Opinião
- 20 de outubro de 2014
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O corpo e a fome na Ceia do Senhor
A mensagem é profética, de Jesus Cristo, observada a linguagem diferenciada própria do evangelho de Mateus sobre o sentido do corpo dado em sacrifício, enquanto se identificam os céus como símbolos de plenitude. A vida com Deus, o lugar onde se constata sua presença, suas ações libertadoras (Mt 22.1-14). A esperança de Jesus de que o reinado de Deus fosse irromper logo, abrindo uma nova era, antes mesmo que seus contemporâneos viessem a falecer, é confirmada nos vaticínios e nas parábolas de Jesus relatadas por Mateus (cmp. Mc 13.13; Mt 10.23, par.). “Vamos comemorar, juntos, em comunhão (‘koinonia’) com o Senhor, a chegada do reinado de Deus, consumindo o que é do bom e bom e do melhor...”, poderia ser uma paráfrase adequada para o grande banquete, que a Ceia do Senhor prenuncia.
Em 1958, o mais importante cineasta europeu, Roberto Rosselini, desembarcava no Brasil para filmar “Geografia da Fome”. Tratava-se de uma adaptação cinematográfica do livro de Josué de Castro, médico e sociólogo que cuidou de uma radiografia da grande mazela nacional, mais tarde identificada como o maior de todos os problemas mundiais: a fome. Visitou o Canal do Mangue, folclórica zona da pobreza e do meretrício, mas também famosa pelo afogamento de mendigos, no intento de “limpeza social”, promovido durante o governo de Carlos Lacerda. Foi à procura dos populares caranguejeiros da época, personagens de Josué de Castro. A imprensa queria que ele filmasse outros assuntos, lembrando a ópera “O Guarani”, de Carlos Gomes, e do romance açucarado de José de Alencar -- que ignorava a escravidão africana no Brasil --, como tema ideal. Negaram-lhe financiamento porque insistiu no tema que o interessava: a fome.
As oferendas da mesa que serão consumidas no banquete comemorativo da chegada do Reino, porém, comportam todos os sabores da vida desejável, e de todas as formas de bem-estar. Fim da fome, das desigualdades e das injustiças. Encontraremos um fio condutor, no evangelho de hoje, onde a imagem do banquete eucarístico nos permitirá saborear todos os temperos, cheiros e gostos, de uma culinária libertária e maravilhosa, ao mesmo tempo.
Ariano Suassuna, autor de sucessos como “O Auto da Compadecida”, contou uma história sobre “as comidas que nos faltam”, usando um exemplo simples – uma história de cachorros. “Entre o osso e o filé, o que um cachorro prefere? Lógico que é o filé. Osso é para roer, insinuava sobre o ‘fast food’ tupiniquim contemporâneo, repleto de hambúrgueres criticados pelo mestre nordestino. Então “está faltando oportunidade aos jovens brasileiros de conhecer o filé da nossa cultura”.
Roberto da Mata informa: as manifestações mais humildes de uma sociedade são as mais reveladoras de sua índole… e dos seus valores. A comida, a música, a televisão, os sotaques, como os dos nordestinos, sulistas, sudestinos goianos e mineiros, por exemplo, tão gostosos e variados, identificam as origens brasileiras. Modos insuspeitos, quase sempre identificados com clareza singular, revelam tendências, preocupações, aspirações. No Brasil, quando podemos, misturamos farinha com feijão, fazemos tutu juntando temperos como cebolinha e alho. E acrescentamos o torresmo. Dentro da lógica, não do alimento, mas de uma mistura mestiça e mulata, nos expressamos culturalmente.
Como gente do povo, preferimos a feijoada amiga, que mistura paio, carne seca, pé-de-porco, toucinho magro, servindo-a com couve refogada. Não há uma lógica nessa mistura que iguala os alimentos sem discriminá-los. Todos esses hábitos falam de sociedades, de valores, e modos de construir e sustentar o próprio corpo social. Assim é este Brasil original.
Quem aceita o convite para o banquete da vida? Quais são os convidados que vestem roupas brancas de núpcias (símbolo bíblico dos que praticam a justiça), demonstrados no Apocalipse: “Esta é a mensagem daquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas. Eu sei o que vocês estão fazendo. Vocês dizem que estão vivos, mas, de fato, estão mortos. Acordem e fortaleçam aquilo que ainda está vivo, antes que morra completamente. (...) Aqueles que conseguirem a vitória (da justiça) serão vestidos de branco, e eu não tirarei o nome dessas pessoas do Livro da Vida. Eu declararei abertamente, na presença do meu Pai e dos seus anjos, que elas pertencem a mim. Portanto, se vocês têm ouvidos para ouvir, então, ouçam o que o Espírito de Deus diz às igrejas” – Ap 3.1-6]? São convidados os perseguidos, pobres, prostitutas, deficientes, portadores de necessidades especiais, coxos, cegos, surdos, doentes, que estão na agenda de Deus, em primeiro lugar.
