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Mercado religioso privatiza a experiência de fé, diz teólogo

(ALC) “Vivemos os dias da religião sob medida, montada por consciências individuais que misturam os ingredientes disponíveis nas prateleiras do mercador religioso”, escreve o teólogo Ed René Kivitz, em artigo para o jornal Valor Econômico.
 
A experiência religiosa, afirma, já não se resume à obediência cega aos dogmas e à hierarquia institucional. “A so ciedade moderna não abandonou Deus, mas colocou seus intérpretes e seus representantes coletivos sob judice”, assinala o teólogo. A religião, agora, é privatizada e a experiência de fé é “à la carte”.
 
Mudanças nos padrões de vida dos europeus têm exercido influência direta no declínio do número de cristãos no continente. O cristianismo já não tem mais aquela força de ascendência no desenho de valores às populações da Europa.
 
“Valores da Europa” será tema de conferência internacional convocada pela Universidade de Tilburg, na Holanda, para o fim de novembro, e que contará com a participação de teólogos, antropólogos, acadêmicos em geral. A conferência ocupar-se-á de dois temas: a religião e a diversidade étnica, e cristãos e muçulmanos.
 
“O discernimento pessoal e um olhar mais crítico nos levam a questionar fundamentos da fé e as explicações religiosas do mundo”, avalia o sociólogo da religião Frédéric Lenoir, diretor da revista “Le Monde des Religios”, do jornal “Le Monde”.
 
O crescimento do número de citadinos e a consequente diminuição da população rural contribuíram para a ruptura da transmissão de valores religiosos. “Nas cidades, as pessoas não conhecem o vizinho, os filhos vão estudar longe de casa e se distanciam dos moldes tradicionais. Esse tipo de comportamento fragiliza a transmissão da fé”, analisa Lenoir.
 
Outro fator para tentar explicar a diminuição da prática religiosa cristã é o fenômeno do individualismo. Avanços sociais das últimas décadas na Europa levaram as pessoas a se inserirem cada vez menos em grupos e a pensar que o sucesso pessoal e profissional não depende mais de Deus.
 
Análise do “European Values Study(EVS)” mostra que, em1999, da população europeia 62,1% eram católicos e 25,8% protestantes. Em 2008, data do último relatório, os católicos caíram para 36,7% e os protestantes para 14,5%.
 
No Reino Unido, os protestantes passaram de 56,6% para 38,7% no período, e os católicos de 13,6% para 10,8%. Na Alemanha, os protestantes baixaram de 34,5% para 27%, enquanto o número de católicos ficou praticamente inalterado, em torno de 22%.
 
Aumentou, no período, o número dos sem religião. Na França, cresceram de 27% da população para 50%;  no Reino Unido, de 15% para 32,9%, na Alemanha, de 39,6% para 46,1%.
 
Enquanto o cristianismo vê o seu quadro de fiéis declinar, os muçulmanos aumentam o número de fiéis na Europa. Eles somam, atualmente, 44 milhões de pessoas, cerca de 6% da população europeia. O Islã viu o seu quadro crescer em 14,5 milhões de seguidores no Velho Mundo, de 1990 a 2010, assinala pesquisa do Pew Research Center. A previsão é que nos próximos 20 anos 8% da população europeia seguirão o profeta Maomé.
 
A Europa continuará recebendo imigrantes porque ela precisa de mão-de-obra, consequentemente, mais contingentes de muçulmanos deverão aportar no continente. O ex-primeiro-ministro italiano Massimo d´Alema, presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressistas, estima que a Europa precisará de 30 milhões de imigrantes nos próximos 30 anos para manter o equilíbrio entre a população ativa e a aposentada.
 
Ainda assim, o crescimento do islamismo em terras europeias tende a diminuir, pelos mesmos motivos que brecam o aumento de cristãos. A melhora da qualidade de vida dos imigrantes muçulmanos e da geração nascida no continente torna-os mais individualistas e materialistas, com as mesmas aspirações típicas da sociedade ocidental.
 
Lenoir anota que na medida em que jovens muçulmanos têm acesso à educação e conquistam melhores condições sociais, menor é a importância que emprestam à religião.
 
A França é o pais europeu que hospeda o maior contingente de muçulmanos no continente, estimado em 5 milhões de pessoas, ou 8% da população francesa. Dos muçulmanos “franceses”, 62% são jovens, entre 18 e 34 anos, e apenas 23% deles costumam frequentar a mesquita às sextas-feiras, dia tradicional de orações.
 
Estudiosos do Barna Group divulgaram pesquisa que levantou seis razões para o êxodo de jovens das igrejas. A pesquisa apresentou questionários, durante um período de cinco anos, a jovens, adultos, adolescentes, pastores evangélicos jovens e pastores mais idosos.
 
Quase um quarto dos jovens ouvidos, dos 18 aos 29 anos, disse que “os cristãos demonizam tudo o que não tem a ver com Igreja”, que as igrejas ignoram os problemas do mundo real (22%) e 18% disseram que a denominação a qual pertencem parece muito preocupada em apontar impactos negativos de filmes, músicas e videogames.
 
Um grupo de jovens respondeu que “a Igreja é chata”, e adolescentes indicaram que Deus parece estar ausente de sua experiência de igreja. Um terço dos jovens adultos ouvidos declarou que “os cristãos perecem confiar no fato de que conhecem todas as respostas” e um quarto deles afirmou que “o cristianismo é contra a ciência”.
 
Dois de cada cinco jovens adultos cristãos afirmaram que os ensinamentos da igreja sobre o controle da natalidade e sobre sexo são antiquados. Jovens adultos apontaram a exclusividade do cristianismo como um problema. Desse grupo, 29% declararam que “as igrejas têm medo do que as outras fés acreditam”.
 
O sexto fator apontado pelos jovens entrevistados tem a ver com o emocional. Eles sentem que a igreja “é pouco amistosa em relação às pessoas que têm dúvidas”.
 
A pesquisa do Barna Group diz respeito à situação dos jovens ocidentais que residem em países industrializados. No artigo que escreveu para o Valor, Kivitz aponta que nos países do Terceiro Mundo “a religião nunca saiu de moda.  Conceitos como modernidade e pós-modernidade passam longe dos dilemas de quem vive na pobreza e na miséria extrema”, afirma.
 
Os avanços da ciência, da técnica e da razão, apesar de significativos, não conseguiram promover um mundo melhor, de paz e de justiça, e nem conseguiram apontar caminhos para a felicidade e a realização existencial do ser humano. “O saldo da modernidade é o rompimento com as instituições sociais religiosas e o abandono da pessoa à sua própria consciência e à mercê de sua liberdade”, arrola Kivitz.
 
Por isso, agrega, as massas decepcionadas com a modernidade e suas promessas “voltam a correr para as categorias do sagrado, do transcendente do divino”. Para o teólogo brasileiro, “o atual retrato da fé permite a afirmação de que, se é verdade que as instituições religiosas estão abaladas, Deus continua vivo como sempre, e adorado – e idolatrado – como nunca”. 

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