Opinião
- 18 de setembro de 2013
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O Evangelho na periferia de 1920
Pelos idos de 1920 os evangélicos cariocas divulgavam as suas atividades religiosas nos principais jornais circulantes da cidade. A ênfase estava nas escolas dominicais e nos cultos públicos realizados em diferentes lugares. O ensino e a pregação eram os eixos principais da atuação protestante que resultaram no surgimento de igrejas pequenas com gente simples, retrato da população da época.
Construíram a vida cristã em meio a discriminações na condição de minoria religiosa, e desenvolveram formas de sociabilidade que são comuns entre as camadas pobres, tornando a feição deste evangelho vivido num jeito simples, popular, solidário e fervoroso. Embora reproduzissem uma teologia e um formato litúrgico estranhos à cultura nativa, tais crentes reapropriaram-se destes modelos estrangeiros tornando-os mais afeitos ao seu cotidiano e ao seu contexto de vida. Uma vida dura de enfrentamentos diários de problemas agudos de falta de saúde, de educação e de emprego.
O processo de ocupação urbana em muito esclarece o modo como o protestantismo se expandiu em sua força missionária nas primeiras décadas do século 20. Se no século anterior a expansão protestante se deu rumo às fazendas de café nas cidades interioranas de São Paulo e Minas Gerais, bem como nas principais capitais do império, na república esta expansão ocorreu acompanhando os novos fluxos migratórios. O pentecostalismo assembleiano foi resultado deste processo desde Belém, no Pará.
No contexto do Rio de Janeiro, a primeira geração de negros após a abolição em 1888, oriunda dos quilombos periurbanos e da região decadente do Vale do Paraíba, ocupou, juntamente com portugueses, nordestinos e outros migrantes, estes espaços em direção à periferia e aos subúrbios da cidade do Rio.
Também as reformas urbanas como a do prefeito Pereira Passos expulsaram levas de famílias dos cortiços, das cafuas e dos morros da Favela e Santo Antonio, situados nas áreas centrais do distrito federal. As reformas foram feitas em nome da remodelação modernizante, do embranquecimento da raça, da higienização e do progresso, na intenção de imitar as grandes capitais como Paris.
Estas populações expulsas fixaram-se, então, em torno das estações de trem dos ramais da Central do Brasil e, sobretudo, nas encostas dos morros, fazendo surgir paulatinamente novas favelas e bairros marcados pela pobreza, pela violência, pela falta de políticas públicas e pelo descaso preconceituoso das elites governantes.
Como meio de resistência e de afirmação na nova ordem republicana que lhes negava a cidadania, estas populações recriaram formas de cultura e de religião, como o samba e os cultos africanos, além de protestarem contra as condições de trabalho por meio dos ciclos das grandes greves ocoridas de 1903 a 1921. Isto sem contar as revoltas da Vacina e da Chibata, e de outros enfrentamentos.
Sendo assim, entrando na terceira década da república proclamada, já era consenso a decepção ante as promessas da mudança do regime em 1889, ante os casos de corrupção e a ineficiência dos governos em suprir as condições básicas de sobrevivência urbana. Havia a recusa em atribuir dignidade política aos indivíduos como cidadãos portadores de direitos políticos vivendo numa república. O Brasil republicano desenvolveu e acentuou a desigualdade econômica e social, atravessada pelos racismos e pelos preconceitos das elites brancas e ricas.
O diferencial da presença evangélica neste contexto, dentre outros, se dava pela insistência do ensino por meio da escola dominical e das escolas voltadas para a população empobrecida. Em meio à grande massa de analfabetos, a mensagem protestante proporcionava o estímulo de ouvir, falar, ler e aprender a Palavra de Deus por meio da Bíblia.
Mas este ensino e pregação estavam associados a um certo padrão moral de comportamento que, por um lado, marcou uma imagem positiva dos evangélicos em termos de testemunho e ética, mas, por outro, desencadeou em legalismos e em intolerâncias.
A pregação oficial reproduzia os grandes temas da teologia reformada, com linguagem nem sempre compreendida pelos ouvintes. Mas a comunicação dos pregadores e dos professores leigos, inclusive mulheres, tornava o Evangelho mais próximo das angústias e das necessidades das pessoas.
Nota:
Foto da Favela de Saboo (1920) em Santos, SP. Fotógrafo: José Marques Pereira.