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Em 1958, o mais importante cineasta europeu, Roberto Rosselini, desembarcava no Brasil para filmar “Geografia da Fome”. Tratava-se de uma adaptação cinematográfica do livro de Josué de Castro, médico e sociólogo que cuidou de uma radiografia da grande mazela nacional, mais tarde identificada como o maior de todos os problemas mundiais: a fome. Visitou o Canal do Mangue, folclórica zona da pobreza e do meretrício, mas também famosa pelo afogamento de mendigos, no intento de “limpeza social”, promovido durante o governo de Carlos Lacerda. Foi à procura dos populares caranguejeiros da época, personagens de Josué de Castro. A imprensa queria que ele filmasse outros assuntos, lembrando a ópera “O Guarani”, de Carlos Gomes, e do romance açucarado de José de Alencar -- que ignorava a escravidão africana no Brasil --, como tema ideal. Negaram-lhe financiamento porque insistiu no tema que o interessava: a fome.
As oferendas da mesa que serão consumidas no banquete comemorativo da chegada do Reino, porém, comportam todos os sabores da vida desejável, e de todas as formas de bem-estar. Fim da fome, das desigualdades e das injustiças. Encontraremos um fio condutor, no evangelho de hoje, onde a imagem do banquete eucarístico nos permitirá saborear todos os temperos, cheiros e gostos, de uma culinária libertária e maravilhosa, ao mesmo tempo.
Ariano Suassuna, autor de sucessos como “O Auto da Compadecida”, contou uma história sobre “as comidas que nos faltam”, usando um exemplo simples – uma história de cachorros. “Entre o osso e o filé, o que um cachorro prefere? Lógico que é o filé. Osso é para roer, insinuava sobre o ‘fast food’ tupiniquim contemporâneo, repleto de hambúrgueres criticados pelo mestre nordestino. Então “está faltando oportunidade aos jovens brasileiros de conhecer o filé da nossa cultura”.
Roberto da Mata informa: as manifestações mais humildes de uma sociedade são as mais reveladoras de sua índole… e dos seus valores. A comida, a música, a televisão, os sotaques, como os dos nordestinos, sulistas, sudestinos goianos e mineiros, por exemplo, tão gostosos e variados, identificam as origens brasileiras. Modos insuspeitos, quase sempre identificados com clareza singular, revelam tendências, preocupações, aspirações. No Brasil, quando podemos, misturamos farinha com feijão, fazemos tutu juntando temperos como cebolinha e alho. E acrescentamos o torresmo. Dentro da lógica, não do alimento, mas de uma mistura mestiça e mulata, nos expressamos culturalmente.
Como gente do povo, preferimos a feijoada amiga, que mistura paio, carne seca, pé-de-porco, toucinho magro, servindo-a com couve refogada. Não há uma lógica nessa mistura que iguala os alimentos sem discriminá-los. Todos esses hábitos falam de sociedades, de valores, e modos de construir e sustentar o próprio corpo social. Assim é este Brasil original.
Quem aceita o convite para o banquete da vida? Quais são os convidados que vestem roupas brancas de núpcias (símbolo bíblico dos que praticam a justiça), demonstrados no Apocalipse: “Esta é a mensagem daquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas. Eu sei o que vocês estão fazendo. Vocês dizem que estão vivos, mas, de fato, estão mortos. Acordem e fortaleçam aquilo que ainda está vivo, antes que morra completamente. (...) Aqueles que conseguirem a vitória (da justiça) serão vestidos de branco, e eu não tirarei o nome dessas pessoas do Livro da Vida. Eu declararei abertamente, na presença do meu Pai e dos seus anjos, que elas pertencem a mim. Portanto, se vocês têm ouvidos para ouvir, então, ouçam o que o Espírito de Deus diz às igrejas” – Ap 3.1-6]? São convidados os perseguidos, pobres, prostitutas, deficientes, portadores de necessidades especiais, coxos, cegos, surdos, doentes, que estão na agenda de Deus, em primeiro lugar.
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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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