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Opinião

Narcisismo, liderança e aparência

Por Taís Machado
 
Um mito pode esconder ou revelar muitas coisas. E o mito de Narciso, com diversas variações, foi difundido, sobretudo, pela psicanálise no século passado. Freud já abordava o tema. E desde então, muito mais se comentou e estudou a respeito. Na contemporaneidade é um tema do qual é difícil de se escapar quando refletimos sobre o ser humano. Mas, claro, o narcisismo possui múltiplos vértices através do quais pode ser abordado. 
 
A versão resumida, mas bastante difundida, seria a de um sujeito que, tendo se enamorado da própria imagem refletida na água, morre afogado na tentativa de agarrá-la. Alguns quando a contam dizem que se tratava de alguém belíssimo, além de vaidoso. E Narciso, certo dia, ao deitar-se para descansar próximo a uma nascente, vê finalmente sua imagem e acredita tratar-se de outro, do qual se enamora e ao qual, inutilmente tenta abraçar. Há os que dizem que se tratava de um pastor de ovelhas, que vivia isolado numa montanha, assim sendo, Narciso não tinha nem mesmo a consciência de existir. E, quando se viu refletido na água, ficou encantado não com sua beleza, mas porque, pela primeira vez, descobriu que existia. A partir desse momento, não pôde mais tirar os olhos de sua imagem porque o apavorava a ideia de que, se parasse de se olhar, pararia também de existir. Seja como for, atingiu profundamente a imaginação de pintores, escritores e poetas europeus por séculos. E continua tocando gerações, provocando pensamentos e ampliando reflexões.
 
Não me parece razoável atribuir ao narcisismo um olhar simplista que o encerre numa patologia, ou mesmo, criar teorias com escopo moralista. Tão pouco se pode sair distribuindo rótulos às pessoas, atribuindo-lhes “categorias diagnósticas” diante de toda a complexidade humana. Calma e respeito nos ajudam nas considerações, sobretudo, do humano. Afinal, nunca se pode reduzir uma pessoa a uma teoria. Lembremo-nos de que a realidade interior psíquica sempre é fugidia, tem suas defesas, nem sempre detectáveis facilmente. Sem contar que costumamos ser bons em nos autoenganar! São muitos os componentes psíquicos no comportamento humano, não é como um “tranquilo” quebra-cabeça de apenas 5.000 peças. E, para piorar, no que se refere ao nosso tema, cabe dizer que a maioria dos fenômenos narcisistas são inconscientes. Com tudo isso, porém, vale a pena refletirmos sobre o tema.
 
Liderança é um lugar de destaque. Pessoas que se tornam referência, ainda que por vezes, momentâneas, que não necessariamente têm autoridade, mas podem ter um determinado cargo que lhe traz algum prestígio, talvez até, poder. Se aparentemente são bem-sucedidas (isso daria uma longa conversa, que não nos cabe agora), recebem aplausos, seguidores, admiradores. E, quanto mais aparecerem, maior a chance de a popularidade multiplicar-se. Quem resiste a não cair numa dependência de aprovação e aclamação? Na sociedade do espetáculo as aparências contam muito, a imagem é supervalorizada, ainda que isso geralmente só funcione à distância, ou, só para as redes sociais. Por isso mesmo, a maioria dos líderes andam só, mantêm todos à distância, inclusive a própria família. Claro, não admitem tal postura, ao contrário, dizem ter muitos amigos, mas a realidade é solitária. 
 
Isso é bem triste, pois, o que predomina é o pensamento que líderes fortes não têm fraquezas, que bons líderes buscam a perfeição, que são modelos cujas falhas precisam ser escondidas a fim de não decepcionar. Assim sendo, não raro, adoecidos, trazem ainda uma realidade interior mascarada.
 
Em geral, são bem articulados, muitos são carismáticos, sedutores, e usam das palavras bem colocadas, escolhidas a dedo, a fim de esconder realidades, desejos, vaidades e obsessões. Encontrar líderes que admitam isso e busquem ajuda, de verdade, é tão raro como encontrar agulha num palheiro. Alguns deles até já entenderam que se ganha mais fãs se disser isso, numa aparente humildade, mas fogem e não têm coragem de serem confrontados em determinados espaços. E os conflitos se agravam. Veem apenas a imagem agradável que lutam por conquistar, num permanente esforço de editá-las caprichosamente, e prosseguem em captar no olhar dos outros a admiração pela própria “beleza”, como se o mundo fosse feito de espelhos que lhes devolvem sua amada imagem.
 
Contudo, uma profunda e constante insegurança os abate, inclusive, das próprias qualidades, fazendo assim o sujeito ir numa busca contínua da validação do outro, sem nunca se ver satisfeito, não importando o quanto possa receber de sua plateia. E, a fim de manter tal plateia cativa, tendo que encarar sentimentos apavorantes de críticas, ou, ameaçado de abandono, coloca todas as suas forças e todo empenho em agradar a todos, ou, ao menos, quase todos. Os que resistem à rendição da admiração do líder, com frequência, tornam-se inimigos a serem humilhados. 
 
O salmista diz: “quem pode discernir os próprios erros? Absolve-me dos que desconheço!” (Sl 19.12). Um reconhecimento sadio. E hoje, com outros recursos à disposição, como seria essa oração? O perdão já nos foi dado, mas será que podemos viver verdadeiramente uma vida mais plena, apesar de nossos erros?
 
Conteúdos reprimidos em nossa dinâmica psíquica podem nos levar à criação do que nunca foi alcançado, de uma certa realidade paralela. Daí a importância de aproximar-se das próprias privações, carências e vazios. Assumi-las, falar mais delas, enfim, tratá-las.
 
Há uma realidade que é consciente, há outra que é inconsciente, há o que nos é perceptível em um momento, mas nos foge em outro. E nossa autoimagem, em geral, é irregular, problemática, às vezes dramática, confusa, complexa. Por isso, mesmo passando a vida tentando se conhecer, todo esforço nos leva a saber apenas em parte.
 
Nas belas e profundas palavras do apóstolo Paulo: “Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido” (I Co 13.12). Por agora, mesmo com todo empenho, há limitação, só nos conheceremos em parte. Mas se essa parte pode ser conhecida e assim me ajudar a viver melhor e a melhorar a vida das pessoas que me cercam, então, mãos à obra. Até o encontro definitivo, com aquele que nos conhece plenamente.
 
• Tais Machado é psicoterapeuta e pastora em São Paulo. 


SOMOS TODOS NARCISO | REVISTA ULTIMATO

Narciso é aquele que “acha feio o que não é espelho”, que insiste em agarrar-se a si mesmo e não abre mão de viver por si mesmo. O narcisismo é a versão moderna do orgulho, para C. S. Lewis, o pior de todos os vícios.

É disso que trata a matéria de capa da edição de maio-junho da revista Ultimato, em breve na casa dos nossos assinantes. Para assinar, clique aqui.

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