Opinião
- 15 de novembro de 2016
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Não nos entristecemos como os que não têm esperança
Poucos dias antes de escrever este artigo, recebi a notícia do falecimento do pastor Elben César. Sinto um misto de gratidão, luto e esperança.
Gratidão pelo que ele representou para todos que o conheceram ou se beneficiaram das suas várias iniciativas ministeriais. E, pessoalmente, pelo privilégio de ter sido encorajado por ele desde meados dos anos 1980.
Ao mesmo tempo, sinto um luto. Luto, naturalmente, pela perda sofrida pela sua querida família. Mas também pela perda sofrida pela igreja brasileira, num momento de polarização, radicalização e politização excessiva, em que exemplos como Elben César nos fazem ainda mais falta.
Das várias maneiras como Elben César foi exemplo, quero destacar algumas que me parecem especialmente relevantes neste momento.
Ele foi exemplo de humildade pessoal e abertura intelectual. Fui lembrado disso toda vez que ele me perguntava a “minha” opinião até mesmo a respeito de coisas que, a meu ver, ele teria muito mais condições de entender do que eu. Ele sustentou a minha coluna e a de Robinson Cavalcanti no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, apesar de todas as críticas e insultos que recebíamos, ao mesmo tempo em que mantinha colunistas com opiniões bem diferentes. Hoje, numa época de líderes cristãos personalistas e de opiniões cada vez mais fechadas ao diálogo, fará muita falta a postura séria e de constante aprendiz de Elben César.
Ele foi também exemplo de ministério. Um ministério com tantas dimensões: evangelística, pastoral, social, intelectual, globalizada. Uma integralidade vivida. Na sua concepção da missão cristã, sabia somar ênfases e não apenas -- como tantos fazem hoje -- apenas substituir uma ênfase por outra.
Ele foi exemplo de colegialidade. Ao contrário de tantos líderes cristãos, procurava jogar em equipe, incentivando o ministério de outros, sem medo de que eles pudessem ter luz própria. Lembro-me de um incidente ocorrido poucos anos atrás. Ultimato havia publicado um editorial comentando, de forma aparentemente desfavorável, a liberdade religiosa que desfrutam os muçulmanos (e todos os outros) em países ocidentais. Na minha coluna na edição seguinte, fiz uma crítica forte dessa perspectiva, citando a frase, a meu ver, inapropriada. Só depois de publicado o meu artigo é que parei para pensar no exemplo de colegialidade humilde que Elben dava ao acatar e disseminar publicamente a minha crítica.
Finalmente, Elben César foi exemplo de perseverança, virtude muito em falta hoje, sobretudo em meios cristãos evangélicos. Foi um líder evangélico que seguiu até o fim. Não perdeu o caminho, nem se ausentou no meio da caminhada, nem jogou a toalha no meio das batalhas, mesmo recebendo críticas absurdas ou (cada vez mais comuns na época da internet) deselegantes.
Mas, além da gratidão e do luto, há também a esperança. Quando recebi a notícia do seu falecimento, me vieram à mente estas palavras de 1 Tessalonicenses 4.13: “Não nos entristecemos como os que não têm esperança”. A frase exprime a tensão cristã entre o luto e a esperança; ao mesmo tempo, a necessidade do luto e a importância de não perder de vista a esperança.
Notemos os dois elementos essenciais aqui. Primeiro, a frase não termina depois de “não nos entristecemos”, como alguns cristãos acham (ou aconselham os outros a acharem) e acabam suprimindo o luto, negando-o. Por outro lado, ela destaca a singularidade do luto cristão, que é tingido pela esperança, sem entregar-se ao desespero completo ou resignar-se a um sentimento de tragédia absoluta. Mas há ainda outra dimensão aqui. Não se trata de um equilíbrio que seja meio-luto e meia-esperança. Pelo contrário, trata-se de luto pleno e esperança plena, uma fusão completa como a fusão de plena humanidade e plena divindade em Cristo. Não um luto faz-de-conta, mas um luto genuíno. Não uma esperança faz-de-conta, mas uma esperança genuína. Trata-se de um equilíbrio que acredita que o luto e a esperança são plenamente compatíveis e não meramente justapostos. Negar o luto é não reconhecer a nossa humanidade; e negar a esperança é não reconhecer a divindade a que somos chamados. Suprimir o luto é sub-humano; faltar com a esperança é subcristão. Temos de nos enlutar com todo o nosso ser e nos agarrar à esperança com todo o nosso ser.
Assim nos despedimos de Elben César -- profundamente enlutados e profundamente esperançosos.
> Texto publicado originalmente na edição 363 da revista Ultimato.
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Gratidão pelo que ele representou para todos que o conheceram ou se beneficiaram das suas várias iniciativas ministeriais. E, pessoalmente, pelo privilégio de ter sido encorajado por ele desde meados dos anos 1980.
