Opinião
- 08 de maio de 2009
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Modelos para relacionar ciência e religião*
O modelo também subverte o cenário desejado por Dawkins, citado acima, no qual as explicações científica e religiosa aparecem como rivais.
Uma crítica do modelo da complementaridade
Duas críticas principais têm sido assestadas contra o modelo. A primeira é a de que ele pode escorregar rapidamente para uma forma MNI, fugindo assim à difícil tarefa de reunir dados aparentemente irreconciliáveis em uma teoria unificada. Esta é uma crítica válida levantada por Donald MacKay, para quem explicações complementares seriam justificadas “apenas quando concluímos que ambas são necessárias para fazer justiça à experiência”. 22
Conforme a segunda crítica, o modelo pode dar a impressão de que a ciência é a esfera da verdade objetiva e dos fatos, ao passo que a religião seria a esfera das convicções subjetivas e dos valores. Porém, não há razão, em princípio, para supor que descrições morais e religiosas não possam ser vistas como factuais tais como as descrições científicas. Podemos aceitar, por exemplo, como um fato moral, que o estupro e o canibalismo são errados. Se aceitarmos tais afirmações como fatos morais, não parecerá irracional argumentar que as dimensões morais ou religiosas em nossas descrições complementares da realidade podem ser tão factuais quanto a descrição científica.
Conclusões
Não há um modelo único que abranja adequadamente todas as complexidades das interações variadas entre a ciência e a religião. A despeito disso, um modelo parece ser claramente mais útil. Para aqueles interessados em dados, mais do que em retórica, o modelo do Conflito carece de plausibilidade, embora a sua exclusão não implique a ausência de fricção ocasional. Igualmente, o modelo MNI não convence, ao menos em sua forma “forte”. Os modelos de Fusão correm o risco de apagar os limites entre diferentes corpos de conhecimento, que deveriam ser mantidos distintos a bem da clareza. O modelo da complementaridade não dá conta de todas as interações entre a ciência e a religião, mas é válido para muitas delas, reconhecendo que a realidade é multifacetada. Aqueles que pensam que o conhecimento fornecido por sua própria especialidade é o único conhecimento que importa deveriam abrir suas mentes e ser menos paroquiais.
Notas
1. Watson J. D. and Crick F. H. C. “Nature” (1953) 171, 737-738.
2. John Hedley Brooke: 161.58.114.60/webexclusives.php?article_id=590
3. Barbour, I. “When Science Meets Religion”. San Francisco: Harper (2000); Haught, J. F., “Science and Religion; From Conflict to Conversation”. Paulist Press (2005); Stenmark, M. “How to Relate Science and Religion”. Grand Rapids/Cambridge: Eerdmans (2004).
4. Worral, J. “Science Discredits Religion”. In: Peterson, M. L. e Van Arragon, R. J., ed. “Contemporary Debates in Philosophy of Religion”. Blackwell (2004), p. 60.
5. “Sixth Form” é o termo usado no sistema educacional britânico para designar os estudos preparatórios para o exame nacional “A Level”, necessário para o ingresso na Universidade. A pesquisa foi feita entre esses estudantes (N. T.).
6. Wilkinson, D. “Hawking, Dawkins and The Matrix”. In: Alexander, D., ed. “Can We Be Sure About Anything?”. Leicester: Apollos (2005) p. 224.
7. Dawkins, R. “River Out of Eden”. Harper Collins (1995), p. 46-47. Em Português: “O Rio que Saía do Éden”. Rocco (1996).
8. Miller, J.D., Scott, E.C. and Okamoto, S. “Public Acceptance of Evolution”. “Science” (2006) 313: 765-766.
9. Wilson, E.O. “Consiliência; A Unidade do Conhecimento”, Campus (1999).
10. Para leitura posterior: Brooke, J. H. “Ciência e Religião; Algumas Perspectivas Históricas”. Porto Editora, 2005. Lindberg, D.C. “The Beginnings of Western Science”, University of Chicago Press (1992); Lindberg, D. e Numbers, R., ed. “When Science and Christianity Meet”. University of Chicago Press (2004); Brooke, J. & Cantor, G. “Reconstructing Nature; The Engagement of Science and Religion”. T & T Clark, Edinburgh (1998); Harrison, P. “The Bible, Protestantism and the Rise of Natural Science”. Cambridge University Press (1998).
11. Larson, E. J. and Witham, L. “Scientists are still keeping the faith”, “Nature” (1997) 386, 435-436. Outra investigação ampla, organizada pela Comissão Carnegie entre 60 mil professores universitários nos Estados Unidos, aproximadamente um quarto de toda a docência universitária no país, mostrou que 55% daqueles envolvidos em ciências físicas e ciências da vida descreveram a si mesmos como religiosos, e cerca de 43% deles vão à igreja regularmente.
