Opinião
- 23 de setembro de 2020
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O colapso da interlocução entre os evangélicos
Por Antonio Carlos Costa
Há cristãos que não sabem mais o que fazer com a sua identificação com o movimento evangélico. Sofrem por estar associados a algo que os envergonha, do qual querem se manter distantes, num contexto de colapso da interlocução com os próprios evangélicos.
Do ponto de vista das figuras públicas que falam em nome do movimento protestante brasileiro, não se sentem representados por quase ninguém.
Quem são?
1. Eles não se consideram nem de esquerda nem de direita. Querem produção sustentável de riqueza e justiça social. Julgam que pensar apenas com categorias do século 19 não funciona no século 21. Estão fartos da tentativa de se negar fatos a fim de sujeitar a realidade à ideologia política;
2. Eles não se consideram nem conservadores nem progressistas. Não querem o engessamento ético, nem o relativismo moral;
3. Eles creem que a missão principal da igreja é a pregação do evangelho, cujo produto final é uma comunidade cristã comprometida com a justiça social;
4. Eles não dão apoio acrítico e efusivo a nenhum político profissional. São radicalmente contra a igreja oferecer base institucional de sustentação política a quem quer que seja;
5. Eles não esperam que não cristãos se comportem como cristãos. Portanto, pregam o evangelho em vez de pregar moralidade;
6. Eles abominam a falta de cortesia no trato dos cristãos com os não cristãos que divergem dos valores do cristianismo. Julgam que estar do lado da verdade não justifica a estupidez;
7. Eles não veem incompatibilidade entre fé e ciência. Estão prontos para sujeitar o que creem à evidência empírica e racional;
8. Eles amam os momentos de adoração na igreja, mas anelam pela transcendência litúrgica associada à pregação bíblica, clara, franca, educada, consistente, lógica, no poder do Espírito Santo;
9. Eles interagem com a cultura. Veem a graça de Deus na produção cultural não cristã. Portanto, acolhem com prazer e gratidão a arte produzida do lado de fora da igreja;
10. Eles não são necessariamente abstêmios;
11. Eles não toleram coronelismo na igreja. Querem transparência, liberdade de expressão e prestação de contas;
12. Eles são defensores ardorosos da democracia. Jamais votariam em quem demonstra estar aberto a negociar liberdades civis e políticas e garantias constitucionais;
13. Eles veem o compromisso com a causa dos direitos humanos como traço da verdadeira espiritualidade;
14. Eles não são liberais em teologia. Creem na inspiração das Escrituras;
15. Eles acreditam em transformações históricas, mas não aguardam para essa vida o que sabem que somente terão na vida vindoura;
16. Eles se angustiam com o estado da igreja. Sabem que há áreas cinzentas. Nem tudo é preto e branco. Entre aqueles dos quais discordam identificam irmãos na fé, cujas contradições morais e intelectuais os deixam perplexos;
17. Eles sabem que também precisam de reforma. Sofrem com suas próprias incoerências e anelam por ser melhores representantes de Cristo;
18. Eles buscam simetria no compromisso ético. Procuram harmonizar ética privada com espírito público;
19. Eles acreditam no poder da oração, da manifestação pública e do exemplo de vida;
20. Eles sujeitam Adam Smith, Karl Marx, Engels, Gramsci, Hayke, Mises, Keynes, Nietzsche, Freud, Foucault, à autoridade de Cristo, ao qual devotam sua lealdade maior.
Julgo que esse setor da igreja é o menos compreendido pelos meios de comunicação e mundo acadêmico, e pelo próprio movimento evangélico, que o quer arrastar para um dos lados das disputas política, cultural e espiritual.
A ele pertenço.
• Antonio Carlos Costa é teólogo, jornalista e ativista social. Plantador da Igreja Presbiteriana da Barra (Rio de Janeiro) e fundador da ONG Rio de Paz.
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