Opinião
- 26 de agosto de 2010
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O cristão na política: direita ou esquerda?
João Heliofar de Jesus Villar
É muito difícil passar ideologicamente incólume pela universidade. O ambiente é bastante propício para engajamento político, que, em linhas gerais, pende para a esquerda, como todos nós provamos nos tempos da faculdade. Quando experimentei minha conversão em 1982, numa das salas da faculdade de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, vivia-se a primeira eleição pós-ditadura para governador. Votar em Brizola era, então, uma questão de honra. O adversário era Moreira Franco, que disputava a eleição pela nova Arena – o PDS. Brizola começara com um índice insignificante nas pesquisas. Porém, a Globo cometeu o deslize de incluí-lo nos debates na televisão. O efeito foi instantâneo e impressionante. Brizola poderia ser um mau administrador, mas como debatedor na televisão era imbatível. Frasista inigualável, com um tirocínio impressionante, destruiu seus oponentes e logo assumiu a ponta nas pesquisas.
Aí vem minha conversão. Um colega de faculdade que me evangelizou levou-me à Comunidade S-8, então dirigida pelo pastor Geremias de Matos Fontes, falecido recentemente. Figura memorável e queridíssima, um homem profundamente comprometido com Deus. O "tio Gerê" fora deputado federal e governador do Estado do Rio de Janeiro, e, num passo corajoso, largara a política no auge do prestígio para responder integralmente ao seu chamado ministerial. Manteve, porém, em relação à política, uma visão conservadora na qual Brizola protagonizava uma ameaça à paz e à segurança do Rio de Janeiro e do país. Aí começou o meu primeiro drama político-espiritual. Recém convertido entrei em contato com uma linha que interpretava o embate político como uma guerra espiritual com lados definidos. E o mal era um abutre que voava com a asa esquerda. Aquilo me lançou na maior perplexidade, pois fiquei sem saber se devotava lealdade à minha nova experiência espiritual ou ao meu fervor estudantil.
Faço o relato para ilustrar a nossa tendência de identificar as tendências políticas com a realidade espiritual. Deus em política, pensamos, toma partido e se identifica com as nossas preferências ideológicas. O cristão mais identificado com a esquerda pensa que Deus também é de esquerda e acha sua cartilha muito mais humana, mais solidária etc., etc. O de direita também crê que sua opção é a mais compatível com sua fé, pois é quem mais defende os valores morais do evangelho, a livre iniciativa e por aí vai. E o pior não é isso. Quando chegam as eleições a batalha começa a tomar configuração apocalíptica.
Não é um dilema? Na verdade não deveria ser. As diversas correntes ideológicas servidas no mercado político querem nos convencer que será melhor para a sociedade se o Estado se posicionar desta ou daquela forma. São discussões sobre como o poder dele deve ser exercido sobre a sociedade. É importante, mas não deveríamos classificar os nossos irmãos em Cristo em categorias estereotipadas apenas porque eles não comungam de nossas preferências ideológicas (especialmente quando se vive num regime democrático, em que o poder do Estado sofre limitações constitucionais). Não deveríamos nunca, a esse respeito, impor convicções, mesmo porque o dissenso é o oxigênio da convivência política – aliás, de qualquer convivência saudável.
Além do mais, cristão não tem rigidez ideológica. Em política ele é um infiltrado. Conforme a causa em pauta estamos à direita ou à esquerda. Nosso compromisso é com a causa do evangelho, e na defesa desses valores podemos nos aliar politicamente a todos aqueles que se dispuserem a defendê-la no caso concreto, independentemente do lado para que pende ideologicamente a asa de nossos aliados. O velho e saudoso Schaeffer falava muito em co-beligerância, conceito que deveríamos lembrar nestes tempos bicudos de patrulhamento ideológico. Seria muita ingenuidade nossa imaginar que os valores do evangelho poderiam ser sequestrados por qualquer partido ou tendência ideológica. O nosso partido é o do evangelho, e o cristão que participa da vida política, seja como eleitor, seja como deputado, deve se lembrar sempre que a sua cidadania é essa, inscrita na cidade de Deus, e que por aqui somos peregrinos, que vamos salgando o terreno dentro daquilo que é possível para nós.
