Opinião
- 27 de julho de 2011
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O colecionador de dias
Comentário “de aniversário” ao Salmo 90
Era uma vez um “colecionador de dias” que descobriu, em seu acervo, peças muito antigas. Mais antigas que sua própria coleção.
Senhor, tu tens sido o nosso refúgio, de geração em geração.
Ele encontra misteriosa Presença, diretora e protetora, a marcar as peças herdadas dos pais e avós, como se Deus as tivesse carimbado e esse efeito passasse, de alguma forma, às peças mais recentes.
Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus.
São vários tipos de peças colecionadas: peça-tempo, peça-dia, peça-ano (ou peça-natalício). Todo esse repositório antigo traz uma certa marca do sagrado. Mesmo as que estão catalogadas na seção “antes de os montes nascerem”.
Tu reduzes o homem ao pó e dizes: Tornai, filhos dos homens. Pois mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite.
Como guardar essa riqueza, esse legado intangível, inefável, se, de repente, tudo nos escapa como se fosse o dia de ontem, “como o dia que se foi”? Será que não poderemos reter, para nós mesmos, nada dessa imensa coleção de dias?
Tu os arrastas na torrente, são como um sono, como a relva que floresce de madrugada; de madrugada viceja e floresce; à tarde, murcha e seca.
Como gozar, fruir e usufruir, hoje, o bem, o valor, o conforto, a alegria — de ontem, que foi levado embora, como por uma torrente? como o galho de roseira que, podado ontem, amanhece seco?
Pois somos consumidos pela tua ira e pelo teu furor, conturbados. Diante de ti puseste as nossas iniqüidades e, sob a luz do teu rosto, os nossos pecados ocultos. Pois todos os nossos dias se passam na tua ira; acabam-se os nossos anos como um breve pensamento.
Parece que Deus está furioso, e no seu furor, “somos conturbados”. Quando vamos gozar os pais que Deus nos deu, a criança que nasceu ou o presente recebido, já é o dia seguinte — os pais se foram, a criança cresceu, o presente quebrou. Como em um breve pensamento. Sim, nossos dias são consumidos pelo fogo.
Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos. Quem conhece o poder da tua ira? E a tua cólera, segundo o temor que te é devido?
Ai, ai. De repente, em vez de contar as peças da coleção que temos, somos tentados a contar as lacunas no álbum de figurinhas. Começamos a temer que esses espaços se preencham logo, pois acaba-se o interesse, termina a brincadeira. E depois, o que será?
Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio.
Oh, graças! Existe um sentido nisso tudo! Nossa coleção pode nos ensinar sobre nós mesmos; pode nos ajudar a encaixar nossas peças nesse grande tabuleiro; pode nos trazer sabedoria ao coração. Sim, Senhor, ensina-nos! Ensina-nos a examinar cada peça com os teus olhos.
Volta-te, Senhor! Até quando? Tem compaixão dos teus servos. Sacia-nos de manhã com a tua benignidade, para que cantemos de júbilo e nos alegremos todos os nossos dias.
Sim, Senhor, que nos alegremos com todas as nossas peças. Que examinemos nossa coleção de dias e nela procuremos a presença do Senhor. Ao descobrirmos, em alguma peça, nova ou antiga, uma graça, uma misericórdia, um ensino, um altar, diremos às nossas almas: “o Senhor esteve aqui”, e nos alegraremos nela. Nesse momento de revelação teremos alcançado um coração sábio!
Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido, por tantos anos quantos suportamos a adversidade. Aos teus servos apareçam as tuas obras, e a seus filhos, a tua glória.
Quem diria, também os dias de aflição podem nos alegrar. Algumas peças especiais, peças de aflição, podem revelar a glória de Deus, se Ele nos revelar, na trama da coleção, onde começa a aparecer o desenho geral, “as tuas obras”. Descobriremos então, no coração, o valor especial desses anos em que “suportamos a adversidade”, na construção da nossa coleção.
Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma a obra das nossas mãos.
Amém. Graça do Senhor, sobre nós, finitos e indefesos navegantes do tempo, será deixar aos nossos filhos e netos a nossa “coleção de dias”; vestígios de nossa efêmera passagem pelo tempo. Será graça do Senhor, também, levar conosco nossos tesouros imperecíveis. E isso será possível se o Senhor carimbar a “obra de nossas mãos” com o selo da eternidade.
Artigo publicado originalmente na seção “Ponto Final” da revista Ultimato nº 289 (julho-agosto de 2004)
Era uma vez um “colecionador de dias” que descobriu, em seu acervo, peças muito antigas. Mais antigas que sua própria coleção.
