Opinião
- 10 de julho de 2015
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Ó, culpa feliz!
SEMANA "CULPA E GRAÇA"
Agostinho de Hipona era mesmo muito bom de bola. “Confissões”, por exemplo, é um golaço. Daqueles que o Neymar ou o Messi fazem e que, para humilhar o restante mortal da humanidade, parece brincadeira de criança. Engenho. Arte. Dom. Meu professor mais brilhante de literatura dizia que “esse livro inventou o conceito de autobiografia”. E biografia espiritual, eu diria, antes, bem antes dos “Pensamentos”, de Pascal e dessa lindeza que é Surpreendido pela alegria, de C.S. Lewis, ou ainda “A montanha dos sete patamares”, do monge-literato Thomas Merton.
Mas, não tem jeito, Agostinho bateu umas pra fora, bicudas feias: seu caso mal resolvido com o neoplatonismo, por exemplo; ou a sua ênfase no celibato, ao ler Paulo de modo radical (1 Cor 7.1,2 ). Por exemplo, é irritante perceber que o Bispo africano achava mesmo que o celibato era superior ao matrimônio. Sua mal resolvida e notória promiscuidade antes da conversão desembocou numa implicância com a sexualidade. Eu diria que Agostinho é o pai dessa ideia comum na cristandade de que “ pecado é sexo, e sexo é pecado”. Quando ouvimos “fulano caiu em pecado” não pensamos “o que”, mas sim “com quem”.
Mas, falando sério, a conversa aqui é muito mais sobre o conceito de culpa e como, na igreja e na vida, lidamos com o mesmo ou com a vida a partir do conceito que alimentarmos, que mantivermos. Esse mesmo Agostinho, contraditoriamente genial como todos os grandes homens, especialmente os de Deus, dizia que “o cristão quando cai, cai de joelhos... ó, “felix culpa” (ó, culpa feliz), que me leva aos pés do Nazareno”!
A igreja que conheço mais, a “igreja fundamentalista da minha infância e juventude”, como diria Philip Yancey, tem enfatizado muito mais o culpa do que a graça. Temos feito categórica e sistematicamente muito mais a opção pelo farisaísmo do que pela graça, que zera a culpa (zera a reza, diria Caetano Veloso, na sua canção neoconcretista), lava a alma, redime a vida. Culpa real, ensinou-nos Paul Tournier, é algo muito bem-vindo. Hoje, sob os auspícios da psiquiatria e psicologia, sabemos que a psicopatologia é marcada por ausência de culpa - e dos demais sentimentos, é claro. Assassino em série não sente culpa. Nenhuma. O problema não é a culpa real, que é chamada nas Escrituras de “tristeza segundo Deus” (Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte. 2 Co 7.10). Mas a culpa falsa, pondo os dois Paulos, o de Tarso e o da Suíça (Tournier), para dialogarem, resulta no conceito de “tristeza segundo o mundo”, aniquila, mata. Prestou atenção? É letal.
>> Conheça o lançamento Culpa e Graça, de Paul Tournier
Pense, por exemplo, em Simão Pedro e Judas Iscariotes. Os dois traíram o Senhor. O primeiro para não se prejudicar. O segundo para se beneficiar. Mas ambos traíram. Pisaram feio na bola. O ponto é que o primeiro foi tomado pela culpa real, por essa tal “tristeza segundo Deus”, e arrependeu-se, foi restaurado. O segundo foi esmagado pela “tristeza do mundo” e tirou a própria vida, destruído pelo remorso. Sim, eu diria que remorso é o nome usual para “a tristeza do mundo”. Arrependimento é bem diferente de remorso. Arrependimento (etimológica e exegeticamente significa mudança de mente/mentalidade, “metanóia”, outra cabeça e pensamento) olha para a frente, para o futuro, para a vida a partir daí. Lembro-me da observação tão lúcida de Kierkegaard: “a vida só pode ser compreendida ao olharmos para trás, mas só pode ser vivida ao olharmos para o futuro”. Remorso olha para trás. O tempo todo. Obsessivamente, ele concentra o olha no retrovisor. Por isso, ao considerar essas duas coisas, culpa e graça, eu fico com (o melhor de) Agostinho: ó “felix culpa”, ó culpa abençoado , feliz - que me faz olhar para meus (muitos pecados e meu Pecado) e dizer: seu peso, seu estrago, sua miséria e sua vergonha , conduzem-me a Cristo!
Leia também
Graça eterna para culpas modernas (Rubem Amorese)
Há salvação para a culpa?