Ao mesmo tempo, sinto um luto. Luto, naturalmente, pela perda sofrida pela sua querida família. Mas também pela perda sofrida pela igreja brasileira, num momento de polarização, radicalização e politização excessiva, em que exemplos como Elben César nos fazem ainda mais falta.
Das várias maneiras como Elben César foi exemplo, quero destacar algumas que me parecem especialmente relevantes neste momento.
Ele foi exemplo de humildade pessoal e abertura intelectual. Fui lembrado disso toda vez que ele me perguntava a “minha” opinião até mesmo a respeito de coisas que, a meu ver, ele teria muito mais condições de entender do que eu. Ele sustentou a minha coluna e a de Robinson Cavalcanti no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, apesar de todas as críticas e insultos que recebíamos, ao mesmo tempo em que mantinha colunistas com opiniões bem diferentes. Hoje, numa época de líderes cristãos personalistas e de opiniões cada vez mais fechadas ao diálogo, fará muita falta a postura séria e de constante aprendiz de Elben César.
Ele foi também exemplo de ministério. Um ministério com tantas dimensões: evangelística, pastoral, social, intelectual, globalizada. Uma integralidade vivida. Na sua concepção da missão cristã, sabia somar ênfases e não apenas -- como tantos fazem hoje -- apenas substituir uma ênfase por outra.
Ele foi exemplo de colegialidade. Ao contrário de tantos líderes cristãos, procurava jogar em equipe, incentivando o ministério de outros, sem medo de que eles pudessem ter luz própria. Lembro-me de um incidente ocorrido poucos anos atrás. Ultimato havia publicado um editorial comentando, de forma aparentemente desfavorável, a liberdade religiosa que desfrutam os muçulmanos (e todos os outros) em países ocidentais. Na minha coluna na edição seguinte, fiz uma crítica forte dessa perspectiva, citando a frase, a meu ver, inapropriada. Só depois de publicado o meu artigo é que parei para pensar no exemplo de colegialidade humilde que Elben dava ao acatar e disseminar publicamente a minha crítica.
Finalmente, Elben César foi exemplo de perseverança, virtude muito em falta hoje, sobretudo em meios cristãos evangélicos. Foi um líder evangélico que seguiu até o fim. Não perdeu o caminho, nem se ausentou no meio da caminhada, nem jogou a toalha no meio das batalhas, mesmo recebendo críticas absurdas ou (cada vez mais comuns na época da internet) deselegantes.
Mas, além da gratidão e do luto, há também a esperança. Quando recebi a notícia do seu falecimento, me vieram à mente estas palavras de 1 Tessalonicenses 4.13: “Não nos entristecemos como os que não têm esperança”. A frase exprime a tensão cristã entre o luto e a esperança; ao mesmo tempo, a necessidade do luto e a importância de não perder de vista a esperança.
Notemos os dois elementos essenciais aqui. Primeiro, a frase não termina depois de “não nos entristecemos”, como alguns cristãos acham (ou aconselham os outros a acharem) e acabam suprimindo o luto, negando-o. Por outro lado, ela destaca a singularidade do luto cristão, que é tingido pela esperança, sem entregar-se ao desespero completo ou resignar-se a um sentimento de tragédia absoluta. Mas há ainda outra dimensão aqui. Não se trata de um equilíbrio que seja meio-luto e meia-esperança. Pelo contrário, trata-se de luto pleno e esperança plena, uma fusão completa como a fusão de plena humanidade e plena divindade em Cristo. Não um luto faz-de-conta, mas um luto genuíno. Não uma esperança faz-de-conta, mas uma esperança genuína. Trata-se de um equilíbrio que acredita que o luto e a esperança são plenamente compatíveis e não meramente justapostos. Negar o luto é não reconhecer a nossa humanidade; e negar a esperança é não reconhecer a divindade a que somos chamados. Suprimir o luto é sub-humano; faltar com a esperança é subcristão. Temos de nos enlutar com todo o nosso ser e nos agarrar à esperança com todo o nosso ser.
Assim nos despedimos de Elben César -- profundamente enlutados e profundamente esperançosos.
> Texto publicado originalmente na edição 363 da revista Ultimato.
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Autor de "Religião e Política, sim; Igreja e Estado, não" e "Nem Monge, Nem Executivo - Jesus: um modelo de espiritualidade invertida", ambos pela Editora Ultimato; e "Neemias, Um Profissional a Serviço do Reino" e "Quem Perde, Ganha", pela ABU Editora, Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é doutor em sociologia pela UNICAMP. É professor do programa de pós-graduação em ciências sociais na Universidade Federal de São Carlos e, desde 2003, professor catedrático de sociologia no Calvin College, nos Estados Unidos. É colunista da revista Ultimato.
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