Senhor, tu tens sido o nosso refúgio, de geração em geração.
Ele encontra misteriosa Presença, diretora e protetora, a marcar as peças herdadas dos pais e avós, como se Deus as tivesse carimbado e esse efeito passasse, de alguma forma, às peças mais recentes.
Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus.
São vários tipos de peças colecionadas: peça-tempo, peça-dia, peça-ano (ou peça-natalício). Todo esse repositório antigo traz uma certa marca do sagrado. Mesmo as que estão catalogadas na seção “antes de os montes nascerem”.
Tu reduzes o homem ao pó e dizes: Tornai, filhos dos homens. Pois mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite.
Como guardar essa riqueza, esse legado intangível, inefável, se, de repente, tudo nos escapa como se fosse o dia de ontem, “como o dia que se foi”? Será que não poderemos reter, para nós mesmos, nada dessa imensa coleção de dias?
Tu os arrastas na torrente, são como um sono, como a relva que floresce de madrugada; de madrugada viceja e floresce; à tarde, murcha e seca.
Como gozar, fruir e usufruir, hoje, o bem, o valor, o conforto, a alegria — de ontem, que foi levado embora, como por uma torrente? como o galho de roseira que, podado ontem, amanhece seco?
Pois somos consumidos pela tua ira e pelo teu furor, conturbados. Diante de ti puseste as nossas iniqüidades e, sob a luz do teu rosto, os nossos pecados ocultos. Pois todos os nossos dias se passam na tua ira; acabam-se os nossos anos como um breve pensamento.
Parece que Deus está furioso, e no seu furor, “somos conturbados”. Quando vamos gozar os pais que Deus nos deu, a criança que nasceu ou o presente recebido, já é o dia seguinte — os pais se foram, a criança cresceu, o presente quebrou. Como em um breve pensamento. Sim, nossos dias são consumidos pelo fogo.
Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos. Quem conhece o poder da tua ira? E a tua cólera, segundo o temor que te é devido?
Ai, ai. De repente, em vez de contar as peças da coleção que temos, somos tentados a contar as lacunas no álbum de figurinhas. Começamos a temer que esses espaços se preencham logo, pois acaba-se o interesse, termina a brincadeira. E depois, o que será?
Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio.
Oh, graças! Existe um sentido nisso tudo! Nossa coleção pode nos ensinar sobre nós mesmos; pode nos ajudar a encaixar nossas peças nesse grande tabuleiro; pode nos trazer sabedoria ao coração. Sim, Senhor, ensina-nos! Ensina-nos a examinar cada peça com os teus olhos.
Volta-te, Senhor! Até quando? Tem compaixão dos teus servos. Sacia-nos de manhã com a tua benignidade, para que cantemos de júbilo e nos alegremos todos os nossos dias.
Sim, Senhor, que nos alegremos com todas as nossas peças. Que examinemos nossa coleção de dias e nela procuremos a presença do Senhor. Ao descobrirmos, em alguma peça, nova ou antiga, uma graça, uma misericórdia, um ensino, um altar, diremos às nossas almas: “o Senhor esteve aqui”, e nos alegraremos nela. Nesse momento de revelação teremos alcançado um coração sábio!
Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido, por tantos anos quantos suportamos a adversidade. Aos teus servos apareçam as tuas obras, e a seus filhos, a tua glória.
Quem diria, também os dias de aflição podem nos alegrar. Algumas peças especiais, peças de aflição, podem revelar a glória de Deus, se Ele nos revelar, na trama da coleção, onde começa a aparecer o desenho geral, “as tuas obras”. Descobriremos então, no coração, o valor especial desses anos em que “suportamos a adversidade”, na construção da nossa coleção.
Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma a obra das nossas mãos.
Amém. Graça do Senhor, sobre nós, finitos e indefesos navegantes do tempo, será deixar aos nossos filhos e netos a nossa “coleção de dias”; vestígios de nossa efêmera passagem pelo tempo. Será graça do Senhor, também, levar conosco nossos tesouros imperecíveis. E isso será possível se o Senhor carimbar a “obra de nossas mãos” com o selo da eternidade.
Artigo publicado originalmente na seção “Ponto Final” da revista Ultimato nº 289 (julho-agosto de 2004)
Rubem Amorese é presbítero emérito na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/amorese.
- Textos publicados: 36 [ver]
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Site: http://www.amorese.com.br
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