Opinião
- 27 de dezembro de 2013
- Visualizações: 4261
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
O Hobbit: a desolação de Smaug
Por esses dias, em plena atividade ainda voltada para as comemorações dos 50 anos da morte de C.S. Lewis, eu usei uma janela para homenagear aquele a quem Lewis deve a sua conversão ao cristianismo, J.R.R. Tolkien, esse cristão católico que criou todo um mundo (Terra-Média) com suas línguas, geografia, história e cosmologia próprias. Certamente Nárnia é um universo mais simples do que o de Tolkien. Mas o de Tolkien pode até cair no extremo oposto: ser tão complexo, que permite a criação de universos paralelos dentro do universo maior, pequenas narrativas dentro da grande narrativa.
Foi o que o diretor de “O Hobbit” 1 e 2, Peter Jackson fez: criou sagas dentro da saga, ou seja, histórias fantásticas paralelas e não contadas por Tolkien, ainda que inspiradas por ele e fiel em linhas gerais às cenas principais do livro, o que dá margem a desvios da moral geral do livro. Basta comparar o tamanho do livro, muito mais modesto que “O Senhor dos Anéis”, para que possamos desconfiar de dois longas (com previsão do terceiro), a partir da obra.
Defendi em O Senhor dos Anéis: da Fantasia à Ética a ideia de que, para se entender bem “O Senhor dos Anéis”, é preciso ir além da fantasia, que muitas vezes pode se tornar autônoma e de moral excessivamente mística; deve-se ir em direção à ética, segundo a qual, não são as imagens fantásticas que importam, mas os valores que elas veiculam.
É preciso, por toda a sua obra ir de uma interpretação “esotérica” para uma “exotérica”, ou seja, da abordagem ocultista e alegórica ou hermética para uma que atenta para o que as imagens remetem, e que está fora delas mesmas. Enquanto na abordagem mística as imagens têm um valor em si, independente, a abordagem que defendemos da obra (e, portanto, também dos filmes) procura interpretar as imagens a partir de sua moral.
Toda história tem moral ou “morais”. Nesse sentido, o filme é muito rico, falando em coragem, esperança, sonho, busca de coisas perdidas ou bloqueadas (a Pedra de Arken, o anel), lealdade e traição (quando Bilbo é abandonado à sua própria sorte na caverna do dragão, por exemplo), heroísmo, perseverança (quando Bilbo não desiste de procurar o buraco da fechadura na parede de pedra) e até paixão (um dos elementos acrescentados pelo diretor tanto em “O Senhor dos Anéis” quanto em “O Hobbit”).
Uma das cenas mais comoventes a meu ver, que segue essa linha, é quando os elfos percebem que não podem ficar alheios ao mau que está se instaurando e espalhando pela Terra Média e confortáveis dentro das quatro paredes, mas que eles tinham que se envolver na batalha contra o maligno. Também o heroísmo dos elfos e sua abdicação e cuidado em relação aos anões e, particularmente, àquele que foi envenenado por uma flecha, são memoráveis.
Entretanto, duas cenas me chamaram atenção, que não combinam com a ética de “O Senhor dos Anéis” e mesmo “O Hobbit”. Uma é quando se apresenta o poder das trevas como se ele pudesse ter uma natureza independente; como se ele pudesse invadir a luz e, pior, como se ele pudesse derrotar o bem; como fez com a derrota de Gandalf.
Ora, essa abordagem é bastante maniqueísta, ou seja, retrata o mal como tendo poderes iguais, ou até maiores que o bem, ainda que contrários a eles. Já Tolkien acreditava que bem e mal não são simétricos, que a escuridão (falta de luz) sempre foge à luz e não tem existência independente de algo antes luminoso para se instalar.
A outra cena é a já mencionada, da pajelança que elfa faz em relação ao anão em quem aparentemente estava apaixonada. Tolkien não apoiava o uso da magia ou exercício do poder pelo homem para alcançar os seus objetivos, mas apenas a magia das coisas criadas ativamente por Deus. O oculto não tem vida própria, ele é uma derivação corruptora de um estado anterior, luminoso e manifesto. É precisamente essa uma das ideias que está por trás do um anel: todos que o carregam e o usam caem na tentação do abuso do poder.
Por outro lado, há muito espaço para o mistério e a aventura no filme e para extração de sua moral. Por isso, recomendo que todos confiram e tirem suas próprias conclusões a respeito dele.
