Opinião
- 30 de agosto de 2021
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O espírito democrático e a espiritualidade cristã
Por Ricardo Barbosa de Sousa
A democracia na civilização pós-moderna vem se ajustando a novas formas e conceitos. Ela não está mais limitada apenas à esfera política e às relações entre o povo e seu governo, mas vem se expandindo em todas as esferas de relacionamentos. Ser democrático é saber respeitar e acolher as diferenças; não impor nenhuma forma de pensamento ou conceito; não ser absoluto em nenhuma afirmação; não exercer nenhum tipo de autoridade ou exigir qualquer forma de fidelidade. A nova democracia vem deixando de lado sua relação histórica com as grandes verdades públicas para se identificar com as opções privadas.
Na sociedade pós-moderna cada um quer ter garantido seu direito à privacidade. Este é o grande valor da democracia hoje. Isso significa, não apenas que podemos escolher a forma de governo, mas sobretudo a forma como iremos viver (e isto não diz respeito a mais ninguém, apenas a mim). Cada um escolhe o que quer, como quer e quando quer. Isso significa que podemos escolher também um deus e uma forma particular de viver a fé que seja só minha e sobre a qual eu não tenha de dar satisfação a ninguém.
Enquanto a democracia permanece circunscrita ao terreno das grandes questões públicas, dando forma ao Estado e às relações entre os poderes constituídos, ela permanece como um modelo político que garante a liberdade e a soberania de um povo e uma nação. No entanto, quando ela se reduz a este espírito democrático individualista, acaba promovendo uma espécie de zoológico social, cuja liberdade só se dá na jaula em que cada um vive sua privacidade. Com isso, privamos a sociedade das bênçãos da vida comunitária. O que aconteceria se permitíssemos que nossos filhos aprendessem na escola que 2+2=5 ou que a lei da gravidade é um conceito relativo que depende da fé de cada um? Esses conceitos não são privados, e dependemos deles para a nossa segurança. A bênção do conhecimento nunca foi um privilégio restrito aos cientistas, mas compartilhada com toda a raça humana. Contudo, por causa desde espírito democrático individualista, somos tentados a pensar que a revelação de Deus, seus propósitos para o ser humano e para toda a criação, os mandamentos espirituais e morais, são privados e não devem ser compartilhados com a sociedade, mas cultivados apenas na jaula religiosa de cada um.
Porém, nada é mais social do que a fé. Os votos que fazemos diante de Deus no batismo, casamento ou ordenação têm profundas implicações sociais. A confissão de que Jesus Cristo é o Filho de Deus encarnado, que morreu pelos nossos pecados, ressuscitou no terceiro dia e virá outra vez para estabelecer definitivamente seu reino de paz e justiça, tem profundas implicações sociais. Afirmar que a Bíblia é a Palavra de Deus e a revelação do seu amor e propósitos para a raça humana também tem profundas implicações sociais. Ser democrático é reconhecer o direito que todos têm de compartilhar o conhecimento, e isso inclui compartilhar as verdades redentoras do evangelho de Cristo.
Não crer em Deus e não amá-lo de todo o coração e todo o entendimento conduz o ser humano a um estado de solidão e alienação no qual ele acaba perdendo os referenciais. Sem Deus, o homem é entregue a si mesmo e caminha, lentamente, para a escuridão da sua insensatez. Se o sentido da existência humana permanece trancado na jaula do individualismo, que esperança pode haver para a humanidade? O narcisismo individualista tem produzido seus próprios deuses, como Mamon, que inspira a ambição, ou Afrodite, que inspira a sensualidade. São deuses que nascem nas jaulas do individualismo.
A cultura pós-moderna clama por um Redentor que a redima das armadilhas que ela mesma criou. Um Salvador que a salve dos desejos egoístas, cultivados na solidão ansiosa da privacidade, para uma vida de renúncia e doação. Um Libertador que a liberte da sedução de querer ser seu próprio Deus. Precisamos lutar por uma democracia que garanta a todos o direito de conhecer a verdade que liberta e por um cristianismo cheio de paixão por Deus e pelo ser humano, criado à sua imagem e semelhança.
Artigo publicado originalmente na revista Ultimato, edição 302, setembro/outubro de 2006.
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Pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília (DF). É colunista da revista Ultimato e autor de A Espiritualidade, o Evangelho e a Igreja, Pensamentos Transformados, Emoções Redimidas e O Caminho do Coração.
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