Ultimatos sobre culpa e graça
Imagem: www.freeimages.com/photo/1083299
Agostinho de Hipona era mesmo muito bom de bola. “Confissões”, por exemplo, é um golaço. Daqueles que o Neymar ou o Messi fazem e que, para humilhar o restante mortal da humanidade, parece brincadeira de criança. Engenho. Arte. Dom. Meu professor mais brilhante de literatura dizia que “esse livro inventou o conceito de autobiografia”. E biografia espiritual, eu diria, antes, bem antes dos “Pensamentos”, de Pascal e dessa lindeza que é Surpreendido pela alegria, de C.S. Lewis, ou ainda “A montanha dos sete patamares”, do monge-literato Thomas Merton.
Mas, não tem jeito, Agostinho bateu umas pra fora, bicudas feias: seu caso mal resolvido com o neoplatonismo, por exemplo; ou a sua ênfase no celibato, ao ler Paulo de modo radical (1 Cor 7.1,2 ). Por exemplo, é irritante perceber que o Bispo africano achava mesmo que o celibato era superior ao matrimônio. Sua mal resolvida e notória promiscuidade antes da conversão desembocou numa implicância com a sexualidade. Eu diria que Agostinho é o pai dessa ideia comum na cristandade de que “ pecado é sexo, e sexo é pecado”. Quando ouvimos “fulano caiu em pecado” não pensamos “o que”, mas sim “com quem”.
Mas, falando sério, a conversa aqui é muito mais sobre o conceito de culpa e como, na igreja e na vida, lidamos com o mesmo ou com a vida a partir do conceito que alimentarmos, que mantivermos. Esse mesmo Agostinho, contraditoriamente genial como todos os grandes homens, especialmente os de Deus, dizia que “o cristão quando cai, cai de joelhos... ó, “felix culpa” (ó, culpa feliz), que me leva aos pés do Nazareno”!
A igreja que conheço mais, a “igreja fundamentalista da minha infância e juventude”, como diria Philip Yancey, tem enfatizado muito mais o culpa do que a graça. Temos feito categórica e sistematicamente muito mais a opção pelo farisaísmo do que pela graça, que zera a culpa (zera a reza, diria Caetano Veloso, na sua canção neoconcretista), lava a alma, redime a vida. Culpa real, ensinou-nos Paul Tournier, é algo muito bem-vindo. Hoje, sob os auspícios da psiquiatria e psicologia, sabemos que a psicopatologia é marcada por ausência de culpa - e dos demais sentimentos, é claro. Assassino em série não sente culpa. Nenhuma. O problema não é a culpa real, que é chamada nas Escrituras de “tristeza segundo Deus” (Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte. 2 Co 7.10). Mas a culpa falsa, pondo os dois Paulos, o de Tarso e o da Suíça (Tournier), para dialogarem, resulta no conceito de “tristeza segundo o mundo”, aniquila, mata. Prestou atenção? É letal.
>> Conheça o lançamento Culpa e Graça, de Paul Tournier
Pense, por exemplo, em Simão Pedro e Judas Iscariotes. Os dois traíram o Senhor. O primeiro para não se prejudicar. O segundo para se beneficiar. Mas ambos traíram. Pisaram feio na bola. O ponto é que o primeiro foi tomado pela culpa real, por essa tal “tristeza segundo Deus”, e arrependeu-se, foi restaurado. O segundo foi esmagado pela “tristeza do mundo” e tirou a própria vida, destruído pelo remorso. Sim, eu diria que remorso é o nome usual para “a tristeza do mundo”. Arrependimento é bem diferente de remorso. Arrependimento (etimológica e exegeticamente significa mudança de mente/mentalidade, “metanóia”, outra cabeça e pensamento) olha para a frente, para o futuro, para a vida a partir daí. Lembro-me da observação tão lúcida de Kierkegaard: “a vida só pode ser compreendida ao olharmos para trás, mas só pode ser vivida ao olharmos para o futuro”. Remorso olha para trás. O tempo todo. Obsessivamente, ele concentra o olha no retrovisor. Por isso, ao considerar essas duas coisas, culpa e graça, eu fico com (o melhor de) Agostinho: ó “felix culpa”, ó culpa abençoado , feliz - que me faz olhar para meus (muitos pecados e meu Pecado) e dizer: seu peso, seu estrago, sua miséria e sua vergonha , conduzem-me a Cristo!
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Imagem: www.freeimages.com/photo/1083299
Gerson Borges, casado com Rosana Márcia e pai de Bernardo e Pablo, pastoreia a Comunidade de Jesus no ABCD Paulista. É autor de Ser Evangélico sem Deixar de Ser Brasileiro, cantor, compositor e escritor, licenciado em letras e graduando em psicologia.
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