Opinião
- 04 de setembro de 2020
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Ministério na igreja: um objeto de desejo e a tentação do poder
Por Gerson Joni Fischer
Há determinados termos que circulam ativamente no âmbito das igrejas cristãs, revestindo-se de significado especial para os que deles se utilizam. Uma destas palavras é ministério. Equívocos rondam a sua compreensão; necessita ser visitada, corrigida e instruída, considerando-se realidades que nos cercam como igreja em contexto brasileiro.
Diz-se que determinado indivíduo é um ministro ou ministra para destacar seu protagonismo no desempenho de tarefas voltadas à coletividade e que precisam ser realizadas no âmbito e em nome de uma comunidade cristã específica. Um exemplo de tais atividades são as celebrações de culto. Via de regra, o ministério é identificado em pessoas que exercem o pastoreio entre o povo de Deus. A dificuldade que se faz perceber em inúmeras igrejas locais em chão brasileiro, bem como no conjunto de distintas denominações eclesiásticas, é que o sentido do termo vem sendo invertido em seu entendimento e aplicabilidade, em comparação à sua acepção bíblica. Ao invés de denotar espírito de serviço, se o confunde como um direito de domínio. Associa-se o ministério cristão à índole de pessoas que o exercem, como se a estes pertencesse.
Ministros são servos de Deus entre o rebanho que lhes foi confiado para ser pastoreado, afirmou o apóstolo Pedro (1 Pedro 5.1-4). A esse respeito, lembramos as emblemáticas palavras de Jesus, ao inverter a ordem que impera no mundo, quando se trata de protagonizar liderança: “Sabeis que os governadores dos povos dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva” (Mateus 20.26-27). Por que, no entanto, a nossa experiência com a igreja se apresenta tão frequentemente de modo antagônico ao testemunho dos testamentos bíblicos? Os que deveriam servir, antes se parecem mais como dominadores, ao exigirem obediência e recompensas. Seria o caso de o ministério estar sendo entendido como um desiderato, um objeto de desejo pessoal?
O ministério de testemunhar a salvação por meio de Jesus Cristo é um serviço que foi confiado por Deus a todos os que creem. “Eu cri; por isso, é que falei”, afirmou o apóstolo Paulo, fazendo menção de um Salmo do Antigo Testamento (2 Coríntios 4.13; Salmo 116.10). Quem crê não consegue deixar de falar do que viu e ouviu. Liderar pelo serviço, por isso mesmo, é uma vocação dada à igreja. Ninguém, de um modo ou de outro, fica de fora. Servir enquanto ministério da igreja é privilégio de todo aquele que se tornou um discípulo de Cristo; ministério cristão não nasce de alguma característica inata a um indivíduo com inclinações para a liderança. Em tempos de coaching, como os nossos, é muito difícil compreender esta dimensão espiritual do ministério; cada membro do corpo de Cristo servindo em Seu nome e para o benefício dos demais.
Compreender a vocação de cada cristão para anunciar em palavras e atos de amor a salvação de Deus em Jesus Cristo, apresentou-se através da história da igreja como um assunto de difícil assimilação. No meio católico romano acabou-se por entender o ministério como um sacramento, instituindo-se grupos de ministros na igreja como possuidores de uma graça divina paralela àquela conferida por Deus a todo o seu povo. Foram considerados mediadores da salvação e, uma vez ordenados para esta função, entendeu-se que jamais podiam deixar de serem aceitos nesta sua condição “divinamente” instituída. No meio protestante e evangélico, apesar da afirmação de um sacerdócio comum a todos (1 Pedro 2.9-10), o risco de se subverter o sentido do termo ministério, de serviço para dominação, não se exibe como tentação mitigada. Projeção e enriquecimento pessoal sondam o imaginário dos que ingressam e seguem a carreira eclesiástica; são a causa de erros e escândalos, matéria permanente para exortação mútua. “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina” (1 Timóteo 4.16a). Por vezes, esta epopeia exposta de modo midiático se esconde sob o manto de um pretenso sacrifício em prol da verdade, de ações proféticas sem o devido envio.
Na igreja brasileira, de um modo geral, se faz necessário rediscutir o conceito de ministério da e na igreja, juntamente com suas implicações práticas. O ministério de testemunhar a palavra da salvação foi confiado ao povo de Deus, cabendo a este organizar os serviços, delegar tarefas que se fazem imprescindíveis para a propagação do evangelho. Sob o ponto de vista da doutrina cristã e da pastoral exemplificada em muitos testemunhos bíblicos, é impensável líderes evangélicos se comportando como se fossem presidentes de suas comunidades. Este desejo ardente por expansão de domínios é incompatível com a boa prática da edificação mútua, “exortai-vos mutuamente cada dia” (Hebreus 3.13).
A conversão de quem ministra na e a partir da igreja para uma intenção de serviço, realizada em gratidão ao que foi recebido por graça e fé, não se restringe aos que exercem funções públicas voltadas ao coletivo. Diz respeito também àquelas lideranças que desempenham diferentes tarefas de caráter mais pontual. O exercício do ministério que glorifica o nome de Jesus Cristo é assunto no céu (Lucas 9.51; Atos 1.11), carece de arrependimento e perdão diário, para que não predomine a maneira como, à parte da confissão de fé, se pratica a liderança na sociedade de um modo geral. Ministros e ministras também necessitam sujeitar-se permanentemente à Palavra de Deus e à ação santificadora do Espírito Santo, da mesma maneira que todos os que são ministrados pela palavra do evangelho e, tal, no exercício de seu ministério. Neste quesito, ninguém se encontra isento. Tiago a esse respeito alertou: “Meus irmãos, não vos tornei, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo. Porque todos tropeçamos em muitas coisas” (Tiago 3.1-2). A indagação é pertinente e permanece em prol da saúde do povo de Deus: ministério, serviço ou objeto de desejo?
• Gerson Joni Fischer é pastor na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Mestre em Teologia e História e doutor em Teologia Prática. E-mail: gerson.trabalhos@gmail.com.
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