Opinião
- 11 de abril de 2014
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Noé: como desconstruir um épico
Movida pela curiosidade e interesse inescapável de jornalista amante das artes fui ao cinema ver a mais nova versão em 3D da história de Noé, uma das mais belas, conhecidas e encantadoras narrativas bíblicas, há milênios fixada no imaginário da humanidade não só pelos que professam a fé cristã, como de outras vertentes religiosas.
Animada pelo “renascimento do épico bíblico”, como muitas análises apontavam, me coloquei entre as primeiras da fila, com ingresso comprado antecipadamente, é claro, para não perder a vez na estreia tão aguardada.
Na plateia, a presença ruidosa de muitos adolescentes se fez notar, algumas (a maioria) bastante ansiosas para ver o ator Logan Lerman, astro da franquia juvenil Percy Jackson. Em meio a essa companhia não exatamente silenciosa, encaro as mais de duas horas de filme já com um certo desconforto inicial.
Uma das primeiras cenas já dá indícios do tom impresso ao personagem central, Noé: um animal, uma espécie de cachorro com escamas, é perseguido por caçadores, quando Noé o salva, livrando-o de impiedosos algozes carnívoros. Na cena, uma clara alusão ao ambientalismo e à preservação das espécies. Já de cara fica evidente que o roteiro não seguiu a métrica bíblica que diz que “Tudo o que vive e se move servirá de alimento para vocês” (Gn 9.3). Até aí me divirto, já esperava uma narrativa bastante modernizada, “new age” e alinhada às correntes de pensamento atuais da história na visão do ateu Darren Aronofsky.
A seguir desenrola-se o enredo, que não vou esmiuçar aqui. Você pode preferir assistir ao filme primeiro (depois deixe aqui sua opinião!), mas apresento alguns pontos principais e curiosos do filme que tanta expectativa gerou para o público cristão ávido por um filme bem feito sobre um dos personagens mais importantes da fé cristã.
1. Noé é movido por um chamado de Deus, que no filme é denominado “Criador” – o nome de Deus jamais é mencionado -, que, diferentemente da narrativa bíblica se comunica por meio de sonhos e alucinações, o que dá um caráter difuso e mesmo confuso à sua grandiosa missão. Isso será evidenciado mais à frente, quando, já a bordo da Arca, Noé revela toda sua angústia em cumprir o propósito divino, oscilando entre ir adiante ou recuar no que acredita ser seu dever. O próprio Russel Crowe, ator que vem se especializando em herois épicos, fica totalmente esmagado diante de um papel que não se define e decididamente, não possui a grandiosidade que deveria.
2. Os auxilares na gigantesca tarefa de construir a arca são, nada mais nada menos, do que anjos caídos, transformados em criaturas de pedra que muito lembram os personagens do filme “Transformers” ou mesmo os seres fantásticos extraídos de “O Senhor dos Anéis”. Esses seres, denominados “Guardiões”, foram criados pela Industrial Light & Magic, empresa de George Lucas, responsável pelos efeitos visuais do filme, o que mais uma vez cria a expectativa de efeitos especiais espetaculares. Porém, o que se vê é mais do mesmo, dando a impressão de que já se viu aquilo em algum outro lugar não muito distante.
3. Uma das cenas mais interessantes e que poderia ser explorada em sua beleza exuberante seria a dos animais, em duplas de macho e fêmea, entrando e passeando pela arca. O resultado, no entanto, é pífio. Uma cena rápida, sem brilho e desinteressante, apesar de Aronofsky ter dito em entrevistas que a cena exigiu muito dos profissionais de animação, sendo uma das mais complicadas já executadas pela mítica empresa de Lucas. Para mostrar a convivência de tantas espécies dentro da arca, a solução foi fácil: todos eles dormem.
4. Os filhos de Noé, Sem, Cam e Jafé, são apresentados como modelos de beleza, mas repletos de fraquezas tipicamente humanas. Umas maiores intrigas do roteiro consiste no fato de que Cam, que não possui esposa, sai em busca de uma namorada em meio ao povo deixado para morrer no dilúvio. Encontra uma garota em meio ao caos reinante, mas esta morre em sua fuga para a arca, o que gera nele uma revolta interior que o leva a conspirar contra o pai chegando a se aliar ao seu arqui-inimigo Tubalcaim, que por meio de seu aliado consegue entrar na arca às escondidas. Um dos sentimentos que ficam desse episódio é indubitavelmente de um Deus tirano e implacável, que deixa inocentes morrerem à mingua, já que não fica explicado por que só Noé e sua família entram na arca e por que outros, aparentemente “do bem” morrem em meio ao dilúvio.
