Opinião
- 21 de setembro de 2015
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Meia-idade
Chico Buarque, numa dessas entrevistas rapidinhas de jornal, chamou-me a atenção ao nosso apego à redundância. Dizemos “água mineral”: haveria alguma que não o seja? “Planos para o futuro”. Conhece alguma previdência para o pretérito, algum plano de poupança para a adolescência que já se foi? “Jardim botânico”. Que outro tipo de jardim existiria? Só o da infância, mas aí é poesia.
Penso nisso ao considerar a expressão “crise de meia-idade”. Não é redundante? Desnecessário incluir “crise” antes de meia-idade. Quem está entre 40-60 anos sabe disso. Meia-idade é essa fase da vida em que olhamos para trás e para frente com um doloroso foco. Pelo retrovisor, vemos o que se perdeu, o que não se viveu, o mal-vivido, o não-vivido. Drummond conhecia Dante Alighieri, “il summo poeta” (o sumo poeta). A sua magistral obra “A Divina Comédia” começa pungente e cortante:
“No meio da jornada da nossa vida
Achei-me numa selva tenebrosa
Tendo perdido a verdadeira estrada”.
“No meio do caminho tinha uma pedra”, reintera Drummond, “tinha uma pedra no meio do caminho”.
Acordei madrugadinha-manhãzinha serena, antecipadora da primavera, com meu amigo Sabiá a plenos pulmões na janela. Esse sabiá deve ser um anjo dissimulado. Já não penso que perco o sono - Deus deve estar me acordando - sabiamente. Estou parando para ouvi-lo de agora em diante.
“Meia-idade”, expressão de Elliot Jacques (1965) é quando a alma da gente dá-se conta do quanto é pesado ser sozinha o arrimo do amor, o alicerce do sentido existencial, a estrutura afetiva-relacional do casamento, da estabilidade bio-psico-emocional da família. Segurar as pontas dá muito calo nas mãos da alma. Sangra. É como se alma quisesse voltar à posição fetal, carente, insegura, louca por um afeto que nunca veio, um abraço que nunca provou, algum algo - olha a redundância novamente - mas é isso mesmo: algum algo. Uma saudade de um lugar onde nunca esteve, pensando em C. S. Lewis descrevendo o céu, num dos livros da minha vida Surpreendido pela Alegria.
Meia-idade, diria Erickson, é generatividade ou estagnação. Ou a gente fica feliz da (e com a) vida e bota pra quebrar - criando, inventando, fazendo uma colher e bordando o cabo, diria minha mãe, amando mesmo, servindo mesmo, fazendo arte (no bom sentido), coisas belas, verdadeiras e boas - ou a gente mergulha na “Noite Escura”, para lembrar João da Cruz. Ou se encaverna, para lembrar Elias, depois da batalha/ vitória sensacional no Monte Carmelo. Que coisa! Da ovação para a depressão!
Meia-idade: o autor do Eclesiastes deveria estar nessa fase de sua vida: “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade!” (Névoa-nada, literalmente; fumaça, neblina ilusória e miragem). Davi acabou com a vida de Urias nessa fase? Na canção de Sting (do magistral álbum “The Soul cages”) que meu filho Bernardo (11 anos!) mais gosta, o eu-lírico é o Salmista David, cego por Bateseba... teria que idade o Rei-Poeta-Guerreiro, o herói de Israel? Não é difícil deduzir:
“A stone's throw from Jerusalem
I walked a lonely mile in the moonlight
And through a million stars were shining
My heart was lost on a distant planet
That whirls around the April moon
Whirling in an arc of sadness
I'm lost without you
I'm lost without you
And though you hold the keys to ruin
Of everything I see
With every prison blown to dust,
My enemies walk free
Though all my kingdoms turn to sand
And fall into the sea
I'm mad about you
I'm mad about you”.
O Pregador (Eclesiastes). O Salmista. E um profeta - Jonas!
Meia-idade é aquele momento em que Jonas nos bate à porta: “Társis! Társis! Társis! Não quero saber de Nínive e sua gente medíocre!”. Társis é a saída, o porto. Ou chame de Shangri-lá, Passárgada, Xanadu, na longínqua Mongólia levada à poesia por Samuel Taylor Coleridge como uma terra idílica, onde, finalmente, se é feliz. Não. Não fugirei para uma ilha deserta nem serei raptado por serafins, emprestando a expressão de bronze de Drummond. Enfrentarei a meia-idade (fiz 46 há um mês) como quem sabe que a vida é breve demais para ser pequena. Como quem sabe que “tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Como quem sabe que talvez a pessoa mais pobre seja aquela que só tem dinheiro. Como quem sabe que viver é perigoso (Guimarães Rosa), mas quem disse que não seria?
Outro dia, doido para chegar em casa, saudoso da família, na ponte aérea me veio uma canção:
Fica
Eu vou passar um cafezinho
Conta
Mais um pouquinho de você
Veja
Como essa vida é engraçada
A gente pra ganhar tem de perder.
A meia-idade é isso: perder para ganhar. Medite.
...
O que orar na meia-idade?
“Ensina-me a contar o nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios” (Salmo 90.12).
