Opinião
19 de fevereiro de 2025
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O espanto da fé
A articulação da fé verdadeira passa pelo maravilhamento diante dos mistérios que nos cercam.
Por Davi Daniel de Oliveira
E aqueles homens se maravilharam, dizendo: Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem? (Mt 8.27)
Com uma mente ainda despida de concepções religiosas sedimentadas, meu filho adora me fazer perguntas instigantes sobre a fé, perguntas que considero de genuíno espanto. Ele fica maravilhado com muitas coisas da fé, porém sem ainda conseguir articulá-las. E isso não é um problema. Particularmente, tenho aprendido com ele a não submeter a minha fé ao racionalismo frio, mas reconhecer que não sei muitas coisas e que é parte indissociável da jornada cristã aprender a lidar com o mistério.
REVISTA ULTIMATO – LAUSANNE – QUE A IGREJA ANUNCIE E DEMONSTRE CRISTO EM UNIDADE
“Que a Igreja anuncie e demostre Cristo, unida” é o tema do 4º Congresso Lausanne de Evangelização Mundial realizado em setembro de 2024 na Coreia do Sul, e registrado por Ultimato numa ampla matéria de capa.
Colaboraram com esta edição líderes, missionários, pastores que participaram do evento e que prosseguem trabalhando em favor do cumprimento da Grande Comissão.
É disso que trata a matéria de capa da edição 411 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Espanto, por Klênia Fassoni
» O espanto do Natal, e o espetáculo da Graça
Por Davi Daniel de Oliveira

Se a maçã de fato caiu na cabeça de Sir Isaac Newton ou se ele apenas observou o fenômeno, não sabemos. Desse icônico caso da história do pensamento, chegamos às postulações teóricas sobre as leis da gravidade, evento que revolucionou as ciências físicas de seu tempo (e dos nossos). O que me chama atenção neste episódio é como um acontecimento tão ordinário pôde ter despertado no físico inglês essa construção teórica até então inédita.
Aristóteles defendia que "o conhecimento (verdadeiro) só acontece por meio do "espanto"". O espanto, no contexto epistemológico (i.e., do meio e método pelo qual conhecemos as coisas), é uma mistura de admiração, perplexidade e maravilhamento que impulsiona o indivíduo em busca de conhecimento. Esse espanto é a curiosidade que move a humanidade em busca de respostas para perguntas não respondidas. Espantar-se é ver além do corriqueiro. Possivelmente, assim estava Newton, admirado e perplexo com o movimento mecânico de uma mera maçã a se desgarrar da macieira.
Newton é um pensador da modernidade que, junto com René Descartes e outros pensadores dos séculos 17 e 18, moldaram definitivamente a forma da sociedade pensar. Esse pensamento iluminista é hegemônico na contemporaneidade, tento tomado a sociedade, e tomado também as Igrejas. Somos cristãos que habitam essa tradição racionalista e isso tem efeitos indeléveis no exercício da nossa fé.
Não há nada de errado em pensarmos a fé com o auxílio da racionalidade, até como meio de defendê-la (I Pedro 3:15). Porém, por estarmos profundamente inseridos nessa estrutura de plausibilidade iluminista, muitas vezes submetemos a fé a elementos estranhos à tradição cristã, tradição essa fundamentada no relacionamento com o mistério. Para Blaise Pascal, em seus Pensamentos, “o último passo da razão é entender que infinitas coisas a transcendem”. A razão é que deve ser submetida a fé, e não o contrário. Já Santo Agostinho articulava a relação da razão e da fé dizendo que ele “cria para compreender e compreendia para crer melhor".
Fato é que somente mediante o "salto da fé" que encontramos o Sagrado e com Ele nos relacionamos, pois sem fé é impossível agradar a Deus. A articulação da fé verdadeira passa pelo maravilhamento diante dos mistérios que nos cercam.
Os discípulos no barco com Jesus foram arrebatados por este espanto e perplexidade (ἐθαύμασαν) diante do sossegar da tempestade. “Quem é este?", se perguntavam atônitos. Judeus de origem, acostumados com as narrativas e feitos de Jeová ao conduzir seu povo no Antigo Testamento, os discípulos sabiam muito bem que somente Deus tem domínio sobre os elementos da natureza e os submete à sua vontade (Salmo 104). Sim, o Deus todo-poderoso estava no barco com eles, e por isso havia um senso insuperável de mistério e maravilhamento no drama relatado nos Evangelhos de Marcos e Mateus.
É um chamado urgente voltarmos a nos espantar, a nos "maravilhar" com a fé, com o Deus que se encarna para viver a vida que não tínhamos condições de viver e morrer a morte que merecíamos ter morrido. É urgente nos espantarmos com um Deus que, embora totalmente Outro, nos alcança em nossa singularidade, um Deus que nos vê e sente compaixão de nós (Mateus 9:36-37). É urgente nos espantarmos com um Deus que chora diante de nossos dramas e, mesmo mortos, nos chama à vida (João 11).
Com uma mente ainda despida de concepções religiosas sedimentadas, meu filho adora me fazer perguntas instigantes sobre a fé, perguntas que considero de genuíno espanto. Ele fica maravilhado com muitas coisas da fé, porém sem ainda conseguir articulá-las. E isso não é um problema. Particularmente, tenho aprendido com ele a não submeter a minha fé ao racionalismo frio, mas reconhecer que não sei muitas coisas e que é parte indissociável da jornada cristã aprender a lidar com o mistério.
Que por meio da meditação, contemplação e solitude, possamos renovar nossa mente na capacidade de nos maravilharmos com a grandeza dos feitos e da pessoa de Jesus; "abrindo nossos olhos" para olharmos além do prosaico, vendo beleza na ordem criada que nos cerca e, principalmente, que possamos lidar com o mistério da fé de forma madura e humilde.
- Davi Daniel de Oliveira, divide com Raquel, sua esposa, a jornada de paternidade de dois meninos, um neuro-atípico e outro não. A família mora no interior de São Paulo, serve no ministério infantil da Igreja Batista Memorial Alphaville, em São José dos Campos, e busca viver um dia de cada vez.

“Que a Igreja anuncie e demostre Cristo, unida” é o tema do 4º Congresso Lausanne de Evangelização Mundial realizado em setembro de 2024 na Coreia do Sul, e registrado por Ultimato numa ampla matéria de capa.
Colaboraram com esta edição líderes, missionários, pastores que participaram do evento e que prosseguem trabalhando em favor do cumprimento da Grande Comissão.
É disso que trata a matéria de capa da edição 411 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
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