Opinião
- 14 de julho de 2023
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O discurso divino e a voz da igreja
Por Nicholas Wolterstorff
Existe um aspecto surpreendente do modo como a Bíblia é usada na comunidade cristã: a Bíblia não foi arquivada e guardada. Os cristãos a continuam lendo, e fazendo outras coisas com ela. Não apenas os noviços em cada geração, mas aqueles que a vão lendo desde a infância e por diante. O mesmo ocorre com a Bíblia Hebraica no judaísmo e com o Corão no Islã.
Existe um aspecto surpreendente do modo como a Bíblia é usada na comunidade cristã: a Bíblia não foi arquivada e guardada. Os cristãos a continuam lendo, e fazendo outras coisas com ela. Não apenas os noviços em cada geração, mas aqueles que a vão lendo desde a infância e por diante. O mesmo ocorre com a Bíblia Hebraica no judaísmo e com o Corão no Islã.
Por que isso acontece? Se se trata de um instrumento do discurso divino, ou, alternativamente, de um meio da revelação divina, por que aqueles que já descobriram o que é dito ou revelado por esse intermédio não se dão por satisfeitos e se concentram em outras coisas? Não falo sobre concentrar-se em coisas além do conteúdo do discurso ou da revelação; é extremamente importante mantermos isso em mente. Mas sobre concentrar-se em coisas além desse meio de revelação. Normalmente, quando algo importante nos é dito ou revelado, não ficamos voltando para o instrumento do discurso ou para o meio da revelação; o instrumento ou meio cumpriu seu papel, e seguimos em diante. Por que esse retorno incessante à Bíblia?
Se não se enxerga nenhuma maneira de aperfeiçoamento nesse modo de dizer o que Deus disse ou nesse modo de comunicar o que Deus revelou, então é claro que é importante continuar apresentando a Bíblia a novos membros da comunidade. Mas por que os membros antigos continuam voltando a ela? E, quanto à impossibilidade de aperfeiçoamento: os nossos pastores, intérpretes da Bíblia e teólogos não estão, na verdade, tacitamente assumindo que esse meio pode ser aperfeiçoado? Eles não estão assumindo que, em geral, a maneira como a Bíblia realiza o discurso ou comunica a revelação é um tanto quanto difícil e obscura, e que, ainda assim, se nos debruçarmos sobre ela poderemos ver o que é dito e poderemos colocar isso de maneira mais clara, e que eles mesmos fazem isso? Mas, se esse é o caso, por que não ficar apenas com os esclarecimentos retirados do texto? Por que ficar retornando incessantemente ao texto do qual os esclarecimentos foram retirados?
O que me parece ser a resposta correta para essa questão tem duas partes. A primeira parte é que a comunidade assume, por sua prática, que, não importa quão bem-sucedidas sejam interpretações prévias, algum esclarecimento adicional sempre é possível; a atividade de discernir o discurso divino está sempre incompleta. E está incompleta de duas maneiras. Em primeiro lugar, não posso, em geral, simplesmente assumir que o que Deus disse a mim na minha situação ou a meu grupo na nossa situação por meio desse texto é exatamente o que Deus disse a outros leitores e intérpretes anteriores em suas respectivas situações. Mas, se existe de fato uma rica diversidade na particularidade do que Deus disse a pessoas diferentes por meio da Sua autoria de tal texto, então essas pessoas diferentes devem tentar discernir tal pluralidade. Em segundo lugar, o fato de que a interpretação está sempre incompleta se baseia na sutileza do texto tanto quanto na diversidade do que foi dito a quem. Às vezes somos obstruídos em nossas tentativas de interpretação; frequentemente nossas interpretações se equivocam. A Bíblia é uma carta rica, e repleta de sutilezas, de um amigo nosso dirigida a nosso grupo. Repetidamente, quando voltamos a ela, seja como indivíduos ou como um grupo, perguntando-nos o que esse amigo estava dizendo, somos recompensados com novas percepções. Em parte, isso ocorre porque cada um de nós em determinado estágio de nossas vidas é cognitivamente privilegiado em relação a certas facetas da realidade e cognitivamente desprivilegiado em relação a outras. Se uma pessoa desfrutou de riqueza durante toda a sua vida, certos aspectos do texto bíblico quase certamente passarão despercebidos; se uma pessoa viveu sob opressão, certos aspectos saltarão aos olhos.
A outra parte da resposta é que a comunidade assume, por sua prática, que a importância da Bíblia vai além do fato de ser um instrumento do discurso divino. A comunidade assume uma importância a mais para a Bíblia. Em primeiro lugar, as palavras e os mundos projetados pelas Escrituras se mostram dignos de serem contemplados por si sós; há uma arte da narrativa bíblica, uma arte da poética bíblica, e ressonâncias fascinantes entre as partes do texto e os mundos. Além disso, a Igreja ao longo das eras se viu atraída pelo uso das palavras da Escritura para seu próprio discurso: ela dá voz a seu próprio louvor e lamento por meio das palavras dos Salmos, ela dá voz às suas próprias bênçãos por meio das palavras de Paulo, ela dá voz às suas próprias esperanças por meio das palavras do Apocalipse. Mas, em terceiro lugar, e talvez de maneira mais importante, a Igreja desejou ser a tal ponto moldada pelas próprias frases e imagens da Escritura, pelas narrativas e pelos cânticos, pelas exortações e pelas visões, que ela enxerga a realidade e imagina possibilidades através dessas frases e imagens, através dessas narrativas e desses cânticos, através dessas exortações e visões. Um poema é uma peça de discurso; e um bom poema é rico e sutil no discurso do qual ele é o instrumento. Mas um bom poema é mais do que isso, muito mais do que isso, mais do que o instrumento sutil de um discurso rico; ele é um discurso saturado de significado. Ele proporciona material para a nossa meditação, oferece palavras para a nossa voz, dá forma à nossa consciência, molda a nossa interpretação da vida e da realidade. Depois de Shakespeare, muitos são aqueles para quem o mundo é um palco e todos os homens e mulheres não são mais do que atores.
Trecho do livro Discurso Divino – Reflexões filosóficas sobre a tese de que Deus fala.
Trecho do livro Discurso Divino – Reflexões filosóficas sobre a tese de que Deus fala.
- Nicholas Wolterstorff é professor emérito de teologia filosófica na Universidade de Yale, Estados Unidos. Antes, foi professor de filosofia no Calvin College, em Grand Rapids, Michigan, e professor visitante em diversas universidades, como Universidade Notre Dame, Universidade de Oxford e Universidade Livre de Amsterdã. É autor de, entre outros, Lamento — A fé em meio ao sofrimento e à morte e Discurso Divino – Reflexões filosóficas sobre a tese de que Deus fala.
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Ao todo, Jesus contou 38 parábolas. Mais de um terço delas trata de assuntos ligados a posses e riquezas. Há cerca de quinhentos versículos sobre oração na Bíblia. Sobre dinheiro e posses são mais de 2.300.
As Escrituras se ocupam desse assunto porque ele é crucial para a fé. Trata-se de onde colocamos nossos afetos e a quem seguimos. Jesus adverte: “Onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6.21).
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