Opinião
05 de setembro de 2011
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Novo nascimento e ecologia mental

Perguntas importantes, implícitas, ou subentendidas: "O que eras antes do nascimento? Qual o lugar de onde tu vens? Que fazes, agora, para dar sentido à tua origem?". Importa não pararmos os questionamentos sobre o sentido da vida, desde o primeiro sopro. Conhecendo as nossas origens, os lugares existenciais desde o início, inevitavelmente, sabemos do nosso fim, nosso fim e quem somos realmente (“pois ele conhece a nossa origem, sabe que viemos do pó” - Sl 103.14). É preciso tomar uma nova consciência. Paulo sugerirá outra maneira, no sentido do mundo principial reiniciado: A fé é uma história nova a cada dia... (Rm 4.1-5).
O diálogo com Nicodemos altera a lógica comum (Jo 3.1-11). Nicodemos respeita Jesus, mas se encontra dependente da primeira discussão: a fé que exige sinais; que produz portentos tecnológicos; que promove o desenvolvimento. Mas Jesus propõe uma mudança radical, não um novo conceito de renovação da fé. Não uma renovação, mas uma inovação: começar tudo do zero! Do nada. Desaprender o catecismo, chutar o balde, nascer de novo. Começar como um nascituro, abraçar uma natureza nova (natus, de natura, no latim). O tema se desloca para “razão” e “fé”. Nicodemos quer conversar logicamente, no uso da razão, do argumento e da prova, está em pauta a gnosis: conhecimento humano, tecnologias desenvolvimentistas.
Jesus responde rigorosamente à objeção de Nicodemos. Tão comum em tantas culturas: a água é fonte da vida. Água fecundada pelo Espírito, nos escritos bíblicos. O ventre materno, comum noutras culturas, na tradição bíblica, evocará a feminilidade criadora (rûah também é uma palavra feminina; o ventre criador de Deus tem atributos femininos e maternais). A Natureza não pode competir com o Homem, porém, serve-o como escrava desde todas as eras. A não ser quando as circunstâncias paleontológicas, geológicas, climáticas nos lembram das forças permanentes que atuam no Universo, não alcançáveis pela tecnologia ou pelo capital. Um maremoto causa o fechamento de uma usina nuclear, por exemplo, com esse fim.
A ecologia mental nos remete, entretanto, às causas remotas da crise ambiental. Noutro sentido, por que valorizar a natureza como estática e intocável, se ela própria pode ser objeto participante das transformações, com capacidade para a produção de energia e de alimentos para os tantos milhões de famintos, doentes e reclamantes de integração no moderno mundo das tecnologias de bem-estar?
Voltadas para as necessidades que precisam ser atendidas, de alimentos, habitação, urbanização humanizada, medicina de ponta socializada para os mais baixos níveis de consumidores, não há o desvio de finalidade. E quando ela só se justifica por oferecer lucro e capital, e privilégios para poucos? O assunto é vasto, uma vez que o mundo não pode retroceder à era pré-tecnológica, como já nos lembrava Jacques Ellul (A Técnica e o Desafio do Século). Sem dúvida estamos diante da necessidade de novos modelos de desenvolvimento e de novos sistemas econômicos, enquanto se buscam sustentabilidade e estabilidade social, face à extrema rapidez dos insumos tecnológicos.
Do que mais incomoda, porém, parques industriais estão lado a lado com universidades que pesquisam a biodiversidade. A razão instrumental técnica, antropocêntrica, ignora o ser humano como representante da vida natural e sua dependência da natureza. O motor da vida é a esperança de um mundo novo, transformado, a utopia, o futuro que desejamos. Tudo depende de nossa visão, do sonho. Se nossa vista capta somente o que é imediato e rasteiro ao nosso redor, ou se não é capaz de penetrar na realidade da promessa divina e descobrir que ali há algo de profundo e elevado para a vida, não entendemos nada da Bíblia. Abraão é a figura que melhor expressa a fé, no Primeiro Testamento. Deixar tudo, romper com tudo, e ir em busca do “mundo que eu te mostrarei”, sem segurança, sem saber o que lhe seria reservado, só confiando na Palavra de Deus, é o que estabelece a relação que podemos retirar da leitura sobre a fé e o novo nascimento.
“Deus não vê como os homens, que vêem a aparência, o Senhor vê o coração”. Isto é: Deus vê o íntimo do homem e das coisas (1 Sm 16.7). Jesus discorre sobre questões que se referem à origem e sustentação da vida, o que há de mais fundamental pertencente ao ser humano, sopro do Criador. Em primeiro lugar, preservar a vida. A prepotência da técnica não defende o homem, mas os instrumentos que este criou para gerenciar o Planeta. Confirma-se o dito: “comemos o que terminará por nos devorar”.
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Assim na Terra como no Céu
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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