Opinião
- 16 de junho de 2014
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O animal que nos tornamos
Em um livro (“That Hideuos Strength”, de C. S. Lewis) encontrei um debate entre um homem e uma mulher sobre uma cena onde um gatinho dormia tranquilamente no colo de um urso. A mulher dizia que eles tinham carinho um com o outro enquanto o homem dizia que isso era apenas uma questão de interesse mútuo, que não havia essa questão de afetos entre animais.
Consultado sobre o assunto, o mestre deles falou:
“Você tem que se tornar humano antes dos desejos físicos serem diferenciados de afeição, da mesma forma que você tem que ser tornar espiritual antes das afeições serem diferenciadas de amor”.
A beleza que vi na observação é que o autor ressalta a distinção entre animal, homem animal e homem espiritual. No animal, ele coloca o atendimento das necessidades básicas como objetivo principal da vida, deixando de lado questões morais e afetivas. O ser humano animal (químico e biológico) também teria essas necessidades, acrescidas da afetividade que, em alguns casos poderiam ser mais importantes que as carências físicas. O homem espiritual estaria noutro patamar. Ele seria capaz de amar, se dar, deixar de lado suas carências em função de outro ser.
Num outro livro (“The Princess and Curdie”, de George MacDonald) encontrei um trecho onde uma velha princesa manda um menino colocar as mãos em um fogo especial. Após muita dor, o menino adquiriu a capacidade de, apenas pegando na mão de alguém, identificar se a pessoa seria realmente humana ou apenas algum tipo de animal com corpo e linguagem humana.
Nesse texto a princesa diz que há pessoas que estão caminhando para serem animais (cada vez menos amor e cada vez mais desejos físicos), enquanto que outras estão sendo cada dia mais gente e menos animal. Perguntada se não seria bom avisarmos aos que estão se animalizando sobre o que estava acontecendo, ela respondeu que pessoas que caminham para serem animais não percebem isso e se ofendem ao serem informadas.
Meditando nesses textos e olhando ao meu redor (e para dentro de mim), vi que concordo com os autores. O parâmetro comparativo entre animal e homem, nessas questões, não é de inteligência ou sofisticação. O homem tem ficado cada vez mais elaborado na arte de convencer (marketing), de inventar e de embalar o que quer vender. Na outra ponta, os alvos dessa propaganda estão cada vez mais sendo influenciados e mais sujeitos a agirem conforme a imagens que lhes são vendidas (cada vez mais manipulados ou “adestrados”). Em minha opinião, as intenções das pessoas estão cada vez mais dirigidas para seus próprios interesses. Nesse sentido acho que estamos nos tornando como os gatos: sagazes, espertos, “carinhosos” às vezes, mas em boa parte voltados para nós mesmos. Ou seja, muitos caminhando para serem “animais”, educados, politicamente corretos, atenciosos, mas centrados em seus próprios interesses.
Quanto à questão do “homem espiritual”, queria aqui distinguir o ter rituais espirituais (prática externa com intenções predominantes de buscar solução para nossos problemas e desejos) do ser espiritual (internamente, com disposição mental voltada para o próximo, capazes de se compadecer e sacrificar-se em prol de alguém). Nesse sentido tenho a sensação de que não são muitas as pessoas espirituais. “Poucas pessoas espirituais” significa dizer que há poucas pessoas com capacidade de abnegação e serviço desinteressado. A consequência é desagregação, fraqueza no tecido comunitário, alta exposição às rupturas relacionais.
Diante dessas percepções (pessoais) acho que estamos cada vez mais coletivos (unidos em torno de objetivos comuns e circunstanciais, mas sem relacionamentos comprometidos com a pessoalidade) e menos comunitários (compartilhadores, comprometidos com o próximo, altruístas).
Observando as campanhas eleitorais e as diferentes manifestações de setores da sociedade, posso perceber que, quanto à escolha do voto, predomina a agenda pessoal de cada um enquanto que os interesses da nação são destacados pela minoria.
Os lares hoje, ao que me parece, também estão sendo formados por agendas pessoais, sem muita disposição de sacrifício do indivíduo pelo relacionamento. Talvez por isso o índice de separação esteja aumentando.
