Opinião
- 15 de outubro de 2012
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Missão rima com diálogo
Terminada a palestra, vejo uma mão levantada no fundo do auditório. Sem saber se a pergunta vinha de um estudante crente, ateu ou agnóstico, ouço ansioso a pergunta. Logo descubro, não sem antes ficar desconcertado ao ouvir: “Você não vai falar sobre a segunda vinda do Senhor Jesus?”
Lancei rápidos olhares ao resto do auditório, buscando rastrear quem mais ali seria do clube dos crentes (aliás, ao qual pertenço) ou quem também estaria ali como eu, meio perdido com a questão. Logo vi um, aparentemente descrente, com uma cara que parecia dizer “como diabos apareceu essa pergunta e o que ela tem a ver com o debate sobre ‘Pluralidade e relativismo’?”. Bem, esse companheiro incrédulo tampouco creria no diabo, mas isso é conversa para outro momento.
Isso aconteceu na universidade pública em La Paz, Bolívia, naquela atividade a que me referi no artigo anterior. Quando tudo terminou, pude conversar pessoalmente com o piedoso estudante da “indagatória”. Ele parecia muito angustiado porque eu não havia pregado sobre a segunda vinda naquela hora e lugar. Sua aparente motivação era seu ardente desejo de que muitos fossem salvos. Quando eu lhe disse que possivelmente muitos não entenderiam a mensagem do evangelho se eu começasse por aí, veio então seu comentário que terminou por desconcertar-me, “é assim mesmo, muitos rejeitarão o evangelho!”.
Recuperado de minha surpresa, lhe disse algo mais ou menos assim: “se estás de fato interessado com a salvação de seus colegas, é melhor que se preocupe com a maneira com que lhes comunica o evangelho de vida em Cristo. Certamente muitos o rejeitarão, mas não devemos nos esconder detrás de uma pobre e imperfeita apresentação do evangelho. Nosso dever é construir pontes, viver e comunicar bem esse evangelho. Com certeza haverá rejeição, mas pelo menos teremos feito a nossa parte e o resto a gente deixa para o Espírito.”
Construir pontes foi o que o apóstolo Paulo fez em muitas ocasiões, mas aqueles que trabalham entre estudantes se maravilham em especial com o que ele fez em Atenas (Atos 17.16-34). Vejam como Paulo lidou com as aparentes barreiras ou obstáculos que encontrou ali: a idolatria, o interesse aparentemente fútil pelas novidades, um santuário meio engraçado no caminho, uma intelectualidade soberba dos atenienses. Em tudo o que poderia ser visto como obstáculos, barreiras, Paulo, ao contrário, viu oportunidades para construir pontes e comunicar o evangelho.
Interessados nas novidades? Conversemos todos os dias. Idolatria? Que bom que estão em uma busca espiritual. Orgulhosos de seus autores e de suas escolas filosóficas? Também os li e posso comentar a respeito de certos conceitos ou mesmo fazer citações de textos onde acertaram no alvo. Aquele altar por ali? Justo a partir dele lhes explicarei algo bem importante. Ou seja, para Paulo, cada uma das dificuldades era vista como uma oportunidade e um excelente ponto de partida para construir pontes de comunicação.
No final das contas sempre se chega a partes da mensagem em que há desacordos. É natural, algo que se espera em qualquer diálogo honesto. E que nos leva a duas perguntas extras. Primeira: como é que chegamos a esses momentos de confrontação, de que maneira? E a segunda: é possível que essa confrontação seja legitimamente respeitosa?
Quanto à primeira, recordo do livro que li avidamente em minha época de estudante universitário quando eu buscava compartilhar minha fé com meus companheiros. Nessa obra de Dostoiévski, o atormentado personagem de “Memórias do subsolo”, fechado em seu próprio mundo, diz em determinado momento:
“Destruí os meus desejos, apagai os meus ideais, mostrai-me algo melhor, e hei de vos seguir. Direis que talvez não vale a pena mesmo ocupar-se disso; mas, neste caso, posso responder-vos de modo idêntico. Estamos argumentando a sério; mas, se não quiserdes dignar a dirigir-me a vossa atenção, não serei o primeiro a inclinar a cabeça. Tenho o meu subsolo”.1
No texto vemos o personagem em um lampejo de abertura, deixando de estar encerrado em si mesmo, e disposto a considerar “algo melhor” e a “seguir” esse caminho. Mas será que eu estaria disposto a ocupar-me dessa tarefa, a esforçar-me para dialogar com esse que é diametralmente oposto a mim? A chave está na inclinação da cabeça. Se creio que não devo prestar atenção ao outro e àquelas que me parecem bobagens ou enganos em que ele tão piamente acredita, então posso esperar que naturalmente suceda essa ação reflexa de sua parte, um pescoço duro, um ouvido fechado e um coração trancado em seu próprio subsolo.
Custa tanto assim ouvir e interessar-se genuinamente pelo outro? Entendo que muitas vezes haja o desejo para rapidamente chegar aos pontos de desacordo e confrontação. E é possível que uma urgência se faça necessária, por exemplo, quando se trata de cuidar e preservar a vida, em especial do mais vulnerável. Mas não podemos deixar de lado a força do caminhar junto com o outro, o inclinar a cabeça em sua direção, escutar, tolerar, dialogar e nesse processo construir pontes para o “algo melhor” que você acredita ter a oferecer. Ou para revisar algo em sua postura e posição se necessário for.
Aquele estudante em La Paz que cria haver uma só maneira de apresentar o evangelho me fez voltar a pensar no poder das pontes de diálogo para a missão cristã. Voltarei a uns princípios para esse diálogo e sobre se é possível fazê-lo de uma maneira “legitimamente respeitosa” no próximo texto.
Nota:
1. Dostoiévski, Memórias do Subsolo, Ed. Paulicéia, p. 96.
Foto: Douglas Rezende
Foto: Douglas Rezende
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É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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