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- 09 de setembro de 2016
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O Darwinismo tornou-se maior que Darwin?
Para entender melhor o que é o Darwinismo, selecionamos um trecho (páginas 38-41 e 43) de Deus e Darwin – Teologia Natural e Pensamento Evolutivo, nosso lançamento de setembro, escrito pelo cientista e teólogo Alister McGrath. Leia abaixo.
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Darwinismo: Um termo defensável?
Muitas teorias científicas se tornam conhecidas, inicialmente, pelos nomes de seus criadores e principais defensores. O “darwinismo” é um exemplo deste fenômeno, recebendo seu nome de Charles Darwin (1809-1882), cujas obras estabeleceram a teoria da descendência com modificações por meio da seleção natural, mais conhecida (embora de forma muito menos precisa) simplesmente como a “teoria da evolução”.
Examinaremos o desenvolvimento das visões de Darwin posteriormente neste livro (páginas 143-70), dedicando-nos especialmente ao contexto intelectual em que elas surgiram. Contudo, tais teorias passam, posteriormente, por mudanças e são reformuladas com o tempo, de forma com que a prática de batizá-las de acordo com o nome de seus criadores pode ser até interessante de um ponto de vista histórico, deixando claras as suas linhagens e ancestralidades, mas não necessariamente esclarece seus postulados atuais e fundamentais.
Sendo assim, seria legítimo utilizar o termo “darwinismo” para se referir a teorias contemporâneas de evolução biológica? Alguns autores certamente defenderiam o uso contínuo do termo nesse sentido. Jean Gayone é um ótimo exemplo de autor que adota essa posição.
A relação entre Darwin e o darwinismo é, em alguns aspectos, uma relação causal, no sentido de que o autor influenciou os debates que o sucederam. Mas há algo mais: uma espécie de isomorfismo entre o darwinismo de Darwin e o darwinismo histórico. É como se a própria contribuição de Darwin tivesse limitado o desenvolvimento conceitual e empírico da biologia evolutiva para sempre.
De fato, pode-se defender que o “darwinismo” designa uma “tradição de pesquisa”, um “programa de pesquisa”, ou uma “prática científica”. Nesta acepção, em qualquer momento de sua história, o darwinismo pode ser considerado como uma família de teorias que se relacionam por uma ontologia, metodologia e metas comuns, que geraram uma linhagem de teorias que, embora se distanciem da abordagem de seu fundador, tanto cronológica quanto conceitualmente, continuam a inspirar-se nela.
Outros, contudo, consideram o emprego do termo “darwinismo” como algo profundamente problemático. Por que o pensamento contemporâneo acerca da evolução deveria ser descrito nestes termos? Afinal de contas, o termo “copernicanismo” não é utilizado para referir-se à maneira específica como se concebe o sistema solar, desenvolvida no século 16 por Nicolau Copérnico (1473-1543) e seus sucessores imediatos. O termo “copernicanismo” é considerado, de forma geral, como historicamente defensável, principalmente porque marcou uma oposição decisiva à forma outrora dominante de pensamento geocêntrico, denominada modelo “ptolomaico”.
Copérnico desenvolveu uma teoria para o sistema solar que complementava sua hipótese primária heliocêntrica com uma hipótese subsidiária de que os movimentos de todos os corpos planetários e lunares deveriam ser circulares e uniformes. O termo “copernicanismo”, portanto, refere-se a uma teoria que incorporava tanto a suposição heliocêntrica central correta, quanto a suposição subsidiária incorreta de que todos os planetas orbitam o sol em círculos perfeitos e em velocidades constantes. A primeira suposição fora posteriormente confirmada, enquanto a segunda fora corrigida por Johannes Kepler (1571-1630).
