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Opinião

O arcebispo de Olinda e Recife

Marcos Monteiro

No artigo “O dogma do aborto e o aborto do dogma” troquei o nome do arcebispo de Olinda e Recife por outro nome; mas já pedi desculpas e agradeci a quem percebeu e me avisou. Talvez tenha sido um ato falho (e Freud sorriria feliz), porém gostaria de eternizar o inesquecível arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, tendo o cuidado de não esquecer a contínua tentativa, por parte do atual arcebispo, de aborto da memória, dos sonhos e das realizações do “irmão dos pobres”.

O centenário do nascimento de Dom Hélder já foi comemorado amplamente e a sua vida não será esquecida facilmente, mas ninguém lembrará o nome do atual arcebispo: será mencionado somente como “aquele da mania da excomunhão” e como “aquele que tentou abortar as criações de Dom Hélder”.

O regime militar tentou excomungar Dom Hélder, contudo não conseguiu. Porta-voz dos que não tinham voz, acreditava em uma mística que combatia politicamente estruturas injustas e regimes ditatoriais como a primeira fonte de violência existente. “Quando eu dou de comer aos pobres, me chamam de santo. Quando eu pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista!”

Sua denúncia de um mundo onde dois terços vivem na pobreza, era acompanhada por uma atitude de compaixão e de iniciativas concretas em prol dos pobres. O famoso “Banco da Providência” atendia concretamente aos mais pobres, contraponto exemplar de um sistema bancário injusto e concentrador de riquezas. E o “Encontro de Irmãos”, difundido pelos bairros mais pobres de Recife e Olinda, era “pobres evangelizando pobres”, radicalização do evangelho, encontro com as origens do cristianismo.

Lembro de um momento com Dom Hélder, em Maceió, capital alagoana. O arcebispo já tinha oitenta anos de idade e já havia sido submetido a esse tipo de excomunhão não-oficial que as instituições administram. Na praça inaugurada com o seu nome, em meio a homenagens prestadas pelas autoridades civis e eclesiásticas, mas principalmente pelo povo, alguém lhe ofereceu uma cadeira. Ele perguntou: “O povo tem onde sentar?” e diante da negativa, rejeitou a cadeira. Repentinamente caiu uma grande chuva e alguém trouxe um guarda-chuva. Perguntou novamente: “Há guarda-chuva para o povo?” e não aceitou participar da deferência.

Essa busca de coerência é que lhe fez abandonar em 1968 o palácio episcopal para morar até 1999, até sua morte, em uma pequena e simples dependência da “Igreja das Fronteiras”, numa pequena rua do Recife.

Essa migração para uma igreja mais pobre, onde acolhe pacientemente todos os visitantes, é vivência teológica de um compromisso total. “As massas deste continente abrirão um dia os olhos, conosco, sem nós ou contra nós... Ai do cristianismo no dia em que as massas tiverem a impressão de terem sido abandonadas pela Igreja, tornada cúmplice dos ricos e dos poderosos.”

Homenageando Dom Hélder tentei (não sei se consegui) abortar e excomungar dessa coluna o atual arcebispo que ocupa o noticiário e a indignação nacional. Se na época do seu nascimento já existisse o combativo grupo feminino de “Católicas pelo direito de decidir”, talvez eu não tivesse precisado deste esforço.


Marcos Monteiro, autor de Um Jumentinho na Avenida, é mestre em filosofia, pastor na Primeira Igreja Batista em Bultrins, Olinda, PE, e na Comunidade de Jesus em Feira de Santana, BA, e professor no Seminário Teológico Batista do Nordeste em Feira de Santana. É vice-presidente do Centro de Ética Social Martin Luther King Jr.

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