Por fim, o que se vê é uma colagem de personagens e fatos que não possuem relação entre si, numa narrativa que se pretendia épica e grandiosa, mas que perde força em meio a diversos elementos que vão do cabalístico, conceitos gnósticos, nova era, ambientalismo, gerando muita confusão na cabeça dos expectadores.
Liberdades artísticas à parte, Aronofsky poderia ter conduzido uma narrativa mais atrativa e menos cansativa. O longa não é só uma história mal contada e cheia de aditivos desconexos; é também um péssimo exemplo de entretenimento.
Para um filme que tinha todo o aparato de Hollywood à sua disposição e um orçamento de US$ 130 milhões, o resultado ficou muito aquém do que se esperava. Tirando as locações na Islândia e a beleza dos atores, ele se mostra cansativo e deixa uma sensação de vazio e de inevitável decepção.
O que se pode prever como ponto positivo do lançamento do filme é a discussão que certamante ele gerará. E também a volta às Escrituras, que jamais deixará de ser a referência central para um épico que se diz baseado em um episódio bíblico. E, para que, em meio à agitada e moralmente decaída era em que vivemos, nada melhor do que sacudir a apatia – de cristãos ou não – para que se voltem às verdades eternas, em um constante estado de alerta contra o sistema vigente.
Finalmente, citando Marcos 13.33-37: “Fiquem atentos! Vigiem! Vocês não sabem quando virá esse tempo. É como um homem que sai de viagem. Ele deixa sua casa, encarrega de tarefas cada um dos seus servos e ordena ao porteiro que vigie. Portanto, vigiem, porque vocês não sabem quando o dono da casa voltará: se à tarde, à meia-noite, ao cantar do galo ou ao amanhecer. Se ele vier de repente, que não os encontre dormindo! O que digo a vocês, digo a todos: Vigiem!”
Nota: artigo publicado originalmente no blog da autora.
• Jussara Teixeira é jornalista e assessora de imprensa.
Animada pelo “renascimento do épico bíblico”, como muitas análises apontavam, me coloquei entre as primeiras da fila, com ingresso comprado antecipadamente, é claro, para não perder a vez na estreia tão aguardada.
Na plateia, a presença ruidosa de muitos adolescentes se fez notar, algumas (a maioria) bastante ansiosas para ver o ator Logan Lerman, astro da franquia juvenil Percy Jackson. Em meio a essa companhia não exatamente silenciosa, encaro as mais de duas horas de filme já com um certo desconforto inicial.
Uma das primeiras cenas já dá indícios do tom impresso ao personagem central, Noé: um animal, uma espécie de cachorro com escamas, é perseguido por caçadores, quando Noé o salva, livrando-o de impiedosos algozes carnívoros. Na cena, uma clara alusão ao ambientalismo e à preservação das espécies. Já de cara fica evidente que o roteiro não seguiu a métrica bíblica que diz que “Tudo o que vive e se move servirá de alimento para vocês” (Gn 9.3). Até aí me divirto, já esperava uma narrativa bastante modernizada, “new age” e alinhada às correntes de pensamento atuais da história na visão do ateu Darren Aronofsky.
A seguir desenrola-se o enredo, que não vou esmiuçar aqui. Você pode preferir assistir ao filme primeiro (depois deixe aqui sua opinião!), mas apresento alguns pontos principais e curiosos do filme que tanta expectativa gerou para o público cristão ávido por um filme bem feito sobre um dos personagens mais importantes da fé cristã.