O termo “copernicanismo” designa, assim, um modelo específico do sistema solar, que inclui alguns elementos hoje vistos como corretos, e outros reconhecidamente equivocados. O mesmo se aplica ao termo “darwinismo”. A teoria de Darwin acerca da origem das espécies consiste numa série de elementos, dentre os quais dois se destacam em importância: a ideia da “evolução”, consistindo na crença de que os seres vivos descenderam, com modificações, de ancestrais comuns; e um mecanismo proposto, a partir do qual tal ocorrência se deu e que Darwin chamara de “seleção natural”. É impossível compreender o processo histórico de avaliação e recepção das ideias de Darwin sem fazer uma distinção desses dois elementos, que claramente podem ser desassociados, tanto conceitualmente, quanto historicamente. Por exemplo, estudos acerca da recepção das ideias de Darwin após a publicação de “A Origem das Espécies” sugerem que o conceito de descendência com modificações recebeu enorme respaldo da comunidade científica britânica no intervalo de uma década. A ideia de seleção natural, em contrapartida, era vista como tremendamente problemática, principalmente em vista do problema genético de mistura ou “blending”. O “darwinismo” é um termo composto, referindo-se a uma rede de ideias interligadas acerca das origens e desenvolvimento das espécies, incluindo – a noção básica de seleção natural, sem se restringir ou ser unicamente definido por ela.
Seria possível afirmar, portanto, que o “darwinismo” designa um conjunto de ideias que se originaram a partir das obras de Darwin, e não simplesmente a ideia da evolução das espécies em si. Contudo, será que esse termo poderia ser utilizado para designar o “pensamento evolutivo”? Atualmente, uma série de pensadores sustenta que não, e que ele não deveria ser empregado dessa forma. Por esta perspectiva, o “darwinismo” consistiria essencialmente num termo histórico, que deveria ser empregado apenas para se referir a ideias desenvolvidas pelo próprio Darwin. Conforme sabemos, a biologia evolutiva desenvolveu uma série de ideias que definitivamente não são darwinianas – quer dizer, ideias que Darwin desconhecia completamente. Falar de darwinismo seria, portanto, totalmente equivocado, sugerindo que Darwin fosse “o princípio e o fim, o alfa e o ômega da biologia evolutiva”, e que a disciplina sofrera pequenas modificações desde a publicação de “A Origem das Espécies”. Uma série de ocorrências fez com que a disciplina se movesse muito além do cenário intelectual contemplado por Darwin.
A abordagem moderna sobre a teoria evolutiva, embora se baseie na teoria de seleção natural de Darwin, foi inicialmente complementada pela genética mendeliana das décadas de 1930 e 1940, e, posteriormente, pelo desenvolvimento dos sistemas matemáticos, que permitiram o modelamento da evolução das populações nas décadas de 1940 e 1950, bem como o surgimento de uma compreensão da base molecular da evolução, por meio das estruturas e funções do RNA e do DNA. Continuar falando de “darwinismo”, conforme afirmam alguns, simplesmente fomentaria a percepção incorreta e infeliz de que a área permanecera estagnada ao longo dos 150 anos que se seguiram a obra de Darwin.
(...)
O titulo deste livro – Deus e Darwin – tem a intenção de retomar o contínuo diálogo acerca da grande importância cultural das ideias de Darwin, incluindo a visão mais extremada de que o “darwinismo” designaria uma narrativa mais abrangente e que necessariamente excluiria ideias de transcendência, propósito e, acima de tudo, da crença em Deus. O subtítulo, um pouco mais neutro – “teologia natural e pensamento evolutivo” – deixa clara a minha intenção de contestar e retificar aquelas que considero abordagens metafisicamente exageradas à biologia evolutiva, permitindo, assim, uma exploração mais equilibrada e adequada à verdadeira importância do pensamento evolutivo para a teologia natural.
• Alister McGrath é um dos mais influentes pensadores cristãos da atualidade. Bioquímico, com pós-doutorado em biofísica molecular e doutorado em teologia, é professor de ciência e religião na Universidade de Oxford. É autor de vários livros, entre eles A Ciência de Deus, O Delírio de Dawkins, Como Lidar com a Dúvida e Teologia Pura e Simples. É presidente do Centro Oxford para Apologética Cristã.
