Opinião
- 16 de março de 2007
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Música cristã contemporânea
O preço da liberdade
A Reforma Protestante representou uma ruptura com o mundo medieval. Desde a revolta de Wycliffe contra Roma na Inglaterra, passando por Lutero na Alemanha, Calvino e tantos outros que os seguiram, a liberdade passou a ser o lema. Liberdade para ler as Escrituras, para cultuar a Deus, para ser uma comunidade religiosa não vinculada ao Estado, enfim, todas as conquistas que vários registros na História têm destacado nos anos que se seguiram a este movimento tão importante.
Ocorre que a liberdade tem um preço, e um preço muito alto. É só olharmos a realidade religiosa do contexto protestante ao nosso redor. Todo dia nasce uma nova comunidade, com teologia e prática próprias, apregoando conceitos que seus líderes entendem que sejam inspirados pelos valores expressos no texto sagrado, ou por valores muitas vezes inspirados por outros textos (ou intentos) questionáveis. De novo, este é o preço da liberdade.
Muitos, bem-intencionados, têm tentado "pôr ordem na casa", propondo uma mobilização em prol de uma liga aglutinadora de pessoas e valores reformados, que possam dar rumo e ser prumo para uma comunidade tão desintegrada e desconectada. Ledo engano. O "bicho" da liberdade escapou por entre os dedos, saltou na mata e não há santo (no sentido genérico da palavra) que consiga capturá-lo, a fim de trazê-lo de volta à sua redoma... Que cara é esta tal liberdade!
Há vinte e tantos anos trabalhando com música entre as comunidades cristãs, observo que o fenômeno desta liberdade tem se manifestado também nas artes, com toda a intensidade e todas as implicações dela decorrentes. No início da minha caminhada eram poucos os grupos, raras as produções, difícil o acesso a material importado, por exemplo. Hoje as coisas estão bem diferentes. Por conta, em parte, da abertura econômica dos anos 90, temos nas prateleiras de nossas livrarias todo tipo de música religiosa internacional à disposição, sem falar na nacional, há algum tempo rotulada de gospel.
Permita-me você, leitor, que está dispondo de seu tempo tão precioso para ler este texto e, quem sabe, saber onde acaba esta história sobre essa tal liberdade, a mesma liberdade de dizer que discordo desse rótulo para a música que eu e outros temos produzido e veiculado nos últimos anos.
Em nome da herança dos reformadores, em nome de mais de 2 mil anos de história cristã, em nome do bom senso, em nome de minhas convicções pessoais e da paixão com que escrevo as canções para e acerca de Deus, de meus conflitos, minha fé, minhas esperanças, como vejo o mundo e a vida, como interpreto o coração humano a partir do meu próprio coração — permita-me, em nome desta liberdade, chamar minha música simplesmente de cristã. Sem querer que este nome se torne outro rótulo. Sem precisar de estratégia de marketing a fim de que esta música esteja nas melhores lojas do ramo. Sem expectativas de ser um sucesso. Com desejo, sim, de que outros ouçam, mas não a qualquer preço. Muito menos ao preço dessa liberdade tão preciosa de dizer o que está no coração, e não aquilo que as pesquisas me dizem que os outros querem ouvir.
Isto não é liberdade, e sim prisão. E o preço da prisão, comparado ao alto preço da liberdade, é, ainda assim, infinitamente mais alto.
• Jorge Camargo é músico, compositor, intérprete, poeta, tradutor e mestre em ciências da religião pela Universidade Mackenzie. www.jorgecamargo.com.br
Leia o livro
• Cristo e a Criatividade, Michael Card
A Reforma Protestante representou uma ruptura com o mundo medieval. Desde a revolta de Wycliffe contra Roma na Inglaterra, passando por Lutero na Alemanha, Calvino e tantos outros que os seguiram, a liberdade passou a ser o lema. Liberdade para ler as Escrituras, para cultuar a Deus, para ser uma comunidade religiosa não vinculada ao Estado, enfim, todas as conquistas que vários registros na História têm destacado nos anos que se seguiram a este movimento tão importante.
Ocorre que a liberdade tem um preço, e um preço muito alto. É só olharmos a realidade religiosa do contexto protestante ao nosso redor. Todo dia nasce uma nova comunidade, com teologia e prática próprias, apregoando conceitos que seus líderes entendem que sejam inspirados pelos valores expressos no texto sagrado, ou por valores muitas vezes inspirados por outros textos (ou intentos) questionáveis. De novo, este é o preço da liberdade.
Muitos, bem-intencionados, têm tentado "pôr ordem na casa", propondo uma mobilização em prol de uma liga aglutinadora de pessoas e valores reformados, que possam dar rumo e ser prumo para uma comunidade tão desintegrada e desconectada. Ledo engano. O "bicho" da liberdade escapou por entre os dedos, saltou na mata e não há santo (no sentido genérico da palavra) que consiga capturá-lo, a fim de trazê-lo de volta à sua redoma... Que cara é esta tal liberdade!
Há vinte e tantos anos trabalhando com música entre as comunidades cristãs, observo que o fenômeno desta liberdade tem se manifestado também nas artes, com toda a intensidade e todas as implicações dela decorrentes. No início da minha caminhada eram poucos os grupos, raras as produções, difícil o acesso a material importado, por exemplo. Hoje as coisas estão bem diferentes. Por conta, em parte, da abertura econômica dos anos 90, temos nas prateleiras de nossas livrarias todo tipo de música religiosa internacional à disposição, sem falar na nacional, há algum tempo rotulada de gospel.
Permita-me você, leitor, que está dispondo de seu tempo tão precioso para ler este texto e, quem sabe, saber onde acaba esta história sobre essa tal liberdade, a mesma liberdade de dizer que discordo desse rótulo para a música que eu e outros temos produzido e veiculado nos últimos anos.
Em nome da herança dos reformadores, em nome de mais de 2 mil anos de história cristã, em nome do bom senso, em nome de minhas convicções pessoais e da paixão com que escrevo as canções para e acerca de Deus, de meus conflitos, minha fé, minhas esperanças, como vejo o mundo e a vida, como interpreto o coração humano a partir do meu próprio coração — permita-me, em nome desta liberdade, chamar minha música simplesmente de cristã. Sem querer que este nome se torne outro rótulo. Sem precisar de estratégia de marketing a fim de que esta música esteja nas melhores lojas do ramo. Sem expectativas de ser um sucesso. Com desejo, sim, de que outros ouçam, mas não a qualquer preço. Muito menos ao preço dessa liberdade tão preciosa de dizer o que está no coração, e não aquilo que as pesquisas me dizem que os outros querem ouvir.
Isto não é liberdade, e sim prisão. E o preço da prisão, comparado ao alto preço da liberdade, é, ainda assim, infinitamente mais alto.
• Jorge Camargo é músico, compositor, intérprete, poeta, tradutor e mestre em ciências da religião pela Universidade Mackenzie. www.jorgecamargo.com.br
Leia o livro
• Cristo e a Criatividade, Michael Card
Mestre em ciências da religião, é intérprete, compositor, músico, poeta e tradutor.
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