12. Por exemplo, “Christians in Science” (www.cis.org.uk); the “American Scientific Afilliation” (www.asa3.org); the “International Society for Science and Religion” (www.issr.org.uk), mas há muitas outras; ver links em: www.st-edmunds.cam.ac.uk/faraday/links.php.
13. Alexander, D. R. “Rebuilding the Matrix; Science & Faith in the 21th Century”, Oxford: Lion (2001), cap. 7.
14. Veja a nota 10.
15. Veja a nota 10.
16. “Non-Overlapping Magisteria -- NOMA”. Gould, S.J., “Os Pilares do Tempo”, Rocco (2002).
17. Por exemplo, Gould, S.J., sobre o reverendo Thomas Burnet (autor da obra setecentista “The Sacred Theory of Earth”), In: “Ever Since Darwin”, Penguin Books (1980), cap. 17, p. 141-146.
18. Davies, P. “The Mind of God; The Scientific Basis for a Rational World”. Simon e Schuster, ed. Reimpressa (1993); Davies, P. “The Goldilocks Enigma: Why is the Universe Just Right for Life?” London: Allen Lane (2006).
19. Berry, R.J., ed. “Real Science, real faith: 16 scientists discuss their work and faith”. Monarch, reprint (1995).
20. P. ex. Zukav, G. “A Dança dos Mestres Wu Li; Um Panorama da Nova Física”, ECE (1979).
21. Whitehead, A. N. “Process and Reality; An Essay in Cosmology”, New York: Macmillan (1929). Critical edn. By Griffin, D. R. & Sherbourne, D.W., New York: Macmillan (1978).
22. MacKay, D.M. “The Open Mind”, Leicester: IVP (1988), p 35.
• Denis Alexander é diretor do Faraday Institute for Science and Religion, e “Fellow” do St Edmund’s College, em Cambridge; é também “Senior Affiliated Scientist” no Babraham Institute, em Cambridge, onde foi anteriormente chefe do Programa de Imunologia Molecular e do Laboratório de Sinalização e Desenvolvimento de Linfócitos. O Dr. Alexander é também editor da revista “Science & Christian Belief” e autor de “Rebuilding the Matrix – Science and Faith in the 21th Century” (Lion, 2001).
* Esse artigo é parte da série “Faraday Papers”, publicada pelo Instituto Faraday para Ciência e Religião, uma organização sem fins lucrativos para educação e pesquisa localizada em Cambridge, Reino Unido. Uma lista desses artigos está disponível em www.faraday-institute.org. Traduzido por Guilherme de Carvalho.
Uma crítica do modelo da complementaridade
Duas críticas principais têm sido assestadas contra o modelo. A primeira é a de que ele pode escorregar rapidamente para uma forma MNI, fugindo assim à difícil tarefa de reunir dados aparentemente irreconciliáveis em uma teoria unificada. Esta é uma crítica válida levantada por Donald MacKay, para quem explicações complementares seriam justificadas “apenas quando concluímos que ambas são necessárias para fazer justiça à experiência”. 22
Conforme a segunda crítica, o modelo pode dar a impressão de que a ciência é a esfera da verdade objetiva e dos fatos, ao passo que a religião seria a esfera das convicções subjetivas e dos valores. Porém, não há razão, em princípio, para supor que descrições morais e religiosas não possam ser vistas como factuais tais como as descrições científicas. Podemos aceitar, por exemplo, como um fato moral, que o estupro e o canibalismo são errados. Se aceitarmos tais afirmações como fatos morais, não parecerá irracional argumentar que as dimensões morais ou religiosas em nossas descrições complementares da realidade podem ser tão factuais quanto a descrição científica.
Conclusões
Não há um modelo único que abranja adequadamente todas as complexidades das interações variadas entre a ciência e a religião. A despeito disso, um modelo parece ser claramente mais útil. Para aqueles interessados em dados, mais do que em retórica, o modelo do Conflito carece de plausibilidade, embora a sua exclusão não implique a ausência de fricção ocasional. Igualmente, o modelo MNI não convence, ao menos em sua forma “forte”. Os modelos de Fusão correm o risco de apagar os limites entre diferentes corpos de conhecimento, que deveriam ser mantidos distintos a bem da clareza. O modelo da complementaridade não dá conta de todas as interações entre a ciência e a religião, mas é válido para muitas delas, reconhecendo que a realidade é multifacetada. Aqueles que pensam que o conhecimento fornecido por sua própria especialidade é o único conhecimento que importa deveriam abrir suas mentes e ser menos paroquiais.
Notas
1. Watson J. D. and Crick F. H. C. “Nature” (1953) 171, 737-738.
2. John Hedley Brooke: 161.58.114.60/webexclusives.php?article_id=590
3. Barbour, I. “When Science Meets Religion”. San Francisco: Harper (2000); Haught, J. F., “Science and Religion; From Conflict to Conversation”. Paulist Press (2005); Stenmark, M. “How to Relate Science and Religion”. Grand Rapids/Cambridge: Eerdmans (2004).
