Opinião
- 21 de julho de 2017
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O Círculo
Por Carlos Caldas
O Círculo (James Ponsoldt, 2017) é um filme sobre tecnologias de comunicação em tempo real e seu impacto na vida das pessoas. O Círculo que dá título ao filme é uma mega corporação, uma mistura de Apple com Google, liderada por Eamon Bailey (Tom Hanks), uma espécie de Steve Jobs misturado com Steve Zuckenberg. Mae Holland (Emma Watson) é a filha única de um casal de classe média baixa. Seu pai sofre de uma doença degenerativa, e a família está com dificuldades para fechar o orçamento doméstico.
Inesperadamente, Mae recebe a notícia de sua amiga Annie, uma “trabalhólatra” que roda o planeta servindo aos interesses do Círculo, que há uma vaga na empresa. Mae é aprovada no teste admissional e passa a viver o que julga ser um sonho. Seus pais são incluídos no plano de saúde da empresa, e a partir do momento em que médicos do Círculo monitoram o estado de saúde de seu pai em tempo real, 24 horas por dia, este experimenta uma melhora considerável em seu quadro clínico.
A empresa aposta no True You, um aperfeiçoamento do atual Facebook, e no SeeChange, um programa em que, graças a milhares de microcâmeras espalhadas pelo mundo, as pessoas seriam monitoradas em tempo real o tempo todo – ou seja, todo mundo estaria em um Big Brother. A profecia de George Orwell em “1984” se torna realidade. A jovem Mae se voluntaria para ser a primeira pessoa observada 24 horas por dia por todo mundo do mundo com acesso às tecnologias do Círculo. A empresa de Eamon Bailey dá a todos acesso a um “panopticon”, o olho que tudo vê.
Parece que o diretor Ponsoldt quer mostrar que tecnologias de comunicação em tempo real são ambíguas, podendo ser úteis ou não. Em uma das poucas cenas do filme que conseguem prender a atenção de quem o assiste (porque na maior parte do tempo o filme é “modorrento”, para usar uma palavra antiga), Mae resolve praticar caiaque, sua diversão favorita, mas de noite, e sem colete salva-vidas. O mar está encapelado, o caiaque vira, ela quase morre, e só é salva porque foi vista por quem a estava acompanhando pelos programas do Círculo, e estes acionaram a Guarda Costeira. Mas ao mesmo tempo ela perde a vida familiar e as antigas amizades, pois o Círculo a “absorve” inteiramente. Um antigo amigo, artesão de profissão, que só queria privacidade, ao ser perseguido por pessoas que o acusavam de matar cervos para fazer suas esculturas, se desespera ao ser perseguido por pessoas que queriam filmá-lo e denunciá-lo, e acaba despencando com seu carro em um precipício.
Mesmo assim Mae continua no Círculo, com uma fidelidade canina aos seus empregadores. Ela experimenta, de maneira rápida e inexplicável, uma ascensão meteórica na empresa, e passa a fazer, ao lado do próprio Eamon Bailey, discursos assistidos por centenas de milhões de pessoas ao redor do planeta, nos quais defende o fim da privacidade e de todo e qualquer segredo que alguém possa ter, com frases (vazias) de efeito como “segredos são mentiras”.
Com a ajuda de Ty Lafitte (John Boyega, de Star Wars – O despertar da Força), o engenheiro que projetou o True You, mas se afastou do Círculo, por perceber os rumos que a companhia estava tomando, Mae descobre que a empresa não é tão inocente quanto ela pensava. Ter acesso a todas as informações de todo mundo é potencialmente perigoso, muito perigoso. Ela consegue desmascarar a hipocrisia de Bailey, mas a última sequência do filme contradiz toda a crítica que Ponsoldt parecia estar querendo fazer: de novo em um caiaque, ao ver que está sendo filmada por drones, Mae sorri, com aquele sorriso inexpressivo que caracteriza Emma Watson. O sorriso sem graça de Mae Holland é incoerente com tudo que o filme mostrou até o momento, e joga por terra toda crítica que, pensava-se, o filme construía. Talvez James Ponsoldt esteja querendo dizer que não há como fugir aos avanços da tecnologia, e que esta avançará, aconteça o que acontecer.
Em alguns de seus discursos, Mae Holland defende apaixonadamente que uma tecnologia que vigia todo o mundo o tempo todo será benéfica para a humanidade. O Círculo impediria que pessoas mentissem ou que políticos desviassem verbas públicas para fins pessoais. “Não mentimos quando estamos sendo observados”, diz Mae Holland em um momento. Criminosos e terroristas seriam descobertos, não importa onde estivessem escondidos. O Círculo pretendia fazer o que Deus não fez: controlar todo mundo para que ninguém faça nada de errado. Com isso, a tecnologia seria usada para criar o mundo perfeito, o paraíso na Terra. Mas a utopia se torna uma distopia. A tecnologia, por mais avançada que seja, não pode fazer o que nem Deus pretendeu.