Leia também
No princípio... o quê? Darwin, o evolucionismo e os cristãos
Ciência, Intolerância e Fé
Crer é também pensar
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Darwinismo: Um termo defensável?
Muitas teorias científicas se tornam conhecidas, inicialmente, pelos nomes de seus criadores e principais defensores. O “darwinismo” é um exemplo deste fenômeno, recebendo seu nome de Charles Darwin (1809-1882), cujas obras estabeleceram a teoria da descendência com modificações por meio da seleção natural, mais conhecida (embora de forma muito menos precisa) simplesmente como a “teoria da evolução”.
Examinaremos o desenvolvimento das visões de Darwin posteriormente neste livro (páginas 143-70), dedicando-nos especialmente ao contexto intelectual em que elas surgiram. Contudo, tais teorias passam, posteriormente, por mudanças e são reformuladas com o tempo, de forma com que a prática de batizá-las de acordo com o nome de seus criadores pode ser até interessante de um ponto de vista histórico, deixando claras as suas linhagens e ancestralidades, mas não necessariamente esclarece seus postulados atuais e fundamentais.
Sendo assim, seria legítimo utilizar o termo “darwinismo” para se referir a teorias contemporâneas de evolução biológica? Alguns autores certamente defenderiam o uso contínuo do termo nesse sentido. Jean Gayone é um ótimo exemplo de autor que adota essa posição.
A relação entre Darwin e o darwinismo é, em alguns aspectos, uma relação causal, no sentido de que o autor influenciou os debates que o sucederam. Mas há algo mais: uma espécie de isomorfismo entre o darwinismo de Darwin e o darwinismo histórico. É como se a própria contribuição de Darwin tivesse limitado o desenvolvimento conceitual e empírico da biologia evolutiva para sempre.
De fato, pode-se defender que o “darwinismo” designa uma “tradição de pesquisa”, um “programa de pesquisa”, ou uma “prática científica”. Nesta acepção, em qualquer momento de sua história, o darwinismo pode ser considerado como uma família de teorias que se relacionam por uma ontologia, metodologia e metas comuns, que geraram uma linhagem de teorias que, embora se distanciem da abordagem de seu fundador, tanto cronológica quanto conceitualmente, continuam a inspirar-se nela.
Outros, contudo, consideram o emprego do termo “darwinismo” como algo profundamente problemático. Por que o pensamento contemporâneo acerca da evolução deveria ser descrito nestes termos? Afinal de contas, o termo “copernicanismo” não é utilizado para referir-se à maneira específica como se concebe o sistema solar, desenvolvida no século 16 por Nicolau Copérnico (1473-1543) e seus sucessores imediatos. O termo “copernicanismo” é considerado, de forma geral, como historicamente defensável, principalmente porque marcou uma oposição decisiva à forma outrora dominante de pensamento geocêntrico, denominada modelo “ptolomaico”.
Copérnico desenvolveu uma teoria para o sistema solar que complementava sua hipótese primária heliocêntrica com uma hipótese subsidiária de que os movimentos de todos os corpos planetários e lunares deveriam ser circulares e uniformes. O termo “copernicanismo”, portanto, refere-se a uma teoria que incorporava tanto a suposição heliocêntrica central correta, quanto a suposição subsidiária incorreta de que todos os planetas orbitam o sol em círculos perfeitos e em velocidades constantes. A primeira suposição fora posteriormente confirmada, enquanto a segunda fora corrigida por Johannes Kepler (1571-1630).