Leia mais
Assembleia de Deus 100 anos (revista Ultimato 331)
Servos entre os pobres – Cristo nas favelas urbanas (Viv Grigg)
História da Evangelização do Brasil (Elben César)
Construíram a vida cristã em meio a discriminações na condição de minoria religiosa, e desenvolveram formas de sociabilidade que são comuns entre as camadas pobres, tornando a feição deste evangelho vivido num jeito simples, popular, solidário e fervoroso. Embora reproduzissem uma teologia e um formato litúrgico estranhos à cultura nativa, tais crentes reapropriaram-se destes modelos estrangeiros tornando-os mais afeitos ao seu cotidiano e ao seu contexto de vida. Uma vida dura de enfrentamentos diários de problemas agudos de falta de saúde, de educação e de emprego.
O processo de ocupação urbana em muito esclarece o modo como o protestantismo se expandiu em sua força missionária nas primeiras décadas do século 20. Se no século anterior a expansão protestante se deu rumo às fazendas de café nas cidades interioranas de São Paulo e Minas Gerais, bem como nas principais capitais do império, na república esta expansão ocorreu acompanhando os novos fluxos migratórios. O pentecostalismo assembleiano foi resultado deste processo desde Belém, no Pará.
No contexto do Rio de Janeiro, a primeira geração de negros após a abolição em 1888, oriunda dos quilombos periurbanos e da região decadente do Vale do Paraíba, ocupou, juntamente com portugueses, nordestinos e outros migrantes, estes espaços em direção à periferia e aos subúrbios da cidade do Rio.
Também as reformas urbanas como a do prefeito Pereira Passos expulsaram levas de famílias dos cortiços, das cafuas e dos morros da Favela e Santo Antonio, situados nas áreas centrais do distrito federal. As reformas foram feitas em nome da remodelação modernizante, do embranquecimento da raça, da higienização e do progresso, na intenção de imitar as grandes capitais como Paris.
Estas populações expulsas fixaram-se, então, em torno das estações de trem dos ramais da Central do Brasil e, sobretudo, nas encostas dos morros, fazendo surgir paulatinamente novas favelas e bairros marcados pela pobreza, pela violência, pela falta de políticas públicas e pelo descaso preconceituoso das elites governantes.
Como meio de resistência e de afirmação na nova ordem republicana que lhes negava a cidadania, estas populações recriaram formas de cultura e de religião, como o samba e os cultos africanos, além de protestarem contra as condições de trabalho por meio dos ciclos das grandes greves ocoridas de 1903 a 1921. Isto sem contar as revoltas da Vacina e da Chibata, e de outros enfrentamentos.
Sendo assim, entrando na terceira década da república proclamada, já era consenso a decepção ante as promessas da mudança do regime em 1889, ante os casos de corrupção e a ineficiência dos governos em suprir as condições básicas de sobrevivência urbana. Havia a recusa em atribuir dignidade política aos indivíduos como cidadãos portadores de direitos políticos vivendo numa república. O Brasil republicano desenvolveu e acentuou a desigualdade econômica e social, atravessada pelos racismos e pelos preconceitos das elites brancas e ricas.
O diferencial da presença evangélica neste contexto, dentre outros, se dava pela insistência do ensino por meio da escola dominical e das escolas voltadas para a população empobrecida. Em meio à grande massa de analfabetos, a mensagem protestante proporcionava o estímulo de ouvir, falar, ler e aprender a Palavra de Deus por meio da Bíblia.
Mas este ensino e pregação estavam associados a um certo padrão moral de comportamento que, por um lado, marcou uma imagem positiva dos evangélicos em termos de testemunho e ética, mas, por outro, desencadeou em legalismos e em intolerâncias.
A pregação oficial reproduzia os grandes temas da teologia reformada, com linguagem nem sempre compreendida pelos ouvintes. Mas a comunicação dos pregadores e dos professores leigos, inclusive mulheres, tornava o Evangelho mais próximo das angústias e das necessidades das pessoas.
Nota:
Foto da Favela de Saboo (1920) em Santos, SP. Fotógrafo: José Marques Pereira.
Leia mais
Assembleia de Deus 100 anos (revista Ultimato 331)
Servos entre os pobres – Cristo nas favelas urbanas (Viv Grigg)
História da Evangelização do Brasil (Elben César)
Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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