1. Noé é movido por um chamado de Deus, que no filme é denominado “Criador” – o nome de Deus jamais é mencionado -, que, diferentemente da narrativa bíblica se comunica por meio de sonhos e alucinações, o que dá um caráter difuso e mesmo confuso à sua grandiosa missão. Isso será evidenciado mais à frente, quando, já a bordo da Arca, Noé revela toda sua angústia em cumprir o propósito divino, oscilando entre ir adiante ou recuar no que acredita ser seu dever. O próprio Russel Crowe, ator que vem se especializando em herois épicos, fica totalmente esmagado diante de um papel que não se define e decididamente, não possui a grandiosidade que deveria.
2. Os auxilares na gigantesca tarefa de construir a arca são, nada mais nada menos, do que anjos caídos, transformados em criaturas de pedra que muito lembram os personagens do filme “Transformers” ou mesmo os seres fantásticos extraídos de “O Senhor dos Anéis”. Esses seres, denominados “Guardiões”, foram criados pela Industrial Light & Magic, empresa de George Lucas, responsável pelos efeitos visuais do filme, o que mais uma vez cria a expectativa de efeitos especiais espetaculares. Porém, o que se vê é mais do mesmo, dando a impressão de que já se viu aquilo em algum outro lugar não muito distante.
3. Uma das cenas mais interessantes e que poderia ser explorada em sua beleza exuberante seria a dos animais, em duplas de macho e fêmea, entrando e passeando pela arca. O resultado, no entanto, é pífio. Uma cena rápida, sem brilho e desinteressante, apesar de Aronofsky ter dito em entrevistas que a cena exigiu muito dos profissionais de animação, sendo uma das mais complicadas já executadas pela mítica empresa de Lucas. Para mostrar a convivência de tantas espécies dentro da arca, a solução foi fácil: todos eles dormem.
4. Os filhos de Noé, Sem, Cam e Jafé, são apresentados como modelos de beleza, mas repletos de fraquezas tipicamente humanas. Umas maiores intrigas do roteiro consiste no fato de que Cam, que não possui esposa, sai em busca de uma namorada em meio ao povo deixado para morrer no dilúvio. Encontra uma garota em meio ao caos reinante, mas esta morre em sua fuga para a arca, o que gera nele uma revolta interior que o leva a conspirar contra o pai chegando a se aliar ao seu arqui-inimigo Tubalcaim, que por meio de seu aliado consegue entrar na arca às escondidas. Um dos sentimentos que ficam desse episódio é indubitavelmente de um Deus tirano e implacável, que deixa inocentes morrerem à mingua, já que não fica explicado por que só Noé e sua família entram na arca e por que outros, aparentemente “do bem” morrem em meio ao dilúvio.
Por fim, o que se vê é uma colagem de personagens e fatos que não possuem relação entre si, numa narrativa que se pretendia épica e grandiosa, mas que perde força em meio a diversos elementos que vão do cabalístico, conceitos gnósticos, nova era, ambientalismo, gerando muita confusão na cabeça dos expectadores.
Liberdades artísticas à parte, Aronofsky poderia ter conduzido uma narrativa mais atrativa e menos cansativa. O longa não é só uma história mal contada e cheia de aditivos desconexos; é também um péssimo exemplo de entretenimento.
Para um filme que tinha todo o aparato de Hollywood à sua disposição e um orçamento de US$ 130 milhões, o resultado ficou muito aquém do que se esperava. Tirando as locações na Islândia e a beleza dos atores, ele se mostra cansativo e deixa uma sensação de vazio e de inevitável decepção.
O que se pode prever como ponto positivo do lançamento do filme é a discussão que certamante ele gerará. E também a volta às Escrituras, que jamais deixará de ser a referência central para um épico que se diz baseado em um episódio bíblico. E, para que, em meio à agitada e moralmente decaída era em que vivemos, nada melhor do que sacudir a apatia – de cristãos ou não – para que se voltem às verdades eternas, em um constante estado de alerta contra o sistema vigente.
Finalmente, citando Marcos 13.33-37: “Fiquem atentos! Vigiem! Vocês não sabem quando virá esse tempo. É como um homem que sai de viagem. Ele deixa sua casa, encarrega de tarefas cada um dos seus servos e ordena ao porteiro que vigie. Portanto, vigiem, porque vocês não sabem quando o dono da casa voltará: se à tarde, à meia-noite, ao cantar do galo ou ao amanhecer. Se ele vier de repente, que não os encontre dormindo! O que digo a vocês, digo a todos: Vigiem!”
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