Opinião
- 08 de agosto de 2022
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Negacionismo teológico
Por Davi Bastos
Além do negacionismo científico – tão em voga –, há negacionismos teológicos, que são ainda mais perigosos
Muito tem sido dito sobre o negacionismo científico – a rejeição de conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico em favor de ideias radicais ou controversas. A seriedade do assunto ficou evidente na discussão acerca da vacinação contra a Covid-19. Cientistas sociais, psicólogos e filósofos têm tentado explicar o que é o negacionismo e quais são as suas causas, valendo-se de diversos conceitos, como vieses cognitivos, vícios epistêmicos e conspiracionismo.
Frank Wilczek, Nobel de Física em 2004 e laureado com o prêmio Templeton em 2022, diz: “[Os negacionistas] dizem: ‘Posso encontrar minha própria informação na internet’, mas não existiria internet sem uma compreensão da mecânica quântica e sem a ciência, nem sem o grande esforço dos engenheiros!”.
Esse modo de pensar sobre o negacionismo é muito instigante. O próprio meio de disseminação do negacionismo, a internet, depende da ciência. Similarmente, um outro mal nos assola: o negacionismo teológico. Há ao menos dois tipos de negacionistas teológicos.
Primeiro, há aqueles que vivem em uma realidade criada por Deus, ordenada por ele nos mínimos detalhes, que depende ontologicamente dele para subsistir. Contudo, recusam-se a acreditar que Deus existe. O apóstolo Paulo diz: “O que se pode conhecer a respeito de Deus é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, isto é, o seu eterno poder e a sua divindade, claramente se reconhecem, desde a criação do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que Deus fez. Por isso, os seres humanos são indesculpáveis. Porque, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, e o coração insensato deles se obscureceu” (Rm 1.19-21, NAA).
Paulo descreve uma atitude negacionista. Ele diz que a existência de Deus é um fato manifesto, óbvio. Todos têm conhecimento de que Deus existe. É algo básico e fundamental. Nós não existiríamos se Deus não nos tivesse criado. A própria realidade não existiria não fosse o trabalho do Criador. Mas até mesmo Wilczek, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), caiu nesse negacionismo ao se declarar panteísta.
Em segundo lugar, há aqueles entre nós que não negam que Deus existe, mas negam a importância do estudo teológico. Dizem: “A Bíblia é óbvia e direta, é simples e compreensível a todos. A teologia quer complicá-la, mas Deus nunca quis isso. Ele é contra essa teologia”. Contudo, é óbvio que as próprias traduções da Bíblia que leem são fruto de imenso labor da parte de muitos teólogos especialistas. Sem tais teólogos, a Bíblia ainda seria um conjunto de pergaminhos e papiros rasgados com textos em grego, hebraico e aramaico. Se hoje há uma Bíblia fácil de ler, isso só foi possível porque pessoas muito bem-intencionadas e capacitadas pegaram a Bíblia original, dificílima de ler, e a traduziram e adaptaram para as línguas modernas.
Toda forma de negacionismo é perigosa. O negacionismo científico pode ser catastrófico para a nossa sociedade, para a saúde e para as políticas públicas. Os negacionismos teológicos são ainda mais perigosos: o primeiro negacionismo teológico pode ser eternamente fatal para a nossa alma (e corpo!), enquanto o segundo desvaloriza os meios que temos (e recebemos de Deus) para alcançar os fins que mais prezamos. Que Deus nos livre dos negacionismos científico e teológicos.
- Davi Bastos é casado com Samara e pai de Moisés, Anastácia (in memoriam) e Irene. É editor da série de livros Filosofia e Fé Cristã (Editora Ultimato) e doutorando em filosofia na Unicamp.
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