Opinião
- 19 de dezembro de 2012
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Natal Coca-Cola
Entramos no torvelinho da festa secularizada do Natal. Uma expressão está na boca de todos: comprar, comprar, comprar... As ruas são iluminadas por mil lâmpadas, milhares de luzes e cores. A cidade está enfeitada. Guirlandas, adornos brilhantes, pinheirinhos são enfeitados dentro de nossas casas, algodão imita flocos de neve. Mas nosso verão é tipicamente um tempo de chuvas e tempestades incômodas, e as metrópoles padecem com esgotos transbordantes, barrancos que deslizam sobre habitações precárias construídas em encostas perigosas. Tudo acontece num câmbio grotesco onde as precauções são completamente esquecidas, juntamente com a capacidade de discernimento. Comprar se torna uma tarefa árdua para alcançar, tantas vezes, o desnecessário.
Generosidade periódica dos presentes obrigatórios confunde-se com a sacralização do consumo. Os verdadeiros impulsores do mito de São Nicolau não explicam porque Nicolau transexualmente é uma “santa”... Santa Claus! Crendices em “duendes” também envolvem a história. Em 1931, a Coca-Cola encomendou ao artista Habdon Sundblom a remodelação do/a Santa Claus. Uma propaganda da Coca-Cola, em cores de tom vermelho, mostra o Natal e o Papai Noel que a gente conhece e acabou adotando.
Engana-se quem imagina esta festa comemorada por todos com bons vinhos, regando assados de lombo de porco, perus, chesters, frutas secas e coisa e tal, sem distinção de classe. A rigor, a Coca-Cola é a dona da festa, e tudo que está por trás da mesma. Não há como comemorar um Natal à moda brasileira, com metáforas sobre a injustiça e opressão sempre presentes: “Tô levando uns amigos pra conversar / Eles vão com uma fome que nem me contem / Eles vão com uma sede de anteontem / Salta cerveja estupidamente gelada prum batalhão / E vamos botar água no feijão (“Feijoada completa”, Chico Buarque)1.
O Evangelho do Advento dá o tom para a comemoração da natalidade do Senhor no calendário cristão original. Prega mudanças, faz exigências éticas, critica o culto e as festas religiosas sem justiça, segundo os Evangelhos. Os textos de Lucas (3.7-18), Zacarias (13.4-6) e Isaías (12.2-6) são quase “apocalípticos”. Testemunha o Advento João Batista, precursor do Messias de Deus, em linha profética da mais antiga tradição de Israel, antes do judaísmo bíblico. Sua pregação, cortante como o melhor aço temperado, é impressionante.
O povo se comove, as gentes se aproximam para perguntar-lhe: “Que devemos fazer?”, uma prova de que compreenderam sua mensagem, perceberam que o batismo de João tem exigências quanto ao comportamento testemunhal na salvação que chega em Jesus. A resposta indica mudanças na vida: no meio do povo todos são iguais, quanto à inconsciência das realidades opressivas escondidas pelas festas populares.
Necessitamos do Salvador. Temos que ser salvos até de nós mesmos, inimigos que somos do projeto de Deus. João Batista nos lembra da peçonha que está em nós, como escorpiões suicidas que se envenenam picando-se com a própria cauda. Dramático! A mudança de conduta é bem mais que uma mudança de ideias. Trata-se de empenho para a transformação das velhas situações de opressão consentidas.
A exclusão, como uma velha ideia admitida no conformismo cotidiano, transmudada para a solidariedade e partilha de uma ideia de mudança profunda, através do arrependimento; pelo não reconhecimento dos pecados das estruturas de uma sociedade corrompida – da qual somos parte, depravados, coniventes, diria Calvino; e Paulo (Rm 3.10: “Não há sequer um justo!).
A exclusão é o alimento das injustiças dos magistrados; eles trabalham para as elites e oprimem o pobre. Os políticos, os dirigentes do mundo econômico se corrompem. A religião oportunista soma ao patrimônio da corrupção resultados econômicos milionários, sem diminuir suas culpas sociais 2.
As multidões, cuja infidelidade é proverbial nas Escrituras Sagradas, prostituem-se facilmente. Por isso não escapam da exortação: “Raça de víboras, façam coisas que mostrem que vocês se arrependeram” (Lc 3.7). As alegações sobre o pertencimento a um povo eleito, álibi para desafiar a necessidade colocada pelo profeta, são respondidas com veemência: “O machado já está pronto para cortar até as raízes das árvores...” O Novo Testamento explicita a alegria da justiça e da salvação que chega. Sendo insensíveis às raízes da fé, podemos ser substituídos até por pedras (... digo-vos que, se estes se calarem, as pedras clamarão – Lc 19.41). O cumprimento das promessas de Deus é motivo de alegria e de gozo profundo.
“O Senhor está perto” (Fp 4.5). Todas as preces a Deus devem estar imbuídas da alegria em ação de graças. A prática, esperança de justiça, deve permanecer na vida e experiência da alegria que leva a uma “paz” autêntica: “shalom” (biblicamente: paz espiritual, social, política, entrelaçadas, interdependentes, auto reguladoras; é paz com vida bem-aventurada por Deus).
O termo hebraico “shalom” deve ser traduzido a partir de seu significado desde a raiz. Literalmente significaria “estar inteiro” (J-Y. Leloup). Não há paz se as pessoas não estão inteiras, se lhes falta dignidade, cidadania, segurança e seguridade social, justiça elementar, trabalho, saúde, instrução para o desenvolvimento. Tem a palavra o profeta precursor que prega a correção de rumo num mundo impiedoso onde as pessoas não ousam olhar a realidade olho no olho. Talvez porque não sejamos corajosos o suficiente para admitir o quanto somos responsáveis por tudo que criticamos nos outros e ao nosso redor. Não basta uma “noite feliz”. Precisamos da epifania de Deus durante o ano inteiro.
Notas
1. De nossa parte, nos divertimos com o Natal brasileiro, à moda do que João Bosco cantou: “Toca de tatu, linguiça e paio e boi zebu / Rabada com angu, rabo-de-saia / Naco de peru, lombo de porco com tutu / E bolo de fubá, barriga d'água / (...) Um caldo de feijão, um vatapá, e coração / Boca de siri, um namorado e um mexilhão /Água de benzê, linha de passe e chimarrão / Babaluaê, rabo de arraia e confusão... (...) Meu pirão primeiro... é muita marmelada” (Linha de Passe, Aldir Blanc).
2. Na última segunda-feira, uma operação do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público, apelidada de “Entre Irmãos”, contou com o apoio de 72 policiais militares e a Polícia Federal para realizar a busca e apreensão de documentos e equipamentos na sede da igreja, conhecida como Presbitério Maranata (Operação Entre Irmãos, Gazeta 26.11.2012). Dirigentes da Igreja Cristã Maranata foram pegos com a boca na botija, sendo decretados quebra de sigilo bancário dos mesmos, e templos, centros recreativos e administrativos, interditados pela justiça. Cerca de 3.500 pastores, na base do esquema, esperam para ver no que dá, quando a cúpula inteira do presbitério diretor, 25 pastores e presbíteros, vai responder na justiça por improbidade, estelionato, evasão de divisas, malversação de recursos não tributáveis extraídos dos fieis.
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O incomparável Cristo (John Stott)
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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