4. Worral, J. “Science Discredits Religion”. In: Peterson, M. L. e Van Arragon, R. J., ed. “Contemporary Debates in Philosophy of Religion”. Blackwell (2004), p. 60.
5. “Sixth Form” é o termo usado no sistema educacional britânico para designar os estudos preparatórios para o exame nacional “A Level”, necessário para o ingresso na Universidade. A pesquisa foi feita entre esses estudantes (N. T.).
6. Wilkinson, D. “Hawking, Dawkins and The Matrix”. In: Alexander, D., ed. “Can We Be Sure About Anything?”. Leicester: Apollos (2005) p. 224.
7. Dawkins, R. “River Out of Eden”. Harper Collins (1995), p. 46-47. Em Português: “O Rio que Saía do Éden”. Rocco (1996).
8. Miller, J.D., Scott, E.C. and Okamoto, S. “Public Acceptance of Evolution”. “Science” (2006) 313: 765-766.
9. Wilson, E.O. “Consiliência; A Unidade do Conhecimento”, Campus (1999).
10. Para leitura posterior: Brooke, J. H. “Ciência e Religião; Algumas Perspectivas Históricas”. Porto Editora, 2005. Lindberg, D.C. “The Beginnings of Western Science”, University of Chicago Press (1992); Lindberg, D. e Numbers, R., ed. “When Science and Christianity Meet”. University of Chicago Press (2004); Brooke, J. & Cantor, G. “Reconstructing Nature; The Engagement of Science and Religion”. T & T Clark, Edinburgh (1998); Harrison, P. “The Bible, Protestantism and the Rise of Natural Science”. Cambridge University Press (1998).
11. Larson, E. J. and Witham, L. “Scientists are still keeping the faith”, “Nature” (1997) 386, 435-436. Outra investigação ampla, organizada pela Comissão Carnegie entre 60 mil professores universitários nos Estados Unidos, aproximadamente um quarto de toda a docência universitária no país, mostrou que 55% daqueles envolvidos em ciências físicas e ciências da vida descreveram a si mesmos como religiosos, e cerca de 43% deles vão à igreja regularmente.
12. Por exemplo, “Christians in Science” (www.cis.org.uk); the “American Scientific Afilliation” (www.asa3.org); the “International Society for Science and Religion” (www.issr.org.uk), mas há muitas outras; ver links em: www.st-edmunds.cam.ac.uk/faraday/links.php.
13. Alexander, D. R. “Rebuilding the Matrix; Science & Faith in the 21th Century”, Oxford: Lion (2001), cap. 7.
14. Veja a nota 10.
15. Veja a nota 10.
16. “Non-Overlapping Magisteria -- NOMA”. Gould, S.J., “Os Pilares do Tempo”, Rocco (2002).
17. Por exemplo, Gould, S.J., sobre o reverendo Thomas Burnet (autor da obra setecentista “The Sacred Theory of Earth”), In: “Ever Since Darwin”, Penguin Books (1980), cap. 17, p. 141-146.
18. Davies, P. “The Mind of God; The Scientific Basis for a Rational World”. Simon e Schuster, ed. Reimpressa (1993); Davies, P. “The Goldilocks Enigma: Why is the Universe Just Right for Life?” London: Allen Lane (2006).
19. Berry, R.J., ed. “Real Science, real faith: 16 scientists discuss their work and faith”. Monarch, reprint (1995).
20. P. ex. Zukav, G. “A Dança dos Mestres Wu Li; Um Panorama da Nova Física”, ECE (1979).
21. Whitehead, A. N. “Process and Reality; An Essay in Cosmology”, New York: Macmillan (1929). Critical edn. By Griffin, D. R. & Sherbourne, D.W., New York: Macmillan (1978).
22. MacKay, D.M. “The Open Mind”, Leicester: IVP (1988), p 35.
• Denis Alexander é diretor do Faraday Institute for Science and Religion, e “Fellow” do St Edmund’s College, em Cambridge; é também “Senior Affiliated Scientist” no Babraham Institute, em Cambridge, onde foi anteriormente chefe do Programa de Imunologia Molecular e do Laboratório de Sinalização e Desenvolvimento de Linfócitos. O Dr. Alexander é também editor da revista “Science & Christian Belief” e autor de “Rebuilding the Matrix – Science and Faith in the 21th Century” (Lion, 2001).
* Esse artigo é parte da série “Faraday Papers”, publicada pelo Instituto Faraday para Ciência e Religião, uma organização sem fins lucrativos para educação e pesquisa localizada em Cambridge, Reino Unido. Uma lista desses artigos está disponível em www.faraday-institute.org. Traduzido por Guilherme de Carvalho.
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