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É muito difícil passar ideologicamente incólume pela universidade. O ambiente é bastante propício para engajamento político, que, em linhas gerais, pende para a esquerda, como todos nós provamos nos tempos da faculdade. Quando experimentei minha conversão em 1982, numa das salas da faculdade de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, vivia-se a primeira eleição pós-ditadura para governador. Votar em Brizola era, então, uma questão de honra. O adversário era Moreira Franco, que disputava a eleição pela nova Arena – o PDS. Brizola começara com um índice insignificante nas pesquisas. Porém, a Globo cometeu o deslize de incluí-lo nos debates na televisão. O efeito foi instantâneo e impressionante. Brizola poderia ser um mau administrador, mas como debatedor na televisão era imbatível. Frasista inigualável, com um tirocínio impressionante, destruiu seus oponentes e logo assumiu a ponta nas pesquisas.
Aí vem minha conversão. Um colega de faculdade que me evangelizou levou-me à Comunidade S-8, então dirigida pelo pastor Geremias de Matos Fontes, falecido recentemente. Figura memorável e queridíssima, um homem profundamente comprometido com Deus. O "tio Gerê" fora deputado federal e governador do Estado do Rio de Janeiro, e, num passo corajoso, largara a política no auge do prestígio para responder integralmente ao seu chamado ministerial. Manteve, porém, em relação à política, uma visão conservadora na qual Brizola protagonizava uma ameaça à paz e à segurança do Rio de Janeiro e do país. Aí começou o meu primeiro drama político-espiritual. Recém convertido entrei em contato com uma linha que interpretava o embate político como uma guerra espiritual com lados definidos. E o mal era um abutre que voava com a asa esquerda. Aquilo me lançou na maior perplexidade, pois fiquei sem saber se devotava lealdade à minha nova experiência espiritual ou ao meu fervor estudantil.
Faço o relato para ilustrar a nossa tendência de identificar as tendências políticas com a realidade espiritual. Deus em política, pensamos, toma partido e se identifica com as nossas preferências ideológicas. O cristão mais identificado com a esquerda pensa que Deus também é de esquerda e acha sua cartilha muito mais humana, mais solidária etc., etc. O de direita também crê que sua opção é a mais compatível com sua fé, pois é quem mais defende os valores morais do evangelho, a livre iniciativa e por aí vai. E o pior não é isso. Quando chegam as eleições a batalha começa a tomar configuração apocalíptica.
Não é um dilema? Na verdade não deveria ser. As diversas correntes ideológicas servidas no mercado político querem nos convencer que será melhor para a sociedade se o Estado se posicionar desta ou daquela forma. São discussões sobre como o poder dele deve ser exercido sobre a sociedade. É importante, mas não deveríamos classificar os nossos irmãos em Cristo em categorias estereotipadas apenas porque eles não comungam de nossas preferências ideológicas (especialmente quando se vive num regime democrático, em que o poder do Estado sofre limitações constitucionais). Não deveríamos nunca, a esse respeito, impor convicções, mesmo porque o dissenso é o oxigênio da convivência política – aliás, de qualquer convivência saudável.
Além do mais, cristão não tem rigidez ideológica. Em política ele é um infiltrado. Conforme a causa em pauta estamos à direita ou à esquerda. Nosso compromisso é com a causa do evangelho, e na defesa desses valores podemos nos aliar politicamente a todos aqueles que se dispuserem a defendê-la no caso concreto, independentemente do lado para que pende ideologicamente a asa de nossos aliados. O velho e saudoso Schaeffer falava muito em co-beligerância, conceito que deveríamos lembrar nestes tempos bicudos de patrulhamento ideológico. Seria muita ingenuidade nossa imaginar que os valores do evangelho poderiam ser sequestrados por qualquer partido ou tendência ideológica. O nosso partido é o do evangelho, e o cristão que participa da vida política, seja como eleitor, seja como deputado, deve se lembrar sempre que a sua cidadania é essa, inscrita na cidade de Deus, e que por aqui somos peregrinos, que vamos salgando o terreno dentro daquilo que é possível para nós.
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45 anos, é procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e cristão evangélico.
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