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Opinião

Missão No Mar Vermelho: um lançamento da Netflix

Por Carlos Caldas
 
Missão no Mar Vermelho (The Red Sea Diving Resort, 2019) do diretor israelense Gideon Raff, é uma produção da Netflix. O filme se baseia em um acontecimento histórico pouco conhecido, apesar de ter se dado em um passado recente: no início dos anos de 1980 o Mossad, o quase infalível serviço secreto israelense, designou alguns agentes para uma tarefa, no mínimo, diferente: resgatar os falashas, os judeus da Etiópia, e levá-los em segurança para Israel.

No século XIX o estudioso judeu Joseph Halevy esteve na Etiópia e conheceu uma população negra que se dizia judia, tinha conhecimento da língua hebraica e vivia de acordo com os princípios da Torá. Eles se diziam descendentes de Salomão e da Rainha de Sabá (1 Rs 10.1-13). Desde 1975 o governo israelense reconhece este grupo como sendo uma “tribo perdida” do antigo povo de Israel.

Com a fome que se instalou na Etiópia em meados dos anos de 1980 milhares de etíopes saíram do país, sendo que muitos eram falasha. Muitos foram para campos de refugiados no vizinho Sudão. Na segunda metade daquela década o governo israelense realizou operações para extrair judeus etíopes do Sudão e levá-los em segurança para Israel. Em 1991 explodiu uma guerra civil na Etiópia, o que forçou um número maior de etíopes a fugir do país. 
 
O filme de Gideon Raff conta a história de como um grupo de experientes agentes do Mossad arrendou um hotel na costa sudanesa para utilizá-lo como cobertura para as operações: a história muito curiosa e inusitada de um hotel “fake” que recebia turistas de verdade, que não imaginavam o que estava acontecendo.

O filme tem nomes de peso em seu elenco: Chris Evans, o Capitão América dos filmes do UCM (Universo Cinematográfico Marvel), bonito e carismático, interpreta Ari Kidron, o líder da equipe de agentes, a bela Halley Bennett é Rachel, a única mulher do grupo (antecipando uma crítica ao filme de Raff, o filme não explora as dificuldades que uma mulher branca ocidentalizada enfrentaria no Sudão dominado por uma ditadura islâmica radical), o veterano ator anglo-indiano Ben Kingsley (um dos poucos atores contemporâneos que confere um grande ar de dignidade a qualquer personagem que interpreta) e Greg Kinnear, um diplomata norte-americano que desconfia dos israelenses, não acredita que eles estejam apenas gerenciando um resort no litoral, e quer a todo custo descobrir o que eles estão de fato fazendo.

>> Arte, mídia, e consumo: uma abordagem cristã em Engolidos Pela Cultura Pop  <<

Outros atores menos conhecidos são Chris Chalk, que faz o Coronel Abdel Ahmed, um oficial sudanês sádico e cínico, e o ítalo-americano Alessandro Nivola, que vive Sammy, o médico da equipe, que tem um relacionamento de amizade complicado com Ari. Os outros dois integrantes da equipe, Jacob, vivido pelo ator holandês Michiel Huisman, é o bonitão exibicionista que quer mostrar para todo mundo o tempo todo que é bronzeado e “sarado”, o inglês Alex Hassell, que interpreta Max, personagem quase sem falas e que está quase o tempo todo com um arpão nas mãos, e Michael K. Williams, que é Kabede, o judeu etíope corajoso que ajuda a equipe de Ari nas muitas missões de resgate. 
 
O filme tem momentos de suspense e de ação. Alguns personagens são subutilizados e a narrativa chega a ser previsível. Chris Evans é o Capitão América sem o legendário escudo e sem superpoderes. Mas é um filme que vale a pena ser visto. O grande mérito do filme de Raff é chamar a atenção para um problema complicadíssimo na geopolítica mundial: a crise dos refugiados. Calcula-se que há hoje 65 milhões de refugiados em todo o mundo. São apátridas, não têm mais raiz em seus países, porque tiveram de sair, e ainda não se estabeleceram em lugar nenhum, e por isso vivem em situações de extrema fragilidade em todos os sentidos. A maior parte das igrejas cristãs não presta a devida atenção a este problema tão delicado. Exceção notável é a Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira, que organiza o projeto Tenda de Brincar, para atender crianças em um campo de refugiados no Oriente Médio. Mas no geral, é como se os refugiados não existissem. 
 
Em paralelo com a questão dos refugiados está a questão da migração proveniente de países pobres do Sul que querem encontrar melhores condições em nações afluentes do Norte. Com frequência há notícia de naufrágios de africanos no Mediterrâneo. O mar se torna o túmulo de centenas e centenas que morreram antes de conseguir chegar na Europa. Donald Trump nos Estados Unidos levou adiante a ideia do muro na fronteira mexicana, separando crianças de seus pais. Ironia das ironias: Trump é neto de imigrantes e sua atual esposa também é imigrante.

Recentemente um pastor evangélico nos EUA saiu a público defendendo a política de Trump com um argumento que é no mínimo, estranho: conforme este pastor, “o inferno tem uma política de portas abertas, mas o céu não”. Este pastor não prestou atenção para o fato que no Apocalipse, a Nova Jerusalém é descrita por João como sendo exatamente o contrário: “As suas portas nunca jamais se fecharão de dia, porque nela não haverá noite” (Ap 21.25). Os filhos de Israel foram imigrantes no Egito, e José, Maria e o menino Jesus foram refugiados no mesmo país. A Bíblia é particularmente sensível ao drama dos refugiados e dos (i)migrantes. E Missão no Mar Vermelho chama a atenção para este grave problema. 

É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
  • Textos publicados: 83 [ver]

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