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O Brasil urbano

 É comum se aceitar que o processo de aceleração da urbanização no Brasil se deu a partir de 1950, pois ela só começou quando a indústria se tornou o setor mais importante da economia nacional. A passagem de uma economia agrário-exportadora para uma economia urbano-industrial ocorreu no século 20 e intensificou-se a partir de 1950. Iniciou-se, assim, o processo de “metropolização”, que diz respeito à concentração demográfica nas principais áreas metropolitanas do país. Graças a ele, o Brasil é hoje majoritariamente urbano, como comprovam os números do censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Quando se compara o censo de 2000 com o de 2010, chamam a atenção o aumento de 20.933.524 do total da população brasileira (cerca de 2 milhões por ano nos últimos 10 anos) e a diminuição de 1.999.225 habitantes das áreas rurais.

Para chegar a esses números o IBGE percorreu todo o território nacional (cerca de 8 milhões de quilômetros quadrados). A tarefa que envolveu 5.565 municípios, aproximadamente 58 milhões de domicílios e 314.018 setores censitários.1

Proponho algumas reflexões a partir dos dados.

“É necessária uma eclesiologia que olhe com cuidado para a rede de pobreza extrema nacional”. O aumento do total da população brasileira e a diminuição da quantidade de pessoas nas áreas rurais certamente intensificarão a rede de extrema pobreza nacional. De acordo com Antônio Márcio Buainain, professor do Instituto de Economia da Unicamp, “no plano mais estrutural o governo tem dois reptos: de um lado, elevar os investimentos públicos necessários para dar sustentação à expansão da economia, tarefa que vai bem além de construir estádios e reformar aeroportos para a Copa e a Olimpíada; e, de outro, erradicar ou pelo menos reduzir consideravelmente a pobreza extrema em que vivem cerca de 16 milhões de brasileiros, segundo recente estimativa do IBGE”.2

A eclesiologia brasileira dará conta dessa realidade?

“Os ‘sem-igreja’ ficarão de fato sem igreja?” Mesmo que o censo 2010 ainda não tenha disponibilizado os dados sobre a religião no Brasil, é sabido que entre 1950 e 2000 o número de brasileiros que se declararam sem-religião aumentou de 0,5% para 7,4% da população. Espera-se, portanto, um novo aumento no censo de 2010. É possível que já tenhamos cerca de 20 milhões de pessoas no Brasil que se declarem sem-religião.

“A religião foi perdendo sua plausibilidade, deixando de ser hegemônica. O sagrado que permeava a vida das pessoas, influenciando-as no seu dia-a-dia, vai sendo superado por outras formas racionalistas de encarar a realidade. Para Luckmann, um dos efeitos da secularização pode ser a privatização da religião e suas instituições, que, pela variedade de valores que oferecem ao consumidor, [fazem surgir] o que o autor chama de religião invisível”.3 Por que a igreja brasileira não acorda para esse gigante chamado secularização?

“Jovens buscam a fé sem a igreja”. O que dizer da nova forma de religiosidade crescente entre os jovens brasileiros, os crentes sem religião, que valorizam a fé, mas não se vinculam a uma igreja? Segundo José A. Paz, “a novidade reside precisamente nos crentes sem religião. ‘O espírito buscador do jovem não procura uma instituição religiosa que o enquadre, mas uma doutrina em que ele se encontre’, declarou a antropóloga Regina Novaes para a “IstoÉ”. A concepção de que a fé só poderia ser vivida dentro de uma religião ou de uma igreja passa a ser questionada pela juventude... para o jovem brasileiro, ter fé é mais importante do que seguir uma doutrina. Segundo [a] matéria da “IstoÉ”, ‘os símbolos religiosos antes difundidos na igreja e no âmbito familiar circulam mais por outras áreas de domínio público’, como nos blogs, nas camisetas, nas feiras, na moda. Sem dúvida, um desafio para as igrejas históricas, pentecostais, neopentecostais, na busca de jovens para suas fileiras”.4

“Por que os pastores e as conferências missionárias não se preocupam em estudar a cidade como campo missionário?” Preserva-se uma prática pastoral rural para uma realidade urbana, tanto na metodologia quanto na linguagem, nas estratégias, no estilo de pregação, na forma de exercer a liderança e no cuidado com as pessoas. Muitas conferências missionárias não têm mais um caráter reflexivo, mas lucrativo. Apela-se para os resorts, os hotéis, a comida, e a conferência torna-se um pano de fundo. As igrejas realizam conferências missionárias, mas permanecem no modelo de “missões” (no plural -- transcultural) e não “missão” (no singular -- missional, natureza da igreja). Missões é uma das atividades da igreja missional. Barth afimou: “Uma igreja que conhece sua missão não poderá nem quererá, em nenhuma de suas funções, persistir em ser igreja por amor de si mesma”.5 Já passou da hora de a cidade fazer parte da agenda de nossas reflexões.

As margens do Ipiranga já não são mais plácidas. Os nossos bosques -- dos centros urbanos -- já não têm tanta vida. Os guetos, becos e favelas mostram que não estamos deitados eternamente em berço esplêndido. A justiça não é uma clava forte, antes, se assemelha mais a uma cana fácil de se esmagar. E a igreja, também não foge à luta?

Notas
1. Disponível em: www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 17/05/11.
2. “O Estado de S. Paulo”, 17/05/11.
3. ARAÚJO, Sérgio e SEBATINI, F. “Sobre secularização”. “Caminhos”. Revista do Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás. Goiânia, p. 261-273, 2004, v. 2.
4. Disponível em: www.alcnoticias.net/interior.php?lang=689&codigo=11769. Acesso em 07/01/11.
5. BARTH, K. “Esbozo de dogmática”. Milão: Editorial Sal Terrae, 2000. p. 169-170.

__________
Jorge Henrique Barro
é diretor da Faculdade Teológica Sul Americana e vice-presidente da Fraternidade Teológica Latino Americana (continental).

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