Opinião
- 27 de setembro de 2017
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O corpo, a arte e a vida cristã
Por Edson Munck Jr.
Era 2001. O último dia de um encontro no período de carnaval. Milhares de pessoas reunidas na região metropolitana de Curitiba. O tema era “Venha o teu Reino, Senhor”. Momentos finais de uma celebração. Era hora de lembrar o sacrifício de Cristo por meio da Ceia. Um clima reverente, solene e santo se estabeleceu no local de culto. Uma música começou a tocar. Quatro rapazes com os corpos pintados da cabeça aos pés entraram naquele espaço. Cada um tinha em seu próprio corpo linhas abstratas. Eles caminharam entre o povo de Cristo que ali estava. Nos seus corpos, eles comunicavam. Depois de um tempo, subiram na plataforma à frente da grande congregação. Aos poucos, foram se aproximando um do outro e se abraçando. Cada qual tomando sua posição formaram um cálice e um pão na junção de seus corpos. Aos poucos e por meio daquela performance, a igreja ali presente se lembrou do mistério de Cristo em nós.
Eu não posso negar que essa foi uma das celebrações da Ceia do Senhor que mais marcaram minha trajetória cristã. Além das palavras da instituição, vivi o rito naqueles movimentos, naquelas cores, naquela experiência que me tocou mente e coração. Havia poder naquela performance, não só capacidade de atrair os sentidos, mas de nos lançar aos pés do Cordeiro de Deus e nos levar a adorá-lo. Certamente, direcionados pelo poder que vem do alto, aqueles artistas traduziram o mistério e a revelação que é trazer à memória o corpo e o sangue de Cristo Jesus.
A despeito de toda a polêmica que o corpo tenha em seu histórico, inequivocamente, ele é discurso. O corpo é referencial artístico, cultural, social e identitário. Mais do que mera matéria, forma e anatomia, o corpo comunica a condição humana e se transforma em texto na medida em que exercita seus potenciais e seus limites. Assim, o corpo é linguagem. O discurso que é o corpo se relaciona ao discurso que é a palavra, a literatura. Os autores bíblicos, no Antigo e no Novo Testamento, valem-se das imagens do corpo para textualizarem o próprio Deus. Os olhos do Senhor, os seus ouvidos, a sua face. A boca de Deus, os seus lábios. As narinas do Senhor. O braço dele, a sua mão. Os pés do Senhor (cf. 2Cr 16.9; 2Cr 30.12; Sl 34.15-16; Pv 15.3; Pv 16.1; Is 53.1; Is 58.14; Ez 37.1; Lc 1.66 At 7.49; At 11.21). A textualização bíblica é rica de referências ao corpo humano para falar do Senhor Deus.
Compreender a natureza de Deus é algo muito ambicioso para nossas mentes. Assim, associar a revelação divina (infinitude) a imagens relativas ao corpo humano (finitude) é um recurso criativo – e artístico – para permitir uma experiência de compreensão, ainda que incompleta, de realidades bem maiores do que conseguimos conjecturar.
Como linguagem que é, o corpo está inserido na comunicação do Reino de Deus. Basta lembrar que a Palavra se fez carne e habitou entre nós. O apóstolo Paulo chama os coríntios de “carta de Cristo” (2Co 3.3), ressaltando o caráter testemunhal da vida daqueles cristãos. Ou seja, os cristãos carregam em seus corpos, em todo o seu ser, o Evangelho. E que assim seja conosco também! Como discípulos de Cristo, carregamos a tensão de sermos morada do Espírito Santo (cf. 1Co 6.19): nosso corpo é a casa daquele que, desde o princípio, move-se sobre o caos. E que o “faça-se” do Eterno Deus ecoe em nós.
• Edson Munck Jr., professor e jornalista, é mestre em Estudos Literários e doutorando em Ciência da Religião.
Era 2001. O último dia de um encontro no período de carnaval. Milhares de pessoas reunidas na região metropolitana de Curitiba. O tema era “Venha o teu Reino, Senhor”. Momentos finais de uma celebração. Era hora de lembrar o sacrifício de Cristo por meio da Ceia. Um clima reverente, solene e santo se estabeleceu no local de culto. Uma música começou a tocar. Quatro rapazes com os corpos pintados da cabeça aos pés entraram naquele espaço. Cada um tinha em seu próprio corpo linhas abstratas. Eles caminharam entre o povo de Cristo que ali estava. Nos seus corpos, eles comunicavam. Depois de um tempo, subiram na plataforma à frente da grande congregação. Aos poucos, foram se aproximando um do outro e se abraçando. Cada qual tomando sua posição formaram um cálice e um pão na junção de seus corpos. Aos poucos e por meio daquela performance, a igreja ali presente se lembrou do mistério de Cristo em nós.
Eu não posso negar que essa foi uma das celebrações da Ceia do Senhor que mais marcaram minha trajetória cristã. Além das palavras da instituição, vivi o rito naqueles movimentos, naquelas cores, naquela experiência que me tocou mente e coração. Havia poder naquela performance, não só capacidade de atrair os sentidos, mas de nos lançar aos pés do Cordeiro de Deus e nos levar a adorá-lo. Certamente, direcionados pelo poder que vem do alto, aqueles artistas traduziram o mistério e a revelação que é trazer à memória o corpo e o sangue de Cristo Jesus.
A despeito de toda a polêmica que o corpo tenha em seu histórico, inequivocamente, ele é discurso. O corpo é referencial artístico, cultural, social e identitário. Mais do que mera matéria, forma e anatomia, o corpo comunica a condição humana e se transforma em texto na medida em que exercita seus potenciais e seus limites. Assim, o corpo é linguagem. O discurso que é o corpo se relaciona ao discurso que é a palavra, a literatura. Os autores bíblicos, no Antigo e no Novo Testamento, valem-se das imagens do corpo para textualizarem o próprio Deus. Os olhos do Senhor, os seus ouvidos, a sua face. A boca de Deus, os seus lábios. As narinas do Senhor. O braço dele, a sua mão. Os pés do Senhor (cf. 2Cr 16.9; 2Cr 30.12; Sl 34.15-16; Pv 15.3; Pv 16.1; Is 53.1; Is 58.14; Ez 37.1; Lc 1.66 At 7.49; At 11.21). A textualização bíblica é rica de referências ao corpo humano para falar do Senhor Deus.
Compreender a natureza de Deus é algo muito ambicioso para nossas mentes. Assim, associar a revelação divina (infinitude) a imagens relativas ao corpo humano (finitude) é um recurso criativo – e artístico – para permitir uma experiência de compreensão, ainda que incompleta, de realidades bem maiores do que conseguimos conjecturar.
Como linguagem que é, o corpo está inserido na comunicação do Reino de Deus. Basta lembrar que a Palavra se fez carne e habitou entre nós. O apóstolo Paulo chama os coríntios de “carta de Cristo” (2Co 3.3), ressaltando o caráter testemunhal da vida daqueles cristãos. Ou seja, os cristãos carregam em seus corpos, em todo o seu ser, o Evangelho. E que assim seja conosco também! Como discípulos de Cristo, carregamos a tensão de sermos morada do Espírito Santo (cf. 1Co 6.19): nosso corpo é a casa daquele que, desde o princípio, move-se sobre o caos. E que o “faça-se” do Eterno Deus ecoe em nós.
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