Opinião
- 22 de fevereiro de 2008
- Visualizações: 3931
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
Nem que eu bebesse o mar
Jorge Camargo
Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste (atual Souk-Ahras, Argélia), em uma família burguesa, em 13 de novembro do ano 354, filho de Patrício, pai pagão, e de Mônica, uma cristã fervorosa que exerce sobre ele grande influência religiosa.
Em Cartago, onde seguiu para estudar, Agostinho aderiu ao maniqueísmo, filosofia religiosa que dividia o mundo entre bem, ou Deus, e mal, o Diabo, e que afirmava ainda que a matéria é intrinsecamente má e o espírito intrinsecamente bom. Agostinho julgou encontrar nesse dualismo maniqueu a solução do problema do mal e o sentido para a sua vida.
Ao terminar seus estudos, abriu uma escola em Cartago, partiu para Roma e posteriormente para Milão.
Aos trinta e dois anos, afastou-se definitivamente do ensino, em 386, por razões de saúde e também de ordem espiritual.
Ao final de um maduro exame crítico, Agostinho abandonou o maniqueísmo e abraçou a filosofia neoplatônica que lhe ensinou, entre outras coisas, a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal.
Em setembro do ano 386 Agostinho renunciou inteiramente ao mundo, à carreira e ao matrimônio; retirou-se durante alguns meses em companhia da mãe, do filho e de alguns discípulos nas proximidades de Milão. Ali, aos trinta e três anos, escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, foi batizado por Santo Ambrósio.
Depois de sua conversão, Agostinho abandonou Milão e após a morte de sua mãe em Óstia voltou para Tagaste. Depois de vender todos os seus bens e distribuir o dinheiro entre os pobres fundou um mosteiro. Ordenado padre em 391 e consagrado bispo em 395 governou a igreja de Hipona (atual Annaba, Argélia) até a morte, aos setenta e cinco anos de idade, que ocorreu durante o assédio da cidade pelos Vândalos, em 28 de agosto do ano 430.
De Agostinho muito poderia ser dito. Dentre outras coisas, que foi o primeiro grande filósofo cristão, o último dos pensadores antigos e o primeiro dos medievais. Que inaugurou a literatura confessional, e que seu livro Confissões tem no mundo Medieval tanta importância quanto a que é dada à Odisséia ou à Divina Comédia na Antiguidade Clássica.
Nele, escrito quando tinha 43 anos de idade, Agostinho narra sua vida e revela a descoberta da intimidade, que poderia ser definida como alma ou realidade espiritual, que não quer dizer necessariamente o não-material, mas a realidade que é capaz de entrar em si mesma.
É de Agostinho a máxima que diz, "não vá fora, entra em ti mesmo: no homem interior habita a verdade".
Sua grande constatação é a da interioridade. Essa entrada na intimidade, no mais profundo de si mesmo em confissão, é o tema de sua autobiografia e é também o cerne de seu pensamento: a descoberta de sua própria intimidade, que começa com ele e que se torna uma aquisição de todos nós.
Quando penso em Agostinho e em mim mesmo, portanto, uma palavra me vem à mente: sede.
Desde os primeiros anos de vida, Agostinho revela um anseio profundo, uma busca incessante por sentido e significado; a busca que é, por fim, a que todos empreendemos.
Impossível também não relacionar seu anseio à letra do Djavan na canção Seduzir:
"Vou andar, vou voar pra ver o mundo, nem que eu bebesse o mar encheria o que eu tenho de fundo."
Vejo Agostinho como um parceiro, um companheiro de jornada que em muitos momentos diz coisas que eu não consigo dizer, que expressa em linguagem profunda e poética minha inquietação diante das muitas perguntas sem resposta que me povoam a alma.
Por isso, considero-o um amigo. Afinal, amigo é aquele que nos canta ao ouvido a nossa própria melodia, a melodia que nos identifica, que nos revela ao mundo e que por muitas vezes esquecemos ao longo do caminho, e que só amigos de verdade também conhecem e podem cantarolá-la, a fim de que retomemos o tom da vida.
(Trecho do livro-CD "Somos Um", de Jorge Camargo, a ser lançado oficialmente em 25 de fevereiro na Livraria Saraiva do Shopping Morumbi-SP)
• Jorge Camargo, mestre em ciências da religião, é intérprete, compositor, músico, poeta e tradutor. www.jorgecamargo.com.br
Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste (atual Souk-Ahras, Argélia), em uma família burguesa, em 13 de novembro do ano 354, filho de Patrício, pai pagão, e de Mônica, uma cristã fervorosa que exerce sobre ele grande influência religiosa.
