobbit”).
Uma das cenas mais comoventes a meu ver, que segue essa linha, é quando os elfos percebem que não podem ficar alheios ao mau que está se instaurando e espalhando pela Terra Média e confortáveis dentro das quatro paredes, mas que eles tinham que se envolver na batalha contra o maligno. Também o heroísmo dos elfos e sua abdicação e cuidado em relação aos anões e, particularmente, àquele que foi envenenado por uma flecha, são memoráveis.
Entretanto, duas cenas me chamaram atenção, que não combinam com a ética de “O Senhor dos Anéis” e mesmo “O Hobbit”. Uma é quando se apresenta o poder das trevas como se ele pudesse ter uma natureza independente; como se ele pudesse invadir a luz e, pior, como se ele pudesse derrotar o bem; como fez com a derrota de Gandalf.
Ora, essa abordagem é bastante maniqueísta, ou seja, retrata o mal como tendo poderes iguais, ou até maiores que o bem, ainda que contrários a eles. Já Tolkien acreditava que bem e mal não são simétricos, que a escuridão (falta de luz) sempre foge à luz e não tem existência independente de algo antes luminoso para se instalar.
A outra cena é a já mencionada, da pajelança que elfa faz em relação ao anão em quem aparentemente estava apaixonada. Tolkien não apoiava o uso da magia ou exercício do poder pelo homem para alcançar os seus objetivos, mas apenas a magia das coisas criadas ativamente por Deus. O oculto não tem vida própria, ele é uma derivação corruptora de um estado anterior, luminoso e manifesto. É precisamente essa uma das ideias que está por trás do um anel: todos que o carregam e o usam caem na tentação do abuso do poder.
Por outro lado, há muito espaço para o mistério e a aventura no filme e para extração de sua moral. Por isso, recomendo que todos confiram e tirem suas próprias conclusões a respeito dele.
Leia mais
Harry Potter - perspectiva teológica
Cinema e fé cristã
Um Ano Com C. S. Lewis
Foi o que o diretor de “O Hobbit” 1 e 2, Peter Jackson fez: criou sagas dentro da saga, ou seja, histórias fantásticas paralelas e não contadas por Tolkien, ainda que inspiradas por ele e fiel em linhas gerais às cenas principais do livro, o que dá margem a desvios da moral geral do livro. Basta comparar o tamanho do livro, muito mais modesto que “O Senhor dos Anéis”, para que possamos desconfiar de dois longas (com previsão do terceiro), a partir da obra.
Defendi em O Senhor dos Anéis: da Fantasia à Ética a ideia de que, para se entender bem “O Senhor dos Anéis”, é preciso ir além da fantasia, que muitas vezes pode se tornar autônoma e de moral excessivamente mística; deve-se ir em direção à ética, segundo a qual, não são as imagens fantásticas que importam, mas os valores que elas veiculam.
É preciso, por toda a sua obra ir de uma interpretação “esotérica” para uma “exotérica”, ou seja, da abordagem ocultista e alegórica ou hermética para uma que atenta para o que as imagens remetem, e que está fora delas mesmas. Enquanto na abordagem mística as imagens têm um valor em si, independente, a abordagem que defendemos da obra (e, portanto, também dos filmes) procura interpretar as imagens a partir de sua moral.
Toda história tem moral ou “morais”. Nesse sentido, o filme é muito rico, falando em coragem, esperança, sonho, busca de coisas perdidas ou bloqueadas (a Pedra de Arken, o anel), lealdade e traição (quando Bilbo é abandonado à sua própria sorte na caverna do dragão, por exemplo), heroísmo, perseverança (quando Bilbo não desiste de procurar o buraco da fechadura na parede de pedra) e até paixão (um dos elementos acrescentados pelo diretor tanto em “O Senhor dos Anéis” quanto em “O Hobbit”).
Uma das cenas mais comoventes a meu ver, que segue essa linha, é quando os elfos percebem que não podem ficar alheios ao mau que está se instaurando e espalhando pela Terra Média e confortáveis dentro das quatro paredes, mas que eles tinham que se envolver na batalha contra o maligno. Também o heroísmo dos elfos e sua abdicação e cuidado em relação aos anões e, particularmente, àquele que foi envenenado por uma flecha, são memoráveis.
Entretanto, duas cenas me chamaram atenção, que não combinam com a ética de “O Senhor dos Anéis” e mesmo “O Hobbit”. Uma é quando se apresenta o poder das trevas como se ele pudesse ter uma natureza independente; como se ele pudesse invadir a luz e, pior, como se ele pudesse derrotar o bem; como fez com a derrota de Gandalf.
Ora, essa abordagem é bastante maniqueísta, ou seja, retrata o mal como tendo poderes iguais, ou até maiores que o bem, ainda que contrários a eles. Já Tolkien acreditava que bem e mal não são simétricos, que a escuridão (falta de luz) sempre foge à luz e não tem existência independente de algo antes luminoso para se instalar.
A outra cena é a já mencionada, da pajelança que elfa faz em relação ao anão em quem aparentemente estava apaixonada. Tolkien não apoiava o uso da magia ou exercício do poder pelo homem para alcançar os seus objetivos, mas apenas a magia das coisas criadas ativamente por Deus. O oculto não tem vida própria, ele é uma derivação corruptora de um estado anterior, luminoso e manifesto. É precisamente essa uma das ideias que está por trás do um anel: todos que o carregam e o usam caem na tentação do abuso do poder.
Por outro lado, há muito espaço para o mistério e a aventura no filme e para extração de sua moral. Por isso, recomendo que todos confiram e tirem suas próprias conclusões a respeito dele.
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Cinema e fé cristã
Um Ano Com C. S. Lewis
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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