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- 06 de maio de 2009
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Mulheres saradas e mulheres inadequadas
Bráulia Ribeiro
Estava visitando, pela primeira vez em mais de dez anos, uma tribo isolada com a qual trabalhei. A viagem envolvia algumas horas de voo em nosso pequeno hidroavião, mais de quatorze horas subindo um pequeno rio numa canoa, e depois uma caminhada de várias horas pela selva. Enquanto eu andava pela mata, já na parte final da viagem, nos sobes e desces, poças e troncos, meu espírito se angustiava. Ia chegar à tribo e sabia que teria de tirar minha roupa e celebrar minha chegada junto com eles, vestida de Eva e pintada de Urucum. Apesar de a chegada ser um momento de muita alegria, o fato de ter de ficar nua perto de meus colegas missionários me perturbava muito. Admito que quando era mais jovem passava pelo ritual da nudez tribal sem tantos constrangimentos... Agora, pesam sobre meu corpo a idade, os filhos que tive e seis anos amamentando sem plástica nem silicone. A coisa já não me parecia mais tão simples.
Meus companheiros de caminhada eram dois colegas de missão. Um casado com uma amiga e o outro solteiro recém-chegado, vivendo seu primeiro ano na mata. A possibilidade de ter aqueles olhares masculinos sobre meu corpo nu me torturava profundamente. Para os índios a nudez é parte da vida. Talvez uma sociedade nua possa ser até mais honesta; os traseiros são rostos, e, como nos rostos, o refletir do tempo não é uma vergonha, mas uma honra. Porém, para nós, animais urbanos pós-modernos, cidadãos do país campeão mundial em plásticas e implantes de silicone, país cujo símbolo principal é um bumbum feminino, não é assim.
Outra mulher da JOCUM ia comigo, também casada, um pouco mais jovem, estrangeira, e, quem sabe por isto, não tão consciente de seu bumbum. Seu principal ministério é andar pelo mundo a lutar contra as injustiças sofridas pelas mulheres. Não liguei as coisas, o fato de ela estar ali comigo e representar a luta contra a repressão e o abuso contra a mulher nos países pobres. Continuei a me lamuriar pelo que teria de passar e a questionar a validade de meu ministério. Há muitos anos atrás, quando caminhei pela selva numa distância muito maior para descobrir a tribo, nenhum destes questionamentos me passou pela cabeça. Bendita idade da inocência e das coisas em cima... Será que nosso espírito é íntegro e belo na mesma proporção da integridade de nosso bumbum? Ficaria nua não só no corpo, mas também no caráter, no ministério, na personalidade e na espiritualidade. Seria vista no raio X, eu mulher, mais branca do que deveria, mais pesada do que deveria, impropriamente mulher no mundo da supremacia masculina.
O sentimento de inadequação me sufocava. Na verdade, tal sentimento me perseguia havia algum tempo, desde que alguns anos antes assumi um ministério mais público. A partir daí passei a viver como um condenado diante do pelotão de fuzilamento. Um gesto fora do lugar, uma palavra, um grito e pumba, pápápápá, seria o fim... Por quê? Sou mulher.
Foi no meio de um caminho alagado que a voz de Jesus começou a sussurrar em meu ouvido. Mais de meia hora com água pela cintura, cruzando um igapó, (mata submersa) carregando a mochila no alto para não molhar e fincando uma vara na lama à frente antes de pisar para ter certeza de que não havia arraias deitadas esperando para enterrar seu ferrão em nossos pés. O frio da água, a lama dificultando os passos, a sombra do igapó e a voz de Jesus me dizendo: “Fica triste não minha filha, eu te enviei. Você é mulher, mas não é inadequada. É como mulher que você vai pisar lá, levando meu amor de mãe até eles”. Parei, maravilhada com isto no meio do igapó.
Estava visitando, pela primeira vez em mais de dez anos, uma tribo isolada com a qual trabalhei. A viagem envolvia algumas horas de voo em nosso pequeno hidroavião, mais de quatorze horas subindo um pequeno rio numa canoa, e depois uma caminhada de várias horas pela selva. Enquanto eu andava pela mata, já na parte final da viagem, nos sobes e desces, poças e troncos, meu espírito se angustiava. Ia chegar à tribo e sabia que teria de tirar minha roupa e celebrar minha chegada junto com eles, vestida de Eva e pintada de Urucum. Apesar de a chegada ser um momento de muita alegria, o fato de ter de ficar nua perto de meus colegas missionários me perturbava muito. Admito que quando era mais jovem passava pelo ritual da nudez tribal sem tantos constrangimentos... Agora, pesam sobre meu corpo a idade, os filhos que tive e seis anos amamentando sem plástica nem silicone. A coisa já não me parecia mais tão simples.
Meus companheiros de caminhada eram dois colegas de missão. Um casado com uma amiga e o outro solteiro recém-chegado, vivendo seu primeiro ano na mata. A possibilidade de ter aqueles olhares masculinos sobre meu corpo nu me torturava profundamente. Para os índios a nudez é parte da vida. Talvez uma sociedade nua possa ser até mais honesta; os traseiros são rostos, e, como nos rostos, o refletir do tempo não é uma vergonha, mas uma honra. Porém, para nós, animais urbanos pós-modernos, cidadãos do país campeão mundial em plásticas e implantes de silicone, país cujo símbolo principal é um bumbum feminino, não é assim.
Outra mulher da JOCUM ia comigo, também casada, um pouco mais jovem, estrangeira, e, quem sabe por isto, não tão consciente de seu bumbum. Seu principal ministério é andar pelo mundo a lutar contra as injustiças sofridas pelas mulheres. Não liguei as coisas, o fato de ela estar ali comigo e representar a luta contra a repressão e o abuso contra a mulher nos países pobres. Continuei a me lamuriar pelo que teria de passar e a questionar a validade de meu ministério. Há muitos anos atrás, quando caminhei pela selva numa distância muito maior para descobrir a tribo, nenhum destes questionamentos me passou pela cabeça. Bendita idade da inocência e das coisas em cima... Será que nosso espírito é íntegro e belo na mesma proporção da integridade de nosso bumbum? Ficaria nua não só no corpo, mas também no caráter, no ministério, na personalidade e na espiritualidade. Seria vista no raio X, eu mulher, mais branca do que deveria, mais pesada do que deveria, impropriamente mulher no mundo da supremacia masculina.
O sentimento de inadequação me sufocava. Na verdade, tal sentimento me perseguia havia algum tempo, desde que alguns anos antes assumi um ministério mais público. A partir daí passei a viver como um condenado diante do pelotão de fuzilamento. Um gesto fora do lugar, uma palavra, um grito e pumba, pápápápá, seria o fim... Por quê? Sou mulher.
Foi no meio de um caminho alagado que a voz de Jesus começou a sussurrar em meu ouvido. Mais de meia hora com água pela cintura, cruzando um igapó, (mata submersa) carregando a mochila no alto para não molhar e fincando uma vara na lama à frente antes de pisar para ter certeza de que não havia arraias deitadas esperando para enterrar seu ferrão em nossos pés. O frio da água, a lama dificultando os passos, a sombra do igapó e a voz de Jesus me dizendo: “Fica triste não minha filha, eu te enviei. Você é mulher, mas não é inadequada. É como mulher que você vai pisar lá, levando meu amor de mãe até eles”. Parei, maravilhada com isto no meio do igapó.
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