Leia mais
Harry Potter - perspectiva teológica
Cinema e fé cristã
Um Ano Com C. S. Lewis
Foi o que o diretor de “O Hobbit” 1 e 2, Peter Jackson fez: criou sagas dentro da saga, ou seja, histórias fantásticas paralelas e não contadas por Tolkien, ainda que inspiradas por ele e fiel em linhas gerais às cenas principais do livro, o que dá margem a desvios da moral geral do livro. Basta comparar o tamanho do livro, muito mais modesto que “O Senhor dos Anéis”, para que possamos desconfiar de dois longas (com previsão do terceiro), a partir da obra.
Defendi em O Senhor dos Anéis: da Fantasia à Ética a ideia de que, para se entender bem “O Senhor dos Anéis”, é preciso ir além da fantasia, que muitas vezes pode se tornar autônoma e de moral excessivamente mística; deve-se ir em direção à ética, segundo a qual, não são as imagens fantásticas que importam, mas os valores que elas veiculam.
É preciso, por toda a sua obra ir de uma interpretação “esotérica” para uma “exotérica”, ou seja, da abordagem ocultista e alegórica ou hermética para uma que atenta para o que as imagens remetem, e que está fora delas mesmas. Enquanto na abordagem mística as imagens têm um valor em si, independente, a abordagem que defendemos da obra (e, portanto, também dos filmes) procura interpretar as imagens a partir de sua moral.
Toda história tem moral ou “morais”. Nesse sentido, o filme é muito rico, falando em coragem, esperança, sonho, busca de coisas perdidas ou bloqueadas (a Pedra de Arken, o anel), lealdade e traição (quando Bilbo é abandonado à sua própria sorte na caverna do dragão, por exemplo), heroísmo, perseverança (quando Bilbo não desiste de procurar o buraco da fechadura na parede de pedra) e até paixão (um dos elementos acrescentados pelo diretor tanto em “O Senhor dos Anéis” quanto em “O Hobbit”).
Uma das cenas mais comoventes a meu ver, que segue essa linha, é quando os elfos percebem que não podem ficar alheios ao mau que está se instaurando e espalhando pela Terra Média e confortáveis dentro das quatro paredes, mas que eles tinham que se envolver na batalha contra o maligno. Também o heroísmo dos elfos e sua abdicação e cuidado em relação aos anões e, particularmente, àquele que foi envenenado por uma flecha, são memoráveis.
Entretanto, duas cenas me chamaram atenção, que não combinam com a ética de “O Senhor dos Anéis” e mesmo “O Hobbit”. Uma é quando se apresenta o poder das trevas como se ele pudesse ter uma natureza independente; como se ele pudesse invadir a luz e, pior, como se ele pudesse derrotar o bem; como fez com a derrota de Gandalf.
Ora, essa abordagem é bastante maniqueísta, ou seja, retrata o mal como tendo poderes iguais, ou até maiores que o bem, ainda que contrários a eles. Já Tolkien acreditava que bem e mal não são simétricos, que a escuridão (falta de luz) sempre foge à luz e não tem existência independente de algo antes luminoso para se instalar.
A outra cena é a já mencionada, da pajelança que elfa faz em relação ao anão em quem aparentemente estava apaixonada. Tolkien não apoiava o uso da magia ou exercício do poder pelo homem para alcançar os seus objetivos, mas apenas a magia das coisas criadas ativamente por Deus. O oculto não tem vida própria, ele é uma derivação corruptora de um estado anterior, luminoso e manifesto. É precisamente essa uma das ideias que está por trás do um anel: todos que o carregam e o usam caem na tentação do abuso do poder.
Por outro lado, há muito espaço para o mistério e a aventura no filme e para extração de sua moral. Por isso, recomendo que todos confiram e tirem suas próprias conclusões a respeito dele.
Leia mais
Harry Potter - perspectiva teológica
Cinema e fé cristã
Um Ano Com C. S. Lewis
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
- Textos publicados: 68 [ver]
- 27 de dezembro de 2013
- Visualizações: 4261
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Descobrindo o potencial da diáspora: um chamado à igreja brasileira
- Trabalho sob a perspectiva do reino de Deus
- Jesus [não] tem mais graça
- Onde estão as crianças?
- Não confunda o Natal com Papai Noel — Para celebrar o verdadeiro Natal
- Uma cidade sitiada - Uma abordagem literária do Salmo 31
- C. S. Lewis, 126 anos
- Ultimato recebe prêmio Areté 2024
- Exalte o Altíssimo!
- Paciência e determinação: virtudes essenciais para enfrentar a realidade da vida