Opinião
- 05 de março de 2021
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Mulher, morte e miragem
Dia Internacional da Mulher, pandemia, suicídio e um Deus que - como a senhora da parábola em busca da moeda perdida - procura, acha e celebra as mulheres de todo o mundo
Por esses dias li no jornal a notícia sobre o suicídio de mulheres no Japão. Tal realidade é encarada como um drama e tormento social. Os dados traziam um aumento de 15% em relação a 2019 (6.976 mulheres tiraram a vida no ano passado).
Por Taís Machado
Por esses dias li no jornal a notícia sobre o suicídio de mulheres no Japão. Tal realidade é encarada como um drama e tormento social. Os dados traziam um aumento de 15% em relação a 2019 (6.976 mulheres tiraram a vida no ano passado).
A reportagem do New York Times comentava sobre esse fato e como o mal-estar que se amplia na pandemia, isto é, medo da solidão (onde uma em cada cinco mulheres vive sozinha, depara-se com um mundo pequeno que se torna menor com o isolamento), pressões no trabalho (as mulheres foram as que mais perderam emprego), a dificuldade em chorar, ataques de pânico, depressão, distúrbios alimentares, etc. Além disso, outras mulheres, enfrentaram disparidades profundas em relação à divisão do trabalho doméstico e cuidados com filhos na era do trabalho remoto, ou, sofreram com o aumento dos casos de violência doméstica e abuso sexual.
Para piorar, vivendo numa sociedade que valoriza o estoicismo, fica mais difícil falar sobre saúde mental, sendo assim, entre resistências e preconceitos, o preço psicológico e físico cobram a conta, pois, se algo não pode ou não se consegue dizer, o corpo irá gritar, expressando sintomas. Uma professora da Universidade Waseda, Michiko Ueda, disse: “Infelizmente, a tendência atual é culpar a vítima. Não apoiamos quem não é ‘dos nossos’. E, se você tem problemas mentais, você não é um dos nossos”.
Constatando tal realidade, além de toda a preocupação com os idosos que correspondem a 28,7% da população (a maior do mundo em proporção), o governo criou o cargo de ministro da solidão, na intenção de reduzir os efeitos do isolamento pela pandemia e lidar com as taxas de suicídio do país, que subiram após 11 anos.
Esta triste realidade num país de Primeiro Mundo pode nos ajudar a pensar sobre a qual é a realidade da mulher em outros tantos países subdesenvolvidos, além de sermos provocados a considerar melhor nossa realidade brasileira, repleta de desafios, desigualdades e dificuldades estruturais.
O que pensar, então, nesse Dia Internacional da Mulher? Essa poderia ser uma lição de casa – reconhecer e aprofundar a compreensão dessa realidade em pleno 2021. Contudo, lembro-me de uma conhecida parábola de Jesus (encontrada em Lucas 15.8-10), contada entre duas outras (da ovelha perdida e de dois filhos – um dito pródigo e o outro irmão mais velho). Trata-se de uma mulher que tendo 10 moedas de prata, supondo que perca uma, irá se empenhar em achá-la. E que ao encontrá-la, certamente, chamará amigas e vizinhas para festejar. E a partir dessa singela história Jesus comenta com seu público (chamados de pecadores e publicanos – gente de má fama) que quando um pecador se arrepende também há uma grande festa onde mesmo os anjos não se aguentam de alegria. Jesus com essas histórias ensinava sobre quem Deus era, especialmente dessa forma, para aqueles que achavam que não teriam nenhuma chance com Deus.
Bonito é ver Jesus contando que a alegria de Deus é como a alegria de uma mulher. Uma mulher que quando sabe que algo que lhe pertence está perdido, age cuidadosamente: acende, varre e procura. E em assim sendo, irá encontrá-la e festa não vai faltar, pois, ela cuida disso também – chama outros para participarem dessa alegria. Cabe lembrar que comparar Deus com um pastor de ovelhas ou como um pai não era algo raro, mas com uma mulher, sim. Poucos foram os profetas que o fizeram (Os 11.1-4; Is 42.14; 49.15), então, em certo sentido, Jesus é ousado em seu ensino, e claro, aquilo poderia ser um pouco estranho para muitos. Além disso o destaque é para a alegria, e uma alegria compartilhada, que promove ajuntamento intencional.
Refletir sobre Deus, mulheres e alegria em plena pandemia parece uma miragem – bom demais para ser verdade ou uma ilusão? Porque foi Jesus quem contou essa história para gente que não costuma ser valorizada, e o fez debaixo da crítica dos religiosos que estranhavam tal proximidade de dele com esse tipo de gente “derrotada”, “perdida”, “descartada”, tidas como inferiores ou, no mínimo, a serem evitadas, e sim, dignas de toda condenação; aí, não me parece tratar de miragem, ou seja, nada além de um sonho. Antes, me convida a considerar que enquanto há mulheres sofrendo, há um Deus que as procura, e não desistirá delas, pois, as vê como preciosas – vidas que importam, de verdade. Que ele vai agir. E como sei disso e pertenço a ele porque fui achada, estou disponível para participar, ir atrás, agir cuidadosamente e depois, participar de sua alegria. A festa vem aí, mas, para que ela se dê, perdidas precisam ser achadas.
• Taís Machado, psicoterapeuta e pastora em São Paulo.
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