Peço a Deus que nos ajude a não termos uma nação de “pessoas adestradas”, que fazem qualquer coisa que o sistema pede para ganhar sua recompensa de “bom garoto”. Anseio ver muitas pessoas movidas por convicções internas, por valores e pela compaixão, não atraídas pelas iscas que são o dinheiro, o sucesso, a beleza física, o sexo, o poder.
Quanto a isso, porém, só me resta esforçar-me para fazer minha parte e esperar o milagre.
• José Miranda Filho foi presidente da ABUB (Aliança Bíblica Universitária do Brasil), ministério este ao qual ele está envolvido há mais de três décadas.
Leia também
O ser humano é admirável. Deus é incomparável
A falência dos deuses
A espiritualidade, o evangelho e a igreja
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Num outro livro (“The Princess and Curdie”, de George MacDonald) encontrei um trecho onde uma velha princesa manda um menino colocar as mãos em um fogo especial. Após muita dor, o menino adquiriu a capacidade de, apenas pegando na mão de alguém, identificar se a pessoa seria realmente humana ou apenas algum tipo de animal com corpo e linguagem humana.
Nesse texto a princesa diz que há pessoas que estão caminhando para serem animais (cada vez menos amor e cada vez mais desejos físicos), enquanto que outras estão sendo cada dia mais gente e menos animal. Perguntada se não seria bom avisarmos aos que estão se animalizando sobre o que estava acontecendo, ela respondeu que pessoas que caminham para serem animais não percebem isso e se ofendem ao serem informadas.
Meditando nesses textos e olhando ao meu redor (e para dentro de mim), vi que concordo com os autores. O parâmetro comparativo entre animal e homem, nessas questões, não é de inteligência ou sofisticação. O homem tem ficado cada vez mais elaborado na arte de convencer (marketing), de inventar e de embalar o que quer vender. Na outra ponta, os alvos dessa propaganda estão cada vez mais sendo influenciados e mais sujeitos a agirem conforme a imagens que lhes são vendidas (cada vez mais manipulados ou “adestrados”). Em minha opinião, as intenções das pessoas estão cada vez mais dirigidas para seus próprios interesses. Nesse sentido acho que estamos nos tornando como os gatos: sagazes, espertos, “carinhosos” às vezes, mas em boa parte voltados para nós mesmos. Ou seja, muitos caminhando para serem “animais”, educados, politicamente corretos, atenciosos, mas centrados em seus próprios interesses.
Quanto à questão do “homem espiritual”, queria aqui distinguir o ter rituais espirituais (prática externa com intenções predominantes de buscar solução para nossos problemas e desejos) do ser espiritual (internamente, com disposição mental voltada para o próximo, capazes de se compadecer e sacrificar-se em prol de alguém). Nesse sentido tenho a sensação de que não são muitas as pessoas espirituais. “Poucas pessoas espirituais” significa dizer que há poucas pessoas com capacidade de abnegação e serviço desinteressado. A consequência é desagregação, fraqueza no tecido comunitário, alta exposição às rupturas relacionais.
Diante dessas percepções (pessoais) acho que estamos cada vez mais coletivos (unidos em torno de objetivos comuns e circunstanciais, mas sem relacionamentos comprometidos com a pessoalidade) e menos comunitários (compartilhadores, comprometidos com o próximo, altruístas).
Observando as campanhas eleitorais e as diferentes manifestações de setores da sociedade, posso perceber que, quanto à escolha do voto, predomina a agenda pessoal de cada um enquanto que os interesses da nação são destacados pela minoria.
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Peço a Deus que nos ajude a não termos uma nação de “pessoas adestradas”, que fazem qualquer coisa que o sistema pede para ganhar sua recompensa de “bom garoto”. Anseio ver muitas pessoas movidas por convicções internas, por valores e pela compaixão, não atraídas pelas iscas que são o dinheiro, o sucesso, a beleza física, o sexo, o poder.
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• José Miranda Filho foi presidente da ABUB (Aliança Bíblica Universitária do Brasil), ministério este ao qual ele está envolvido há mais de três décadas.
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