Leia também
Experiência e esperança na velhice
Ultimato vai falar sobre esperança na velhice
É preciso saber envelhecer
Foto: Per Hardestam/Freeimages.com http://www.freeimages.com/photo/hub-1466555
Penso nisso ao considerar a expressão “crise de meia-idade”. Não é redundante? Desnecessário incluir “crise” antes de meia-idade. Quem está entre 40-60 anos sabe disso. Meia-idade é essa fase da vida em que olhamos para trás e para frente com um doloroso foco. Pelo retrovisor, vemos o que se perdeu, o que não se viveu, o mal-vivido, o não-vivido. Drummond conhecia Dante Alighieri, “il summo poeta” (o sumo poeta). A sua magistral obra “A Divina Comédia” começa pungente e cortante:
“No meio da jornada da nossa vida
Achei-me numa selva tenebrosa
Tendo perdido a verdadeira estrada”.
“No meio do caminho tinha uma pedra”, reintera Drummond, “tinha uma pedra no meio do caminho”.
Acordei madrugadinha-manhãzinha serena, antecipadora da primavera, com meu amigo Sabiá a plenos pulmões na janela. Esse sabiá deve ser um anjo dissimulado. Já não penso que perco o sono - Deus deve estar me acordando - sabiamente. Estou parando para ouvi-lo de agora em diante.
“Meia-idade”, expressão de Elliot Jacques (1965) é quando a alma da gente dá-se conta do quanto é pesado ser sozinha o arrimo do amor, o alicerce do sentido existencial, a estrutura afetiva-relacional do casamento, da estabilidade bio-psico-emocional da família. Segurar as pontas dá muito calo nas mãos da alma. Sangra. É como se alma quisesse voltar à posição fetal, carente, insegura, louca por um afeto que nunca veio, um abraço que nunca provou, algum algo - olha a redundância novamente - mas é isso mesmo: algum algo. Uma saudade de um lugar onde nunca esteve, pensando em C. S. Lewis descrevendo o céu, num dos livros da minha vida Surpreendido pela Alegria.
Meia-idade, diria Erickson, é generatividade ou estagnação. Ou a gente fica feliz da (e com a) vida e bota pra quebrar - criando, inventando, fazendo uma colher e bordando o cabo, diria minha mãe, amando mesmo, servindo mesmo, fazendo arte (no bom sentido), coisas belas, verdadeiras e boas - ou a gente mergulha na “Noite Escura”, para lembrar João da Cruz. Ou se encaverna, para lembrar Elias, depois da batalha/ vitória sensacional no Monte Carmelo. Que coisa! Da ovação para a depressão!
Meia-idade: o autor do Eclesiastes deveria estar nessa fase de sua vida: “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade!” (Névoa-nada, literalmente; fumaça, neblina ilusória e miragem). Davi acabou com a vida de Urias nessa fase? Na canção de Sting (do magistral álbum “The Soul cages”) que meu filho Bernardo (11 anos!) mais gosta, o eu-lírico é o Salmista David, cego por Bateseba... teria que idade o Rei-Poeta-Guerreiro, o herói de Israel? Não é difícil deduzir:
“A stone's throw from Jerusalem
I walked a lonely mile in the moonlight
And through a million stars were shining
My heart was lost on a distant planet
That whirls around the April moon
Whirling in an arc of sadness
I'm lost without you
I'm lost without you
And though you hold the keys to ruin
Of everything I see
With every prison blown to dust,
My enemies walk free
Though all my kingdoms turn to sand
And fall into the sea
I'm mad about you
I'm mad about you”.
O Pregador (Eclesiastes). O Salmista. E um profeta - Jonas!
Meia-idade é aquele momento em que Jonas nos bate à porta: “Társis! Társis! Társis! Não quero saber de Nínive e sua gente medíocre!”. Társis é a saída, o porto. Ou chame de Shangri-lá, Passárgada, Xanadu, na longínqua Mongólia levada à poesia por Samuel Taylor Coleridge como uma terra idílica, onde, finalmente, se é feliz. Não. Não fugirei para uma ilha deserta nem serei raptado por serafins, emprestando a expressão de bronze de Drummond. Enfrentarei a meia-idade (fiz 46 há um mês) como quem sabe que a vida é breve demais para ser pequena. Como quem sabe que “tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Como quem sabe que talvez a pessoa mais pobre seja aquela que só tem dinheiro. Como quem sabe que viver é perigoso (Guimarães Rosa), mas quem disse que não seria?
Outro dia, doido para chegar em casa, saudoso da família, na ponte aérea me veio uma canção:
Fica
Eu vou passar um cafezinho
Conta
Mais um pouquinho de você
Veja
Como essa vida é engraçada
A gente pra ganhar tem de perder.
A meia-idade é isso: perder para ganhar. Medite.
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Foto: Per Hardestam/Freeimages.com http://www.freeimages.com/photo/hub-1466555
Gerson Borges, casado com Rosana Márcia e pai de Bernardo e Pablo, pastoreia a Comunidade de Jesus no ABCD Paulista. É autor de Ser Evangélico sem Deixar de Ser Brasileiro, cantor, compositor e escritor, licenciado em letras e graduando em psicologia.
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