O termo “copernicanismo” designa, assim, um modelo específico do sistema solar, que inclui alguns elementos hoje vistos como corretos, e outros reconhecidamente equivocados. O mesmo se aplica ao termo “darwinismo”. A teoria de Darwin acerca da origem das espécies consiste numa série de elementos, dentre os quais dois se destacam em importância: a ideia da “evolução”, consistindo na crença de que os seres vivos descenderam, com modificações, de ancestrais comuns; e um mecanismo proposto, a partir do qual tal ocorrência se deu e que Darwin chamara de “seleção natural”. É impossível compreender o processo histórico de avaliação e recepção das ideias de Darwin sem fazer uma distinção desses dois elementos, que claramente podem ser desassociados, tanto conceitualmente, quanto historicamente. Por exemplo, estudos acerca da recepção das ideias de Darwin após a publicação de “A Origem das Espécies” sugerem que o conceito de descendência com modificações recebeu enorme respaldo da comunidade científica britânica no intervalo de uma década. A ideia de seleção natural, em contrapartida, era vista como tremendamente problemática, principalmente em vista do problema genético de mistura ou “blending”. O “darwinismo” é um termo composto, referindo-se a uma rede de ideias interligadas acerca das origens e desenvolvimento das espécies, incluindo – a noção básica de seleção natural, sem se restringir ou ser unicamente definido por ela.
Seria possível afirmar, portanto, que o “darwinismo” designa um conjunto de ideias que se originaram a partir das obras de Darwin, e não simplesmente a ideia da evolução das espécies em si. Contudo, será que esse termo poderia ser utilizado para designar o “pensamento evolutivo”? Atualmente, uma série de pensadores sustenta que não, e que ele não deveria ser empregado dessa forma. Por esta perspectiva, o “darwinismo” consistiria essencialmente num termo histórico, que deveria ser empregado apenas para se referir a ideias desenvolvidas pelo próprio Darwin. Conforme sabemos, a biologia evolutiva desenvolveu uma série de ideias que definitivamente não são darwinianas – quer dizer, ideias que Darwin desconhecia completamente. Falar de darwinismo seria, portanto, totalmente equivocado, sugerindo que Darwin fosse “o princípio e o fim, o alfa e o ômega da biologia evolutiva”, e que a disciplina sofrera pequenas modificações desde a publicação de “A Origem das Espécies”. Uma série de ocorrências fez com que a disciplina se movesse muito além do cenário intelectual contemplado por Darwin.
A abordagem moderna sobre a teoria evolutiva, embora se baseie na teoria de seleção natural de Darwin, foi inicialmente complementada pela genética mendeliana das décadas de 1930 e 1940, e, posteriormente, pelo desenvolvimento dos sistemas matemáticos, que permitiram o modelamento da evolução das populações nas décadas de 1940 e 1950, bem como o surgimento de uma compreensão da base molecular da evolução, por meio das estruturas e funções do RNA e do DNA. Continuar falando de “darwinismo”, conforme afirmam alguns, simplesmente fomentaria a percepção incorreta e infeliz de que a área permanecera estagnada ao longo dos 150 anos que se seguiram a obra de Darwin.
(...)
O titulo deste livro – Deus e Darwin – tem a intenção de retomar o contínuo diálogo acerca da grande importância cultural das ideias de Darwin, incluindo a visão mais extremada de que o “darwinismo” designaria uma narrativa mais abrangente e que necessariamente excluiria ideias de transcendência, propósito e, acima de tudo, da crença em Deus. O subtítulo, um pouco mais neutro – “teologia natural e pensamento evolutivo” – deixa clara a minha intenção de contestar e retificar aquelas que considero abordagens metafisicamente exageradas à biologia evolutiva, permitindo, assim, uma exploração mais equilibrada e adequada à verdadeira importância do pensamento evolutivo para a teologia natural.
• Alister McGrath é um dos mais influentes pensadores cristãos da atualidade. Bioquímico, com pós-doutorado em biofísica molecular e doutorado em teologia, é professor de ciência e religião na Universidade de Oxford. É autor de vários livros, entre eles A Ciência de Deus, O Delírio de Dawkins, Como Lidar com a Dúvida e Teologia Pura e Simples. É presidente do Centro Oxford para Apologética Cristã.
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