Fato é que, sendo observados ou não, temos liberdade de escolha, tomamos decisões, e temos que arcar com as consequências do que fazemos ou deixamos de fazer. Nisto se resume a vida: fazer escolhas, tomar decisões, e aceitar as consequências dos nossos erros e acertos, sem jogar a culpa de qualquer decisão infeliz nas costas dos outros.
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O poder do testemunho
10 verdades sobre o evangelho, a igreja e a missão
A ética do amor em tempos de cólera política
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Inesperadamente, Mae recebe a notícia de sua amiga Annie, uma “trabalhólatra” que roda o planeta servindo aos interesses do Círculo, que há uma vaga na empresa. Mae é aprovada no teste admissional e passa a viver o que julga ser um sonho. Seus pais são incluídos no plano de saúde da empresa, e a partir do momento em que médicos do Círculo monitoram o estado de saúde de seu pai em tempo real, 24 horas por dia, este experimenta uma melhora considerável em seu quadro clínico.
A empresa aposta no True You, um aperfeiçoamento do atual Facebook, e no SeeChange, um programa em que, graças a milhares de microcâmeras espalhadas pelo mundo, as pessoas seriam monitoradas em tempo real o tempo todo – ou seja, todo mundo estaria em um Big Brother. A profecia de George Orwell em “1984” se torna realidade. A jovem Mae se voluntaria para ser a primeira pessoa observada 24 horas por dia por todo mundo do mundo com acesso às tecnologias do Círculo. A empresa de Eamon Bailey dá a todos acesso a um “panopticon”, o olho que tudo vê.
Parece que o diretor Ponsoldt quer mostrar que tecnologias de comunicação em tempo real são ambíguas, podendo ser úteis ou não. Em uma das poucas cenas do filme que conseguem prender a atenção de quem o assiste (porque na maior parte do tempo o filme é “modorrento”, para usar uma palavra antiga), Mae resolve praticar caiaque, sua diversão favorita, mas de noite, e sem colete salva-vidas. O mar está encapelado, o caiaque vira, ela quase morre, e só é salva porque foi vista por quem a estava acompanhando pelos programas do Círculo, e estes acionaram a Guarda Costeira. Mas ao mesmo tempo ela perde a vida familiar e as antigas amizades, pois o Círculo a “absorve” inteiramente. Um antigo amigo, artesão de profissão, que só queria privacidade, ao ser perseguido por pessoas que o acusavam de matar cervos para fazer suas esculturas, se desespera ao ser perseguido por pessoas que queriam filmá-lo e denunciá-lo, e acaba despencando com seu carro em um precipício.
Mesmo assim Mae continua no Círculo, com uma fidelidade canina aos seus empregadores. Ela experimenta, de maneira rápida e inexplicável, uma ascensão meteórica na empresa, e passa a fazer, ao lado do próprio Eamon Bailey, discursos assistidos por centenas de milhões de pessoas ao redor do planeta, nos quais defende o fim da privacidade e de todo e qualquer segredo que alguém possa ter, com frases (vazias) de efeito como “segredos são mentiras”.
Com a ajuda de Ty Lafitte (John Boyega, de Star Wars – O despertar da Força), o engenheiro que projetou o True You, mas se afastou do Círculo, por perceber os rumos que a companhia estava tomando, Mae descobre que a empresa não é tão inocente quanto ela pensava. Ter acesso a todas as informações de todo mundo é potencialmente perigoso, muito perigoso. Ela consegue desmascarar a hipocrisia de Bailey, mas a última sequência do filme contradiz toda a crítica que Ponsoldt parecia estar querendo fazer: de novo em um caiaque, ao ver que está sendo filmada por drones, Mae sorri, com aquele sorriso inexpressivo que caracteriza Emma Watson. O sorriso sem graça de Mae Holland é incoerente com tudo que o filme mostrou até o momento, e joga por terra toda crítica que, pensava-se, o filme construía. Talvez James Ponsoldt esteja querendo dizer que não há como fugir aos avanços da tecnologia, e que esta avançará, aconteça o que acontecer.
Em alguns de seus discursos, Mae Holland defende apaixonadamente que uma tecnologia que vigia todo o mundo o tempo todo será benéfica para a humanidade. O Círculo impediria que pessoas mentissem ou que políticos desviassem verbas públicas para fins pessoais. “Não mentimos quando estamos sendo observados”, diz Mae Holland em um momento. Criminosos e terroristas seriam descobertos, não importa onde estivessem escondidos. O Círculo pretendia fazer o que Deus não fez: controlar todo mundo para que ninguém faça nada de errado. Com isso, a tecnologia seria usada para criar o mundo perfeito, o paraíso na Terra. Mas a utopia se torna uma distopia. A tecnologia, por mais avançada que seja, não pode fazer o que nem Deus pretendeu.
Fato é que, sendo observados ou não, temos liberdade de escolha, tomamos decisões, e temos que arcar com as consequências do que fazemos ou deixamos de fazer. Nisto se resume a vida: fazer escolhas, tomar decisões, e aceitar as consequências dos nossos erros e acertos, sem jogar a culpa de qualquer decisão infeliz nas costas dos outros.
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É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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