Em Cartago, onde seguiu para estudar, Agostinho aderiu ao maniqueísmo, filosofia religiosa que dividia o mundo entre bem, ou Deus, e mal, o Diabo, e que afirmava ainda que a matéria é intrinsecamente má e o espírito intrinsecamente bom. Agostinho julgou encontrar nesse dualismo maniqueu a solução do problema do mal e o sentido para a sua vida.
Ao terminar seus estudos, abriu uma escola em Cartago, partiu para Roma e posteriormente para Milão.
Aos trinta e dois anos, afastou-se definitivamente do ensino, em 386, por razões de saúde e também de ordem espiritual.
Ao final de um maduro exame crítico, Agostinho abandonou o maniqueísmo e abraçou a filosofia neoplatônica que lhe ensinou, entre outras coisas, a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal.
Em setembro do ano 386 Agostinho renunciou inteiramente ao mundo, à carreira e ao matrimônio; retirou-se durante alguns meses em companhia da mãe, do filho e de alguns discípulos nas proximidades de Milão. Ali, aos trinta e três anos, escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, foi batizado por Santo Ambrósio.
Depois de sua conversão, Agostinho abandonou Milão e após a morte de sua mãe em Óstia voltou para Tagaste. Depois de vender todos os seus bens e distribuir o dinheiro entre os pobres fundou um mosteiro. Ordenado padre em 391 e consagrado bispo em 395 governou a igreja de Hipona (atual Annaba, Argélia) até a morte, aos setenta e cinco anos de idade, que ocorreu durante o assédio da cidade pelos Vândalos, em 28 de agosto do ano 430.
De Agostinho muito poderia ser dito. Dentre outras coisas, que foi o primeiro grande filósofo cristão, o último dos pensadores antigos e o primeiro dos medievais. Que inaugurou a literatura confessional, e que seu livro Confissões tem no mundo Medieval tanta importância quanto a que é dada à Odisséia ou à Divina Comédia na Antiguidade Clássica.
Nele, escrito quando tinha 43 anos de idade, Agostinho narra sua vida e revela a descoberta da intimidade, que poderia ser definida como alma ou realidade espiritual, que não quer dizer necessariamente o não-material, mas a realidade que é capaz de entrar em si mesma.
É de Agostinho a máxima que diz, "não vá fora, entra em ti mesmo: no homem interior habita a verdade".
Sua grande constatação é a da interioridade. Essa entrada na intimidade, no mais profundo de si mesmo em confissão, é o tema de sua autobiografia e é também o cerne de seu pensamento: a descoberta de sua própria intimidade, que começa com ele e que se torna uma aquisição de todos nós.
Quando penso em Agostinho e em mim mesmo, portanto, uma palavra me vem à mente: sede.
Desde os primeiros anos de vida, Agostinho revela um anseio profundo, uma busca incessante por sentido e significado; a busca que é, por fim, a que todos empreendemos.
Impossível também não relacionar seu anseio à letra do Djavan na canção Seduzir:
"Vou andar, vou voar pra ver o mundo, nem que eu bebesse o mar encheria o que eu tenho de fundo."
Vejo Agostinho como um parceiro, um companheiro de jornada que em muitos momentos diz coisas que eu não consigo dizer, que expressa em linguagem profunda e poética minha inquietação diante das muitas perguntas sem resposta que me povoam a alma.
Por isso, considero-o um amigo. Afinal, amigo é aquele que nos canta ao ouvido a nossa própria melodia, a melodia que nos identifica, que nos revela ao mundo e que por muitas vezes esquecemos ao longo do caminho, e que só amigos de verdade também conhecem e podem cantarolá-la, a fim de que retomemos o tom da vida.
(Trecho do livro-CD "Somos Um", de Jorge Camargo, a ser lançado oficialmente em 25 de fevereiro na Livraria Saraiva do Shopping Morumbi-SP)
• Jorge Camargo, mestre em ciências da religião, é intérprete, compositor, músico, poeta e tradutor. www.jorgecamargo.com.br
Mestre em ciências da religião, é intérprete, compositor, músico, poeta e tradutor.
- Textos publicados: 39 [ver]
- 22 de fevereiro de 2008
- Visualizações: 3931
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Pesquisa Força Missionária Brasileira 2025 quer saber como e onde estão os missionários brasileiros
- A urgência da reconciliação: Reflexões a partir do 4º Congresso de Lausanne, um ano após o 7 de outubro
- Perigo à vista ! - Vulnerabilidades que tornam filhos de missionários mais suscetíveis ao abuso e ao silêncio
- Lutar pelos sonhos é possível após os 60. Sempre pela bondade do Senhor
- A última revista do ano
- Diálogos de Esperança: nova temporada conversa sobre a Igreja e Lausanne 4
- Para fissurados por controle, cancelamento é saída fácil
- Vem aí "The Connect Faith 2024"
- 200 milhões de Bíblias em 2023
- A liturgia da certeza